Quem se recorda do que se passou com os cães do cavaleiro João Moura, que foram apreendidos na herdade do cavaleiro em Monforte sabe que, na prática, quando há uma denúncia para o Ministério Público e este dá ordem para a recolha de animais já se supõe que ficarão à guarda do Estado, das associações ou instituições zoófilas. Mas o PAN e o BE querem que não haja dúvidas sobre essa matéria e pretendem, com os projetos de lei que serão discutidos esta semana, deixar que esse procedimento fique expresso em lei para torná-lo uma obrigatoriedade.
E nem o facto de os Centros de Recolha Oficial (CRO) e as associações estarem sobrelotados — problema que, de acordo com os médicos veterinários municipais, se agravou com o fim do abate de animais nos canis — retira fôlego à medida do partido Pessoas-Animais-Natureza que responde com o aumento do número de famílias de acolhimento de animais.
É necessário aumentar o número de famílias de acolhimento temporário animal que existem em Portugal para que possam também receber mais animais”, explica ao Observador a líder parlamentar do PAN, Inês de Sousa Real.
Já o Bloco de Esquerda nota que além de cães e gatos, que são acolhidos nos CRO, há também outros animais (das suiniculturas ou equestres, por exemplo) que precisam de ser acolhidos quando são retirados a proprietários que os maltratem. E, nesse sentido, o partido apresentou já propostas que visavam a criação de santuários para animais — tal como PCP e PAN, embora tenham sido rejeitadas em Plenário a 20 de dezembro — e insiste nessa solução, que deverá ser garantida pelo Estado.
Os santuários para animais são espaços em que os animais são recuperados de forma a que possam adquirir os comportamentos naturais. Por outro lado, são também um espaço de conservação e poderiam ainda ter uma componente pedagógica à semelhança das quintas pedagógicas que já existem”, explica ao Observador a deputada bloquista Maria Manuel Rola.
Para o Bloco de Esquerda, a necessidade de legislar no sentido de colocar os animais maltratados à guarda do Estado encontra justificação também na salvaguarda dos processos de investigação. Segundo a deputada do BE, esta é uma “resposta essencial para levar a sério os processos de investigação”, uma vez que os animais maltratados são também parte das provas nos processos.
“Atualmente os animais ficam à guarda de quem lhes causou danos. Há casos de animais que desaparecem ou são ainda mais maltratados. Não podem ficar à guarda de quem está sob investigação. O Estado tem que garantir espaços para os receber”, afirma a deputada do BE acrescentando que estes espaços podem ser “públicos ou privados”.
Mas esta não é a única alteração proposta à legislação relacionada com animais de companhia que será levada aos plenários desta semana. Serão, aliás, dois dias em que o debate irá girar à volta de animais. Na quinta-feira, além de uma petição que pede “o não adiamento do fim dos abates de cães e gatos”, há cinco projetos de resolução (um do PCP, dois do PEV, um do BE e outro do PAN) que vão desde a “implementação da rede centros de recolha oficiais” à “criação de uma Estratégia Nacional para os Animais Errantes”. Já na sexta-feira são quatro (PAN, PSD, PS e BE) os projetos de lei que querem rever e alterar o regime sancionatório aplicável a crimes contra animais.
A deputada Inês de Sousa Real diz que as alterações à lei, propostas pelo PAN, trazem “duas inovações” e destaca também a necessidade de alterar a legislação para que os animais que sofrem maus tratos sejam retirados imediatamente a quem os maltratou, sendo colocados “à guarda do Estado ou associação zoófila enquanto não há decisão”.
Além dessa alteração, o partido Pessoas-Animais-Natureza prevê que o condenado perca o direito aos “animais que possam ser vítimas de crime”. Atualmente, o dono do animal fica sem este apenas “durante a sanção”, podendo recuperá-lo depois, situação que o PAN quer alterar, bem como o PS e o BE.
Além do PAN e do Bloco de Esquerda, também PS, PSD integram a discussão para rever a moldura penal a aplicar nos casos de maus tratos a animais, com projetos de lei que propõem mão mais pesada para quem maltrate os animais.
Desde 2014 que a lei atualmente em vigor prevê que “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias“, sendo que nos casos em que dos maus tratos resulte “morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção” as penas passam a ser de prisão “até dois anos ou pena de multa até 240 dias“.
Nas alterações propostas, os partidos querem aumentar a pena de prisão até aos três anos (no caso do PAN e PSD), e as penas de multa para os 240 dias ou, no caso do PAN que prevê o tempo de multa maior, não inferior a 240 dias.
Até agora as penas são aplicadas a quem maltrate animais de companhia — cães e gatos —, e o PAN quer que o regime seja alargado, por exemplo, a “cavalos, vacas ou porcos”, os “animais de quinta”.
“Em Espanha, por exemplo, os maus tratos já são criminalizados. Não se entende porque é que em Portugal não são ainda”, afirma ao Observador a líder parlamentar do PAN.
Partidos querem que donos dos animais percam direito a ter animais
Socialistas, bloquistas e deputados do PAN querem que os donos de animais condenados por crimes de maus tratos percam o “direito à detenção de animais”. No caso do PS e BE, preveem que quem maltrate animais perca o direito a ter esses, ou outros, num período de até 10 anos. Já o PAN é mais brando neste ponto do diploma, prevendo um período de privação de direito à detenção de animais mais curto: cinco anos.
No que diz respeito ao direito de participação em “feiras, mercados, exposições ou concursos relacionados com animais”, PS, PAN e BE são unânimes em definir a proibição de participação de quem maltrate animais em qualquer um desses eventos como pena acessória.
GNR levantou mais de cinco mil autos de contraordenação em 2019
Segundo dados da GNR, divulgados pela agência Lusa, só essa força militar — através da linha SOS Ambiente — em 2019 recebeu mais de quatro mil denúncias, das quais 672 foram de maus tratos e 415 por abandono, tendo sido levantados 5.107 autos de contraordenação referentes a legislação que visa animais de companhia.
Contactada pelo Observador, a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM) confirma que a alteração proposta pelo PAN e BE é “aquilo que já acontece”, mas destaca as dificuldades em acolher esses animais.
O problema é que, neste momento, os Centros de Recolha não têm lugar para esses [animais recolhidos vítimas de maus tratos] nem para outros”, afirmou ao Observador Ricardo Lobo da direção da ANVETEM.
Segundo a proposta do PAN, caberá às autarquias fazer o encaminhamento dos animais recolhidos para os CRO, associações devidamente autorizadas pelos municípios para o efeito ou para as respetivas famílias de acolhimento temporário (FAT).
Uma das penas acessórias que PAN e BE preveem nos seus projetos de lei é a “obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência”, não prevista pelo PS no seu projeto-lei, mas imposta no caso dos bloquistas e dos deputados do PAN.
PEV quer perceber o porquê da desafinação entre os municípios e o Estado
Já o Partido Ecologista Os Verdes, antes de propor qualquer alteração à Lei que criminaliza os maus tratos aos animais de companhia quer que seja criado um Grupo de Trabalho para avaliar a aplicação da Lei e elaborar um relatório. Para a composição do grupo de trabalho, Os Verdes sugerem que sejam integrados representantes dos ministérios da Justiça, da Administração Interna e da Agricultura; do Conselho Superior de Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana, da Ordem dos Veterinários e das Associações zoófilas.
Ao Observador, a deputada de Os Verdes Mariana Silva explica que “mais que reforçar as verbas já existentes é preciso perceber as dificuldades que os municípios encontram”.
“É necessário ter acesso aos dados, perceber a evolução, a mudança de comportamento que se espera que aconteça e a demora em realizá-la. Porque é que há municípios que, por exemplo, só esterilizam animais quando são adotados”, afirmou notando que é preciso perceber “de que forma é possível ajudar”.
Também a deputada do BE, Maria Manuel Rola falou ao Observador da “falta de vontade política” que existe. “Inscrevemos no Orçamento do Estado o valor que estava em falta relativamente aos pedidos dos municípios para CRO, mas o valor que de facto solicitaram é inferior ao levantamento feito anteriormente pelo Governo”, disse acrescentando que “em vários municípios existe muita resistência”.
Além do BE e de Os Verdes, também o PAN sugere a criação de um grupo para avaliação da rede de CRO e da proibição de abate de animais nos canis, enquanto o PCP sugere ao Governo que crie ainda um “Plano de emergência com caráter nacional de execução imediata” para reforçar os CRO a nível nacional; adotar “medidas excecionais de controlo, captura, transporte, recolha, esterilização e vacinação de animais” para salvaguardar a saúde pública e que seja reforçados os meios financeiros e recursos humanos para que seja possível “recolher, esterilizar e vacinar os animais errantes”.
“Plano de emergência” para os Centros de Recolha Oficial de animais
Os comunistas querem ouvir as autarquias locais, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Ordem dos Veterinários, a Associação de Médicos Veterinários Municipais e os organismos da administração central responsáveis pela proteção e bem-estar e sanidade animal e que seja criada uma “linha excecional de financiamento com verbas inscritas no Fundo Ambiental e no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas”, cabendo ainda ao governo a promoção da “adoção de animais”.
Em declarações ao Observador, a deputada comunista Alma Rivera afirma ainda que o PCP pretende que se vá mais longe no que diz respeito à esterilização dos animais, permitindo que seja feita também em cães que “não vão ser acolhidos”.
Além do reforço dos recursos financeiros e meios humanos nos CRO, permitindo a reabilitação das estruturas existentes e a criação de novas onde seja necessário, destacando a deputada “cerca de 50% dos concelhos ainda não têm CRO”, o PCP quer que seja possível “assumir protocolos com Associações Zoófilas ou associações de animais para esterilizações e vacinações” dos animais.