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Um T2 num condomínio fechado, com dois lugares de garagem, na Av. Infante Santo, em Lisboa, por 221 mil euros? É um bom negócio, para os preços de hoje, e está num leilão. Uma herdade em Beja por 150 mil euros? Talvez tenha potencial e também está num leilão. Um prédio de 600 m2, do 6 ao 26 da Rua do Terreiro do Trigo, à venda por 286 mil euros e que possa ser remodelado e vendido por 5,7 milhões? Já esteve num leilão da Segurança Social, mas foi comprado por Ricardo Robles e é difícil encontrar hoje em dia outros negócios com tanto potencial.
Mas o escândalo político provocado pela contradição entre o discurso contra a especulação e a iniciativa que ia render uma fortuna ao ex-vereador do Bloco de Esquerda suscita em muitos o desejo de encontrar um negócio semelhante em leilões de imobiliário do Estado. Outros foram levados nestes dias a perguntar se estamos perante uma política de venda de imóveis públicos ao desbarato ou os ativos públicos estão a ser rentabilizados da melhor forma?
São vários os organismos públicos que alienam património recorrendo aos leilões abertos ao público ou às vendas em hasta pública. Mas não só esses instrumentos são pouco conhecidos da maioria da população, como não é claro se os negócios ali realizados são sempre bons negócios para o Estado. A falta de uma estratégia uniforme para todos os organismos públicos tem impedido um maior retorno para os cofres públicos, acreditam os especialistas ouvidos pelo Observador.
Para os particulares, este tipo de negócios já foi mais lucrativo do que é atualmente, tendo em conta o aumento do preço dos imóveis desde 2014. Mas pode ver a seguir um guia com o que precisa de saber se se quiser candidatar a um destes negócios e alguns exemplos das ofertas disponíveis.
A Segurança Social fez um bom negócio com o prédio de Ricardo Robles?
Como é que a Segurança Social vende um prédio em Alfama — no coração do centro histórico da capital — em 2014, por apenas 347 mil euros (com base de licitação de cerca de 286 mil)? Trata-se de um prédio que, apesar do mau estado de conservação, fica próximo do Museu do Fado e do local onde viria a ser inaugurado o novo terminal de cruzeiros de Lisboa. Após obras de reabilitação que custaram cerca de 600 mil euros e acrescentaram mais um andar habitável a toda a largura do edifício, o imóvel foi avaliado e posto à venda, no ano passado, em 5,7 milhões de euros.
A venda não se fez mas a mais-valia seria sempre superior a quatro milhões de euros, em quatro anos. Foi um excelente negócio para Ricardo Robles e para a irmã. Mas a magnitude da mais-valia potencial significa que o imóvel foi vendido demasiado barato pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que tem a responsabilidade de maximizar o património acumulado, em prol da proteção social dos portugueses?
Para tentar responder, é preciso recuar ao início de 2014, altura em que o leilão público de imóveis terá atraído a atenção do bloquista e da irmã. O mercado imobiliário ainda não estava em 2014 como está hoje, mas Francisco Horta e Costa, diretor-geral da consultora imobiliária CBRE, recorda em conversa com o Observador que “2014 já foi, de facto, um ano em que as coisas já estavam a melhorar”.
Outra especialista neste mercado, que prefere não ser identificada, também lembra que “já havia bons sinais de que o mercado entraria numa rota ascendente, mesmo que não tão acelerada como se tem verificado nas principais cidades. Só a situação difícil da banca é que temperava um pouco o otimismo e mantinha o mercado um pouco de pé-atrás”.
O negócio imobiliário de Robles foi concretizado precisamente na mesma primavera da “saída limpa” do programa da troika. O Banco Central Europeu já tinha prometido que não deixaria que a zona euro se desmembrasse e as taxas de juro caminhavam para valores historicamente baixos. Contudo, a banca portuguesa ainda tirava o sono a muitos e os problemas no Banco Espírito Santo só nessa altura se agravaram de forma irreversível. Mas isso foi, durante aquele ano de 2014, até certo ponto compensado pelo interesse vindo do estrangeiro — chineses e outros — em parte graças ao programa dos Vistos Gold.
“Na CBRE, nesse ano de 2014 já estávamos a fazer vendas com um certo ritmo”, comenta Francisco Horta e Costa. Contudo, o especialista em mercado imobiliário admite: “Tinha prédios em 2014 que foram vendidos nessa altura e se os tivesse mantido hoje vendia-os pelo dobro”. É assim o mercado. Mas o prédio de Robles em Alfama não duplicou de valor — a multiplicação foi bem mais expressiva: mais do que quintuplicou.
De cada vez que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social coloca um imóvel à venda pede uma avaliação externa independente, a um avaliador certificado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), explicou um antigo responsável ao Observador. Uma vez obtida essa avaliação é lançado o concurso, sendo que a venda não pode ser feita por menos do que o valor da avaliação.
Contactado pelo Observador, o instituto público não esteve disponível para prestar esclarecimentos, remetendo qualquer comentário para o ministério que tutela o organismo, na altura liderado por Pedro Mota Soares (CDS-PP) e hoje por José António Vieira da Silva (PS). O Observador pediu, também, para ter acesso à avaliação que serviu de base à venda, mas o pedido não foi satisfeito.
Um dos especialistas ouvidos comenta que seria importante ter mais do que apenas uma avaliação, porque, sem conhecer o caso em detalhe, lhe parece que, mesmo em 2014, “a avaliação parece ter saído um pouco por baixo”. E o mau estado de conservação do prédio não é muito relevante para esta questão: “Mesmo que não houvesse prédio, só o terreno valeria hoje algo como 1.250 euros por metro quadrado. Em 2014, mesmo em mau estado, poderia valer até 1.000 euros por metro quadrado”.
Isto significa que, se o edifício tivesse, por hipótese, cerca de 500 metros quadrados (700 após a requalificação e o aproveitamento das águas-furtadas), seria razoável avaliar o imóvel em pelo menos 500 mil euros, ou seja, quase o dobro do que a avaliação determinou. Caso o IGFSS considerasse a avaliação demasiado baixa poderia encomendar uma segunda opinião ou, em última análise, decidir não vender o imóvel.
Tendo decidido vender, gerou-se uma oportunidade para, com as obras que o edifício sofreu, multiplicar o valor do ativo — beneficiando, também, da valorização de todo o mercado imobiliário no centro de Lisboa que viria a registar-se.
Porém, mais do que as obras, o que poderia pesar no valor do imóvel é que existiam vários inquilinos a viver no prédio, com idades avançadas e contratos de arrendamento antigos. Com quase todos, Ricardo Robles conseguiu acordo para que saíssem, exceto o casal que permaneceu e o dono do restaurante que colocou o ex-vereador bloquista e a irmã em tribunal. Mas, no momento da venda, a existência de um número alargado de inquilinos também terá contribuído para reduzir o valor que a Segurança Social podia pedir pelo imóvel.
“Havendo inquilinos isso traz sempre alguma incerteza para o investimento. Ninguém sabe se eles vão continuar, quanto vai custar chegar a acordo para que saiam. Posso ter um inquilino com 75 anos, com o contrato antigo protegido, mas se ele viver até aos 100 anos podemos estar 25 anos à espera de poder colocar o imóvel no mercado”, comentou um dos especialistas ouvidos pelo Observador.
Francisco Horta e Costa, da CBRE, também salienta este ponto: “Hoje se for comprar um T1 em Campo de Ourique possivelmente ele vale 250 mil ou até 300 mil se estiver vazio, mas se lá estiver um inquilino com contrato antigo se calhar vale só 180 mil”.
João de Moraes Vaz, advogado da Antas da Cunha Ecija & Associados especialista em Direito Imobiliário, admite que muitos dos clientes que o procuram para investir no setor imobiliário recorrem a este tipo de leilões — mas salienta que, na sua maioria, costumam ser empresas a levar a cabo negócios da dimensão do prédio comprado por Ricardo Robles e não cidadãos de forma individual. “Tudo depende do tipo de produto que se está a adquirir. Nestes leilões aparece de tudo: desde 10m2 de terreno em Santarém a um prédio na Av. da Liberdade”, resume. “Portanto, a forma de entrar num investimento depende do que se está à procura. Se eu como cidadão estou à procura de uma casa, nada me impede de procurar casas nestes sítios.”
O advogado realça que um negócio como o que Robles poderia ter potencialmente realizado seria mais difícil de conseguir hoje: “Em 2013, 2014, conseguiam-se condições bastante convidativas. Agora não tanto: qualquer pessoa que tem um prédio perdido em Arroios ou no Beato acha que tem ali um ativo e quer vender a um preço muito simpático.” Nada que impeça os clientes de Moraes Vaz, na sua maioria sociedades estrangeiras, de continuarem a escrutinar os anúncios de leilões e vendas em hasta pública e a comprar imóveis ao Estado.
Esta política de venda de imóveis faz sentido para os cofres do Estado?
O antigo ministro da Segurança Social e das Finanças António Bagão Félix considera que o caso da compra do imóvel por Ricardo Robles pode ser muito útil para pôr o Estado a analisar a sua própria política relativamente ao património que vende. “Deste caso poderemos tirar ilações: melhorar a divulgação destes leilões, a transparência, o inventário, o estabelecimento do valor que deve ser análogo ao do mercado, a interligação entre o Ministério das Finanças e os outros nesta matéria… São tudo casos que podem melhorar”, afirma ao Observador.
Os imóveis do Estado são na esmagadora maioria vendida a empresas públicas (cerca de 96% das vendas, segundo dados do Tribunal de Contas de 2012), mas menos por estratégia comercial e mais por questões contabilísticas. Uma vez que estas empresas que compram os imóveis ao Estado estão fora do orçamento, o dinheiro da venda serve para reduzir o défice, mas sem os imóveis saírem verdadeiramente da órbita do Estado.
No entanto, nos últimos anos tem-se acentuado a estratégia política de venda de património do Estado a privados como forma de adquirir receita. Isso mesmo reforçou ao Observador um ex-governante com responsabilidades na matéria, que preferiu não ser identificado, remontando aos tempos em que esteve no Executivo: “Na altura, havia claramente a perceção de que o Estado tinha um património imobiliário significativo. Uma parte dele não era devidamente utilizada e havia um potencial de libertação de património”, explica. “Havia ativos e património que o Estado tinha que não estavam devidamente utilizados ou a ser utilizados de forma eficiente. Era preciso fazer um uso racional do património: otimizá-lo e aquele que não fosse necessário ser alienado.”
O mesmo ex-governante, contudo, faz uma ressalva: “A ideia nunca seria alienar abaixo do valor do mercado. Essa era a referência. Não me parece que outro princípio faça sentido”.
Bagão Félix concorda: “O preço deve ser o de mercado por questões de eficiência”. E destaca que, no caso do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, considera que esse deve ser um princípio particularmente norteador de qualquer negócio, já que os beneficiários da Segurança Social são os mais frágeis, como os pensionistas. “Uma coisa é uma empresa pública ou o Estado vender um imóvel. Outra coisa é o património da Segurança Social, que tem uma finalidade de redistribuição social através das pensões, dos subsídios, etc, onde será desejável que haja um elevadíssimo grau de transparência. O dono do dinheiro em último lugar é não só o contribuinte, como o contribuinte social.”
O antigo ministro destaca que um dos principais problemas que diagnostica neste tipo de instrumentos é a falta de divulgação dos próprios leilões ou das vendas em hasta pública, embora estes sejam publicitados em sites próprios como este da Segurança Social ou no site da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. “As coisas são publicitadas”, concede Bagão Félix, “mas por vezes de forma muito discreta, muito ‘escondida’. Sendo património do Estado, é bom que a divulgação seja o mais universal possível, porque isso beneficia o leilão: quanto mais procura houver, maior será certamente o valor da alienação.”
Outro dos problemas que o Estado enfrenta na sua política de alienação é aquilo que Bernardo Xavier Alabaça (atual sub-diretor geral do Tesouro, órgão com responsabilidades nesta matéria) definiu na sua dissertação de mestrado de 2013 como a “falta de uma estratégia integrada e devidamente explicitada aplicável à gestão do património público”.
“Apesar de o Decreto-Lei n.º 280/2007 já prever a possibilidade de rentabilização dos bens imóveis que integram o Domínio Público não existe ainda um verdadeiro enquadramento jurídico que maximize a rentabilização deste potencial”, escrevia na altura Bernardo Alabaça.
Alabaça, que está no cargo de sub-diretor do Tesouro desde 2011, deixava claro no mesmo trabalho académico que o próprio Estado tem dificuldades em uniformizar processos e em recolher informação completa no que diz respeito aos seus imóveis, destacando “a falta de sistematização da informação e a discrepância entre dados obtidos através de diferentes fontes”.
Para isso basta apontar o facto de que o Decreto mencionado por Alabaça (Decreto-Lei n.º 280/2007) regula todos os processos de alienação de imóveis do Estado, na sua maioria conduzidos pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças, mas os vários Orçamentos do Estado têm, ao longo dos anos, estabelecido exceções para algumas instituições públicas (caso do artigo 8.º mencionado no OE para 2014 , por exemplo, ou no artigo 120.º do decreto que rege o OE 2018).
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) é um dos organismos repetidamente incluídos nessas exceções. Isto significa que possui o seu regulamento próprio no que diz respeito à venda dos seus imóveis, que incluem tanto os antigos edifícios das Caixas-Previdência como as chamadas dações em pagamento (imóveis dados pelos cidadãos à Segurança Social como forma de saldar dívidas).
O regulamento do IGFSS prevê que é o Conselho Diretivo do próprio instituto a aprovar a listagem dos imóveis a alienar e o respetivo valor base de licitação, não estando sujeitos ao Programa de Gestão do Património Imobiliário Público, aprovado pelo Conselho de Ministros sob proposta do ministro das Finanças, que define procedimentos e medidas uniformes para a alienação de património. “Quando saí do Governo, a ideia que tenho é que a prática era em função do que o IGFSS decidia”, admite Bagão Félix, que frisa que não deve ser esse o modelo: “Deve haver uma política comum de alienação de património do Estado”.
O Tribunal de Contas ecoou as críticas feitas por Bernardo Alabaça relativamente à dificuldade de aceder à informação sobre os imóveis do Estado, nomeadamente os da Segurança Social. No parecer de 2016 de análise à Conta Geral do Estado, pode ler-se: “Regista-se a impossibilidade de validação do valor da maioria dos itens de uma amostra de imóveis e a existência de incorreções nas contas de imobilizado e de amortizações, em virtude, designadamente, de:
- inclusão na parcela do terreno dos imóveis de valores com origem em benfeitorias inicialmente contabilizadas em imobilizado em curso;
- inexistência de registo de terreno com registo de titularidade a favor da segurança social;
- cálculo de amortizações sobre a parcela do valor dos terrenos;
- edifícios sem registo de amortizações desde 2002;
- incorreta atribuição de vida útil aos imóveis”
“O que o Tribunal de Contas diz, diz bem. E infelizmente não é só na Segurança Social”, defende Bagão Félix, recordando a sua experiência no Executivo. “Na qualidade de ministro das Finanças em 2004 por causa do défice tentámos coligir todo o património imobiliário do Estado para efeitos de venda ou aluguer e não foi fácil. Foi um trabalho que na altura foi feito, mas com aquela sensação igual à do número de funcionários que trabalham no Estado: o Estado não sabe mesmo dizer. Não é um problema deste Governo ou do outro, é mesmo do Estado. E isto é o mesmo que se passa com o património imobiliário.”
Os únicos dados disponíveis no site da Segurança Social sobre a alienação de património feita pelo IGFSS remontam a 2013. O IGFSS conseguiu nesse ano uma receita de cerca de 3 milhões em alienação de património imobiliário: esse valor, diz a Segurança Social, contribuiu para um acréscimo na ordem dos 16,28% do valor transferido para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, mas não se encontram mais dados disponíveis sobre a alienação de património.
Os dados mais recentes da Direção-Geral do Tesouro e Finanças referem-se a 2016 e são bastante mais completos: no relatório disponível no site da instituição pode ler-se que nesse ano foram alienados 274 imóveis, que serviram para arrecadar quase 47 milhões de euros. 59% dos imóveis foram alienados em hasta pública, com valores que vão desde os cerca de 70 mil euros (uma fração de um prédio em Alcobaça) até aos quase 18 milhões pagos por um fundo de investimento pelas antigas instalações do Hospital da Marinha.
“Nos últimos anos houve uma maior afluência, o Estado tem-se desfeito de mais património, talvez por força das reestruturações de entidades públicas. Houve um volume de alienação muito superior ao que acontecia antes”, diz o advogado Moraes Vaz ao Observador, sobre a perceção que tem ao acompanhar clientes nestas matérias.
O jurista, contudo, não tem dúvidas em afirmar que a principal motivação dos seus clientes para adquirirem imóveis públicos desta forma é “o preço”. “Os imóveis anunciados pelo setor público tradicionalmente têm um valor base de licitação muito abaixo do valor de mercado. É uma extraordinária oportunidade de negócio.”
Opinião diferente tem um investidor imobiliário que costuma concorrer aos leilões do IGFSS. “Desde 2016, os imóveis estão caríssimos. Muitas vezes as pessoas dão preços muito acima do valor de mercado”, explica ao Observador o investidor, que prefere não ser identificado. “O [cidadão] privado sente-se mais confortável a participar em leilões agora e as pessoas estão dispostas a dar mais, sentem que como é o Estado têm uma segurança maior.”
As dúvidas sobre se o Estado está ou não a fazer bons negócios surgem, por isso, mais caso a caso. O advogado André Salgado de Matos, especialista em Direito Administrativo e Direito Público, resume a situação ao Observador: “A falta de centralização [do processo de alienação num só organismo do Estado] pode diminuir a coerência dos critérios, ou seja, que umas alienações sejam feitas com uns valores e outras por outros”, diz. Contudo, alerta, tal não nos deve fazer pensar que estes leilões são pouco transparentes: “Têm fama de dar bons negócios, mas também os leilões dos bancos a têm e ninguém suspeita de que não sejam transparentes. Faz parte do próprio mecanismo do mercado, um leilão não reproduz as condições de mercado normais. É quase inevitável.”
Como e onde concorrer aos leilões de imóveis do Estado?
São vários os leilões e vendas em hasta pública a que o cidadão comum pode concorrer. Contudo, há regras diferentes para cada caso. Comecemos então pelos da Segurança Social.
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
A listagem de imóveis e o valor base de licitação de cada um são disponibilizados no site de património da Segurança Social. Qualquer pessoa ou empresa que queira concorrer deve apresentar a sua proposta em carta fechada e identificada, colocada dentro de um segundo sobrescrito endereçado ao Presidente do IGFSS e entregue até às 18h do último dia do prazo fixado em concurso, ou presencialmente ou por correio registado e com aviso de receção.
Segundo o regulamento do IGFSS, as propostas são depois abertas em ato público “a realizar no segundo dia útil seguinte à data limite para a apresentação das propostas”, perante uma comissão de três membros nomeados pelo conselho diretivo. A classificação é feita “segundo o critério do preço mais elevado”. Ou seja, quem apresentar a proposta mais elevada, ganha.
Atualmente, há 12 anúncios disponíveis no site do IGFSS.
Direção Geral do Tesouro e Finanças
No caso dos bens do Tesouro — que incluem o património de todos os ministérios, por exemplo — os procedimentos seguem o estabelecido no Decreto-Lei 280/2007. No site da DGTF, é explicitado que nos casos de venda por hasta pública, o Diretor-Geral do Tesouro e Finanças fixa o local, a data e a hora da hasta, bem como o valor base de licitação (apurado através de uma avaliação prévia do imóvel). Os interessados enviam propostas e é tentada a licitação na sala a partir do valor mais elevado proposto. Se não houver interessados, a licitação passa a ser feita a partir do valor de base. Todos os que estiverem presentes no leilão podem licitar, quer tenham apresentado propostas ou não. A própria DGTF também faz alienações através de negociação e ajuste direto, embora sejam menos frequentes.
Neste momento há 14 imóveis disponíveis no site da DGTF.
Autarquias
As autarquias também recorrem frequentemente ao método de venda em hasta pública para alienar património. Algumas câmaras têm um regulamento próprio para estes processos; outras publicam anúncios caso a caso. A Câmara Municipal de Lisboa rege-se pelo Regulamento de Alienação de Imóveis Municipais — e, no final do ano passado, a Direção Municipal de Gestão Patrimonial da autarquia anunciou que irá passar a recorrer a avaliadores externos para uma maior transparência nos processos de alienação de imóveis da CML. Um dos programas de alienação de imóveis mais conhecidos da autarquia é o “Reabilita Primeiro, Paga Depois”, que permite a compra de património da Câmara por particulares, mediante a contrapartida de reabilitação desses imóveis. Pode consultar neste site anúncios de concursos em hasta pública abertos, anunciados pela CML. A Câmara Municipal do Porto (CMP) também promove a venda do seu património online.
Cada uma destas autarquias tem atualmente um anúncio disponível: em Lisboa, o anúncio para a hasta pública dos terrenos de Entrecampos onde se situava a antiga feira popular; no Porto uma proposta de ajuste direto e nenhuma em hasta pública.
Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana
O Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana também promove os seus próprios concursos para aquisição de património. À semelhança do IGFSS, tem um regime próprio. No site do IHRU é possível encontrar os vários concursos e o regulamento de cada um deles — por vezes são exigidas contrapartidas específicas, como a compra de um terreno subordinada à condição de que sirva para ser nele construída habitação.
O site do IHRU não tem neste momento nenhum anúncio ativo.
Os leilões de bens penhorados também funcionam desta forma?
Não exatamente. A Autoridade Tributária promove leilões de património penhorado a privados, que não se constituem exatamente como bens do Estado, mas sim bens adquiridos em processo de execução de dívidas. Da mesma forma, no site E-leilões encontram-se os bens penhorados por agentes de execução — normalmente através dos tribunais. Em ambos os casos, o processo é feito geralmente através de leilão eletrónico e não de forma presencial ou através de entrega de carta fechada.
Um investidor imobiliário que costuma participar nos leilões do IGFSS não tem dúvidas em afirmar que prefere esse tipo de leilões ao dos bens penhorados pelas Finanças, apesar de estes apresentarem valores mais baixos. “Os da Autoridade Tributária têm um problema quando não se podem ver. E muitas vezes as Finanças escondem os problemas que têm, por exemplo, quando não se sabe se a casa está devoluta”, queixa-se. “A pesquisa é muito difícil, a pessoa que tem de mostrar a casa não atende o telefone às vezes… Os da Segurança Social são muito mais transparentes”.
Estes leilões de bens penhorados costumam, de facto, apresentar preços inferiores aos do valor de mercado — a DECO PROTESTE calculou, na sua edição de outubro de 2017, que o valor de licitação-base é entre 33 a 51% inferior ao de mercado. Mas têm condicionantes muito mais apertadas do que os leilões de bens do Estado como os do IGFSS e a DGTF. “Como estão muitas vezes associados a dívidas fiscais, nem sempre é fácil visitá-los para perceber o estado em que se encontram. É também muito frequente ir a leilão apenas uma parte do imóvel do proprietário que tem dívidas fiscais”, adverte a associação de defesa do consumidor na edição da Proteste de março deste ano.
Outro alerta é para a dificuldade de anular o leilão caso o licitador vencedor considere que o imóvel não corresponde à descrição que foi feita. O prazo para contestar é de 90 dias e a DECO aconselha pedir uma peritagem para fundamentar o pedido de anulação. Mais um problema: os familiares do executado têm direito de remição, ou seja, preferência na compra do imóvel, mesmo tendo o licitador feito a melhor oferta em leilão. Por tudo isto, a associação aconselha a tentar reunir o máximo de informação possível sobre o imóvel antes de licitar.
Os leilões do Estado são afinal um “viveiro de pechinchas” ou não?
Há a ideia generalizada de que os leilões de ativos imobiliários do Estado são viveiros de pechinchas e oportunidades de ótimos negócios que dificilmente se realizariam pelas vias ortodoxas. Nos vários sites de leilões — da Segurança Social, da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção-Geral do Tesouro e Finanças e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução —, é possível acompanhar o processo de licitação de centenas de imóveis, entre apartamentos, moradias, terrenos ou prédios, analisar o valor base, o atual valor de lance e licitar.
Disponível para aquisição no e-leilões, por exemplo, está o tal apartamento T2 num condomínio privado, na Avenida Infante Santo, com dois lugares de estacionamento. O valor base de licitação prende-se por uns atrativos 210.456,88€: de acordo com os especialistas, está muito abaixo do valor de mercado. O mais provável, de acordo com Vasco Manaças, diretor da agência imobiliária Central Lisbon, é que o valor suba radicalmente nas últimas horas de licitação devido à “febre” que hoje se vive no panorama imobiliário português.
“Quem aparece nestes leilões não são investidores. São pessoas que têm dinheiro no banco, 100 mil, 200 mil, 300 mil, que não fazem comparações no mercado imobiliário. São pessoas a quem os pais, tios e avós deixam aquelas poupanças de vida e eles pensam: ‘Vou comprar um apartamento que custa 200 mil euros, não interessa se vale isso ou não, e pronto’. Essas pessoas com febre, que são pessoas que não são entendidas, são responsáveis pelo conjunto de disparates que apareceu no segundo trimestre deste ano”, acusa Vasco Manaças.
O diretor da Central Lisbon defende que a ideia de que os leilões de ativos imobiliários são autênticos achados perdeu a veracidade porque as pessoas deixaram de ter noção da regulação do mercado. “Eu tenho situações de leilões em que o valor base é 180 e aquilo é vendido por 350. E valia 180 num dia de sol, com muito boa vontade”, exemplifica ao Observador.
Na generalidade, os valores base dos ativos imobiliários disponíveis nos leilões estão abaixo do valor de mercado. O que acontece durante o período de licitação é que a elevada procura provoca ofertas elevadas e desfasadas face ao imóvel em questão e empurra o valor final para o valor de mercado ou até para níveis superiores. Esta “febre”, de acordo com o consultor imobiliário, não é provocada pelos profissionais mas sim por “um conjunto de pessoas individuais cujo mercado do qual estão a fugir é um mercado financeiro”.
Muitas vezes o que acontece é que os licitadores individuais que têm como objetivo comprar um imóvel para arrendamento perdem nos leilões a margem de lucro e vão subindo a parada até serem a oferta mais alta — que está, na maioria dos casos, acima do valor de mercado. “Quem está a entrar nisto são os aforradores particulares. Não há limites de licitação. A dinâmica do leilão, a certa altura, é ‘eu dou mais cinco mil’, ‘e eu agora dou mais cinco mil’. Querem tirar o dinheiro do banco porque no banco aquilo não dá nada”, justifica Vasco Manaças.
A probabilidade de realizar um bom negócio nos leilões de ativos imobiliários é por isso cada vez mais reduzida — não inexistente, mas reduzida. A elevada procura, principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e no Algarve, torna difícil manter vantajoso, lucrativo e raro o valor final da aquisição. “Em Lisboa de certeza que não há pechinchas. Na área metropolitana de Lisboa e do Porto é para esquecer. Bons negócios, preços de mercado razoáveis, eventualmente até valores abaixo dos valores de mercado, podem aparecer”, garante Vasco Manaças.
Rodolfo Natário, agente imobiliário na Century 21 que foi considerado o agente do ano em 2017, acha que a inexperiência nos leilões provoca ofertas e licitações irrefletidas e, por vezes, prejudiciais para o próprio comprador: “A pessoa tem de ser muito batida no leilão. Tem que ter noção. Mas hoje em dia as pessoas querem tirar a maior rentabilidade e a maior mais-valia que puderem. Pode ser um pau de dois bicos. Ou a pessoa sabe muito bem até onde pode ir ou está sujeita a perder dinheiro”.
A grande maioria destes “aforradores particulares” pretende adquirir imóveis para depois os arrendar. Os especialistas garantem que são raros os casos em que o fim desejado é habitação pessoal. “Palavra de honra que nos leilões que presenciei não me lembro de mais de três casos”, diz Vasco Manaças. Uma ideia confirmada por Rodolfo Natário: “Eles vão lá para comprar, remodelam e arrendam. É uma franja muito reduzida o cliente que vai comprar a própria habitação. Quem procura casa para viver não se dá a este trabalho”.
Além de apartamentos e moradias nos grandes centros urbanos, os sites de leilões mostram vários terrenos ou imóveis no interior do país que também estão disponíveis para aquisição: como é o caso de uma herdade em Nossa Senhora das Neves, Beja, cujo valor base ronda os 150 mil euros, ou uma moradia de 270 metros quadrados em Nogueira, Viana do Castelo, com valor base de 255 mil euros. Para Vasco Manaças, estas propriedades no interior sul e norte do país são as únicas possibilidades de alcançar verdadeiras “pechinchas” nos leilões de imobiliário. Por um motivo simples: a falta de procura. “A procura é muito menor e podem encontrar-se coisas que saem a um preço muito mais baixo do que o valor de mercado. Porque não há liquidez no mercado, as coisas que existem até podem estar no preço certo mas não têm liquidez, há muito pouca procura. O pouco que sai dentro do mercado sai dentro de uns limites de preço e aqui sim, há oportunidade para essa tal pechincha”.
Nos sites dos leilões de imobiliário do Estado é possível pesquisar por tipologia – apartamento, prédio, moradia ou outro -, distrito, concelho, freguesia e valor base de licitação. No Porto, por exemplo, um dos imóveis disponíveis é um apartamento T2 na Campanhã: com 70 metros quadrados e um lugar de estacionamento na cave, o valor base de licitação ficou nos 42.352,94€. O lance atual está abaixo disso, nos 39.372,68€.
Outra das oportunidades apontada no concelho do Porto é uma moradia de 3 pisos em Santo Ildefonso. O imóvel, com 201 metros quadrados, está devoluto de bens e pessoas e o valor base está nos 43.500€. O lance atual está já um pouco acima, nos 75.872€. Do outro lado do rio, em Vila Nova de Gaia, uma casa com terreno está disponível para aquisição com valor base de 72.000€. Ainda sem licitações, parte do imóvel está arrendado para fins comerciais.
Já no Alentejo, está em leilão um posto de abastecimento de combustível desativado em Montemor-o-Novo. Com uma área privativa de 267,4 metros quadrados, o imóvel inclui 1 piso e 3 divisões suscetíveis de utilização independente. O valor base são 145.314€ mas o lance atual fica pelos 72.657,19€.
No centro de Évora, uma moradia T6 está disponível para aquisição. Com uma área privativa de 345,85 metros quadrados, o imóvel está avaliado em 241.409,74€ mas o lance atual ainda só subiu até aos 205.197€. Em Portalegre, no concelho do Crato, uma moradia com 107 metros quadrados – ainda sem licitações e com necessidade de obras -, tem um valor base de 60 mil euros.
Mais a sul, no Algarve, um T0 em Portimão está avaliado em 35.510€ mas o lance atual ainda só chega aos 22 mil euros. Já em Lagos, um apartamento T1 tem um valor base de 63 mil euros. Com 75 metros quadrados, o lance atual para a aquisição do imóvel está nos 44.645€.
Em Tavira, acontece um caso raro: dois apartamentos na mesma rua estão disponíveis em leilão. Um no número 8, outro no número 7, diferem em 7 mil euros no valor base – o mais barato (70 mil euros), tem um lance atual de 50.500€, o outro ainda não tem licitações.
Na capital, além do apartamento na Avenida Infante Santo, um T2 no Parque das Nações, com um lugar de garagem e arrecadação, tem um valor base de 288.823€ e o lance atual está nos 255.468€. Já um apartamento T2 na Avenida do Uruguai, no centro de Benfica e em razoável estado de conservação, está avaliado em 124.147€. O lance atual está bastante abaixo: nos 114.782€. E na Penha de França, um T3 tem um valor base de 115 mil euros, mas última licitação está nos 111 mil euros.
Já entre os imóveis detidos pela Segurança Social, em Lisboa há apenas dois espaços de comércio disponíveis: um por 89 mil euros e outro por 91 mil euros, ambos na Brandoa, Amadora. Nada que se compare ao potencial do negócio feito por Ricardo Robles.