As medidas exclusivamente dedicadas a animais ocupam cerca de 25% do programa que o partido Pessoas-Animais-Natureza levaram a votos nas últimas legislativas, em 2015. E há de tudo, desde a proibição de touradas e caça desportiva à preocupação com as condições dadas aos suínos reprodutores para “darem à luz”. No programa que levaram a votos em 2015, não há apenas medidas mais atentas ao ambiente que nos rodeia, mas a pretensão de alterar todo um modelo de vida, desde a alimentação até ao mindfulness nas escolas.

É verdade que nem só de “animais não humanos” se faz este programa, embora seja sobre eles que o PAN apresentou medidas mais concretas, algumas delas já conquistadas durante a legislatura, como foi o caso da proibição de animais nos circos ou o fim do abate nos canis municipais. Depois também há um capítulo social e económico, onde entram medidas como a implementação do Rendimento Básico Incondicional ou a redução do horário do trabalho – a FIB em vez do PIB, ou seja, a Felicidade Interna Bruta em vez do indicador económico pelo qual se regem todos os outros.

Foi o partido que mais cresceu nestas Europeias, a comparar com as últimas legislativas. Mais de 160 mil votantes agora, quando em 2015 apenas 75 mil pessoas tinham escolhido o PAN. Saltaram de uma representação de 1,39% dos votos, para 5,1% — salvo as devidas diferenças entre os atos eleitorais, em que o que está em jogo é muito diferente e também a taxa de abstenção tem grande variação. O Observador foi olhar para o programa deste partido que tem ganho dimensão, para perceber o que defende o PAN e também o que a comunidade científica (e outros especialistas) pensa de algumas das propostas mais polémicas.

Saúde: Medicinas alternativas e alimentação biológica. É solução?

Introdução das Terapêuticas Não Convencionais (TNC) no Serviço Nacional de Saúde, eliminar o IVA para profissionais destas terapêuticas, criar incentivos para autarquias terem estes tratamento nos seus serviços de consultas. E “criação de um programa piloto de prescrição de produtos orgânicos e vegetais em vez de fármacos num hospital público”.

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Primeiro comecemos por aquilo que é considerado TNC, depois de regulamentação aprovada na Assembleia da República em 2013: Acupuntura, homeopatia, osteopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, fitoterapia e quiroprática. Existem cédulas profissionais obrigatórias, a atividade é seguida pela Inspeção -Geral das Atividades em Saúde, é obrigatório ter formação académica ao nível da licenciatura, os profissionais estão registados na Administração Central do Sistema de Saúde.

O exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais está fixado na lei, mas a sua aceitação no meio da medicina convencional não é plena. Quanto mais a sua introdução do Serviço Nacional de Saúde. Ao Observador, o diretor do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, António Vaz Carneiro, diz que é uma “área de conhecimento que não está testada cientificamente” e, por isso mesmo, rejeita-a. O médico é mesmo duro, por exemplo, quando fala em homeopatia promovida para a cura do cancro e diz que se trata de “uma profunda fraude”: “Quando me aparecem casos que podiam ter tratamento e aparecem tarde, fico com muito mau feitio quando me falam em medicinas alternativas”. Diz que com o passar dos anos, cada vez são mais os pacientes que lhe falam nestas práticas, mas alerta que “há um lado negro” nestas terapêuticas e “quando corre mal” os pacientes são “enviados” para a medicina tradicional, garante. O que falta? “Ninguém pode reclamar um benefício sem ter provas e a medicina alternativa não tem estudos que façam essa prova”, argumenta.

Mantém a mesma crítica sobre a prescrição de produtos orgânicos em vez de fármacos nos hospitais públicos, alertando para o facto de “ervas e plantas serem substâncias ativas e algumas delas tóxicas”. “Muitas vezes aparecem pacientes com problemas hepáticos, diz António Vaz Carneiro apontando culpas aos uso inadequado de substâncias naturais para combater algumas condições. Afirma-se “perplexo” com propostas como as do PAN, dizendo que os medicamentos têm 12 a 15 anos de experimentação antes de chegarem ao mercado, pelo que se opõe a que “se deixe entrar sem escrutínio substâncias naturais, achando-se que por serem naturais deixam de ser perigosas“. O médico defende a existência de base científica em tudo o que é usado como tratamento, recusando que alguma coisa seja aceite “por ser politicamente correto”.

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A alimentação sem animais, que não é “de todo mais saudável”

Praticamente todos os membros do PAN são vegetarianos ou vegan. Não porque exista alguma regra interna que o imponha, mas antes porque é natural que as pessoas que se identificam com o partido tenham uma sensibilidade em relação aos animais que os leva a retirar qualquer alimento de origem animal da sua dieta. Mas mesmo sem a existência de uma regra, o partido dos animais quer que esta alimentação alternativa faça parte do plano alimentar nacional.

Para isso, no programa que apresentou às legislativas de 2015, inscreveram duas medidas: “o desenvolvimento de uma Roda dos Alimentos sem produtos de origem animal com a sua consequente inclusão nos programas alimentares das escolas, centros de saúde e em todos os projetos de sensibilização que digam respeito a uma alimentação saudável”; e a “elaboração de um Guia Alimentar para a População Portuguesa, que auxilie na alteração gradual de hábitos para uma vertente mais saudável. Este guia poderá converter ou adaptar receitas tradicionais em formatos mais saudáveis”.

Uma ideia que o nutricionista Nuno Borges considera perigosa. “A alimentação estritamente vegetariana nunca se apresentou, de todo, como sendo mais saudável do que a omnívora”, começa por explicar. E tornar a alimentação dos portugueses mais saudável “é uma ideia a que nenhuma pessoa se irá opor”. No entanto, avisa, “olhando para aquilo que é a posição do PAN, pode deduzir-se que não terá sido essa a razão para defender a medida. Às vezes há boas propostas defendidas com maus argumentos”, argumenta.

O especialista em nutrição faz-se valer do mesmo argumento para analisar uma terceira medida que o PAN levou a votos no seu programa: a proibição de abrir “restaurantes fast-food nas proximidades das escolas”. Apesar de ser uma medida que “até pode ser boa para a saúde pública” é necessário olhá-la com cautela e “ter a certeza de que não se trata de uma espécie de cavalo de Tróia para acabar com a alimentação de origem animal”.

Mas, afinal, a alimentação vegetariana ou vegan é mais saudável do que a dita tradicional? Nem por isso. “Há vitaminas que vão sempre faltar a quem segue uma alimentação estritamente vegetariana: a vitamina B12, que se encontra em alimentos de origem animal, ovos e leite, ou a vitamina D, que se encontra em peixes gordos e um pouco em ovos também. Essa ausência tem de ser compensada com suplementos”, afirma. “O corpo adapta-se, mas a alimentação estritamente vegetariana não é de todo mais saudável”.

O mesmo não se pode dizer da alimentação plant based, que é tendencialmente vegetariana mas não exclui o consumo de outros alimentos como o peixe ou carnes mais pequenas”. Essa alimentação, que deixa de fora as carnes vermelhas, pode ser mais saudável. Embora tenha de ser “acompanhada com atenção”.

Assim, e em jeito de conclusão, Nuno Borges considera que as duas primeiras medidas revelam uma “irresponsabilidade social”, já que “resultam exclusivamente de uma visão animalista da alimentação”, não “tendo por base nenhum fundamento nutricional”.

Animais: beneficíos fiscais, suínos reprodutores e canis lotados

A Constituição deve “dignificar a senciência do animal ao referi-la no seu texto – porque os estudos científicos comprovam que os animais não humanos são não só sencientes – isto é, são capazes de sentir dor, desconforto, stress, angústia e sofrimento – mas, muitos deles, são também seres conscientes, com capacidade de autoconsciência, de memória, de aprendizagem e de perceção da sua vida e do seu futuro”

Neste ponto, o PAN apoia-se na Declaração de Cambridge, assinada em julho de 2012, por um grupo de neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos que analisou “os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos”, segundo o próprio texto.

A declaração produzida pelos especialistas, depois de estudos sobre a temáticas, diz que “a ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatómicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos”. Um passo no reconhecimento da consciência animal que o PAN queria ter visto integrado no Texto Fundamental nesta legislatura — o que exigiria uma revisão constitucional, que nenhum partido suscitou e que, a ser proposta, exigiria aprovação por maioria de dois terços dos deputados. Nesta legislatura foi, no entanto, feita uma alteração ao Código Civil, proposta pelo PS, PAN, PSD e Bloco, que veio reconhecer que os animais são “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica” e que pune quem maltrata animais.

No Parlamento, o PAN conseguiu ainda fazer vingar a sua proposta para permitir que animais de companhia possam entrar em estabelecimentos fechados de restauração. O projeto do partido, foi trabalhado em conjunto com outros dois, dos Verdes e do BE, e aprovado por unanimidade. Também conseguiram levar avante o fim do uso de animais no circo embora, mais uma vez, não fossem os únicos a propô-lo. Havia proposta de PAN, PS, BE, PCP e PEV e resultaram num diploma aprovado em outubro passado. E outra vitória foi a do fim do abate de animais que estão nos canis municipais — foi aprovada por unanimidade, depois de articulada uma proposta do PCP e outra que era uma iniciativa de cidadãos apoiada pelo PAN. A medida foi criticada pela Ordem dos Veterinários que temia a sobrelotação dos canis — que acabou por acontecer. Ao Observador, Ricardo Lobo, da direção da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios, alerta para o facto de, por ano, os municípios recolherem cerca de 60 mil animais abandonados, dos quais apenas 20 mil são adotados. “A capacidade de recolha é limitada e os municípios têm hoje canis cheios e há mais animais nas ruas”. Perante a insuficiência de meios e instalações para albergar animais abandonados, “quem acaba por dar apoio são as associações de proteção animal, um movimento que vota neste partido e que tem ganho protagonismo e financiamento com estas políticas”, sugere.

O PAN também queria alterar o conceito dos canis, que gostaria que fossem antes “parques de bem-estar, onde os animais podem circular livremente ao ar livre e desenvolver as suas capacidades de sociabilização”, consta no programa do partido. Também queria obrigar a esterilização dos animais em canis e conseguiu, no último orçamento, a disponibilização de 500 mil euros para apoiar os centros de recolha oficiais nestes processos. Mas Ricardo Lobo argumenta que, nos canis, a ideia é “só esterilizar quando existe um adotante, já que os outros animais estão separados não existindo o risco de procriação”. É assim que o veterinário explica que, no ano passado, o montante disponibilizado aos canis municipais para esterilizações, não tenha sido utilizado na sua totalidade. Dos 500 mil entregues aos municípios, apenas 65 mil foram usados. Quanto à proposta do PAN para que sejam as autarquias a assegurar a esterilização de animais de pessoas com carência económica, o veterinário afirma que já é isso que acontece em muitos municípios, nomeadamente através do cheque-veterinário.

Nas explorações de suínos reprodutores, o PAN queria proibir a utilização de celas de gestação. A médica veterinária Elisabete Martins explica, no entanto, que nos primeiros 21 dias da gestação, as porcas são “alojadas em celas porque esse é o período crítico. No restante tempo já não é permitido” por decisão comunitária: “Foi o grupo de trabalho para o bem-estar animal da União Europeia que decidiu assim”. As porcas de reprodução intensiva voltam a estar confinadas a um espaço no final da gestação (“com um ninho natural”) para proteger os leitões do risco de esmagamento, depois de nascerem.

Quanto ” à proibição total da mutilação em leitões”, a veterinária argumenta com a necessidade de, por vezes, prevenir infeções associadas a mordidelas nas caudas — “nos parques têm objetos de enriquecimento ambiental, mas por vezes vão às caudas uns dos outros”. Mas também previne que “o veterinário da exploração não pode decidir sobre o corte de cauda arbitrariamente, tem de ter evidências de que se isso não for feito há um aumento de caudas roídas. Os serviços oficiais é que autorizam, não é decidido ad hoc“, garante.

Também há uma proposta muito concreta do partido sobre a necessidade dos vitelos mamarem o colostro, nas primeiras 72 horas de vida, diretamente da mãe. A especialista argumenta com “estudos científicos que mostram que o vitelo da vaca de leite precisa de ingerir colostro nas primeiras horas de vida para permitir a passagem das grandes moléculas para a corrente sanguínea. Mas se ficarem com a mãe nas primeiras horas, não vão retirar quantidade suficiente de colostro“. E isso, a médio prazo, “pode traduzir-se na toma de antibióticos para combater doenças que podiam ser evitadas por procedimento neo-natal adequado”, pelo que é necessário ajudar com biberões. “É perigoso tomar decisões sobre animais sem ouvir o que a ciência já tem para nos mostrar”, remata a docente da Escola Universitária Vasco da Gama.

A maioria das propostas do programa do PAN relativas a animais não fez caminho. A começar pelas touradas: chumbou o projeto do PAN para abolir as touradas e chumbou a proposta de acabar com a isenção de IVA para os toureiros, no Orçamento deste ano. Também não houve avanços sobre a proposta de acabar com jardins zoológicos e delfinários, com a caça desportiva, proibir o recurso a matilhas como processo de caça (debatida esta semana), acabar com o “uso de equídeos em hipódromos, carrosséis, charretes de carácter lúdico, jogos de apostas e outros espetáculos degradantes”.

Também não avançou com a proibição na lei da “utilização ou exploração de animais em ações de mendicidade” ou de “atos sexuais com animais”, para os quais pretendia a mesma moldura penal que o crime de maus-tratos (pena de prisão até um ano, dois se o animal morrer). O partido de André Silva também não conseguiu aprovar o fim do tiro ao voo — conhecido por tiro aos pombos — que acabou travado no último Orçamento pelo PCP e os partidos da direita, depois de o PAN ter conseguido um acordo sobre este ponto com o Governo socialista.

A nível fiscal, o PAN conseguiu, no Orçamento para 2016, que as despesas com veterinário passassem a entrar na dedução do IVA (até 15% de dedução). Na verdade, o partido queria inscrever no Orçamento a possibilidade de dedução destas despesas em sede de IRS, como despesas de saúde, mas só conseguiu através do IVA. No papel ficou a inclusão dos animais no agregado familiar, ideia que o PAN defendia e que não chegou a ganhar corpo, bem como a equiparação do IVA de serviços médicos e médicos-veterinários.

Ambiente. O objetivo dos copos menstruais gratuitos e não só

É o outro tema por excelência a que o PAN se dedica e uma das conquistas mais recentes, no Orçamento para este ano, foi a subida do preço dos sacos de plástico para 15 cêntimos. A medida tem especial interesse por ter sido uma cedência do Governo socialista ao PAN no âmbito do Orçamento. A parceria já tinha resultado noutras áreas no passado, como quando no Orçamento para 2016 o PS votou a favor da proposta do PAN para aplicar a taxa reduzida do IVA aos copos menstruais. O partido, na altura, justificou a medida com o impacto ambiental dos pensos e tampões: “Estudos internacionais concluem que cada mulher utiliza entre 11 a 17 mil pensos e tampões durante cerca de 40 anos, o tempo médio do seu período fértil. Perante este facto, a Quercus comentou que o impacto ambiental dos pensos e tampões, quando a par das fraldas descartáveis, poderá resultar em aproximadamente 10% dos resíduos urbanos em Portugal”. Mas nesta matéria, o objetivo que estava inscrito no programa do PAN era a distribuição gratuita de copos menstruais nas consultas de planeamento familiar nos centros de saúde.

O PAN conseguiu também fazer aprovar no Parlamento um sistema de incentivo e depósito de embalagens de bebidas de plástico, vidro e alumínio. A tara recuperável será alvo de um projeto piloto para a devolução de garrafas de plástico até ao final deste ano e, a partir de 2022, será obrigatória a existência de sistema de depósito de embalagens de bebidas de plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio. O PAN acredita que a taxa de retoma de embalagens vai estar entre os 95% e os 100%. O incentivo para a fase piloto está por ser definido em portaria do Governo porque o Ministério do Ambiente ainda está na fase de recolha de contributos e será financiado pelo Estado através da Agência Portuguesa do Ambiente. Em 2022, o consumidor que comprar uma destas embalagens terá de deixar um depósito, no ato da compra, e será reembolsado no ato da devolução do recipiente.

Nesta matéria, o objetivo mais ambicioso é a “substituição progressiva em 15 anos dos combustíveis fósseis nos meios de transporte rodoviário de mercadorias, individuais, coletivos e de recreio”.

Na agricultura, a bandeira é a produção biológica. O PAN quer “proibir totalmente o uso de transgénicos” e “sensibilizar o consumidor para a importância de uma dieta baseada em produtos frescos de origem vegetal, integral, com alimentos pouco processados, sazonais, de produção local e biológica, isenta de Organismos Geneticamente Modificados”. Também defende “uma obrigação de que todos os produtos consumidos em escolas, universidades, hospitais, e outras instituições públicas sejam de produção biológica” e a restrição ao “acesso a produtos herbicidas e pesticidas”. O nutricionista Nuno Borges explica ao Observador que “nutricionalmente não há nenhuma vantagem em ter produtos estritamente biológicos. Pode haver razões ambientais e de proteção de solos”, mas não nutricionais.

Um dos argumentos do partido de André Silva quando promove a agricultura biológica é a questão da saúde pública, mas a vertente ambiental não está, no entanto, afastada das intenções do PAN nesta matéria. O partido também defendeu que se criasse uma certificação para “bens produzidos em regimes agrícolas respeitadores da conservação e regeneração dos solos, recorrendo à identificação de diversos produtos”. O PAN quer ainda acabar com os apoios à “agricultura sintética e à pecuária intensiva”

Rever todas as PPP, estudar saída do euro e aplicar Rendimento Básico Incondicional

O PAN repete até à exaustão o argumento de que não é de esquerda nem de direita. Considera esta uma visão demasiado restrita da política e de economia. No entanto, o partido também tem visões sobre macroeconomia e sobre políticas económicas. Uma delas é a defesa da existência de um Rendimento Básico Incondicional (RBI). “É uma medida que permite que o partido continue a proclamar que não se inclui nem à esquerda nem à direita, porque nos dois campos há quem critique e quem apoie a ideia”, explica ao Observador o economista Luís Aguiar-Conraria.

Com a existência de um rendimento básico incondicional (RBI) é dado a cada pessoa – jovem ou adulta – um valor mensal incondicional a qualquer contrapartida. Pretende-se que com este rendimento básico as pessoas tenham uma fonte de rendimento que lhes possibilita viver na sociedade e envolverem-se no mercado de trabalho”, lê-se no programa eleitoral que o partido levou às eleições legislativas de 2015. “A implementação do RBI requer vontade política, argumenta ainda o PAN.

A ideia não é nova e suscita algumas dúvidas a nível de exequibilidade. Mas, diz Luís Aguiar-Conraria, “não se trata de uma ideia lunática. Antes pelo contrário”. Tem sido estudada em todo o mundo e muitas vezes tem sido alvo de experiências em pequenas localidades. Ainda numa fase embrionária, a discussão tem surgido em Portugal no plano académico. Ainda não chegou ao plano político. Mesmo com a medida inscrita no programa, o PAN não quis avançar para essa discussão durante esta legislatura.

“Este é um debate interessante precisamente porque há pessoas da esquerda e da direita do mesmo lado. Seja o da crítica seja o do apoio”, explica o economista. “Do ponto de vista teórico, esta medida faz sentido. Substituíam-se quase todas as ajudas do Estado por um único subsídio: o RBI. Do ponto de vista prático não sei se a aplicação teria sucesso, porque as pessoas podem ver  isto como uma forma de o Estado dar dinheiro às pessoas para elas não fazerem nada”.

No entanto, nas experiências feitas um pouco por todo o mundo, “não se confirmaram esses efeitos perversos”, assegura Luís Aguiar-Conraria. Recentemente, a Finlândia pôs fim a um projeto-piloto que entregava este subsídio a dois mil cidadãos. Há duas versões para esta experiência ter terminado: o Governo diz que não puxou pelo emprego, os responsáveis pela experiência acusam o Ministério das Finanças de não ter querido alargar a experiência e de, por isso, ter colocado um ponto final.

Certo é que é uma discussão que divide economistas e políticos. Até em Portugal. Pedro Duarte e Carlos Moedas apresentaram uma moção no último congresso do PSD em que defendiam que se estudassem “formatos inovadores como o rendimento básico universal”. Algo que, à esquerda, muitos veem como positivo por tornar o trabalho apenas numa opção e não numa obrigação. Mas nem todos. Francisco Louçã, por exemplo, é um crítico desta medida por entender que “este mecanismo serve para habituar as pessoas a receberem salários mais baixos e a garantir às empresas que podem pagar salários mais baixos“.

Esta é, por isso, uma questão que levanta várias questões e oferece outras tantas soluções. Para Luís Aguiar-Conraria “seria interessante ver se a experiência funcionava em Portugal através de uma pequena experiência localizada”.

Sobre o euro, o partido defende a existência de um “plano B”, que aceite a possibilidade de regressar ao escudo, “para o caso do colapso do euro”. O PAN entende que esta opção não deve ser descurada. Sobretudo se se verificar que “a continuação na União Económica e Monetária e na zona euro é contrária aos interesses de Portugal”. Não se fala de uma saída a todo o custo nem sequer se diz que essa é a melhor opção. No entanto, o partido identifica algumas lacunas na arquitetura da moeda única que podem acabar por prejudicar os países menos robustos financeiramente. Assim, é preciso ter esse plano de saída do euro pronto para o caso de ser necessário “defender o interesse nacional e a soberania económica e financeira de Portugal”. Os ambientalistas não estão convictos de que essa possa ser a melhor opção e até acautelam a possibilidade de sair para voltar a entrar mais tarde. A medida deve ser estudada em todas as dimensões, mesmo que seja para levar a cabo “temporariamente”.

“O que se tem verificado é que, nos contratos assinados entre o Estado e as entidades privadas, o primeiro fica com uma parte significativa das responsabilidades negativas que podem advir da parceria, deixando de modo praticamente exclusivo para as entidades privadas a obtenção dos lucros”. É esta a análise que o PAN faz da maioria das Parecerias Público-Privadas (PPP), independentemente da área em que funcionam. Uma injustiça que o partido entende que deve ser corrigida. Mas, mais uma vez, a solução que propõe não é propriamente radical. Fazem uma avaliação negativa das experiências ocorridas até agora, mas não defendem o fim das PPP. Preferem sugerir a sua revisão. Como? Através da “criação de equipas de especialistas em representação do Estado Português e das respetivas entidades privadas para que num prazo de uma legislatura sejam renegociados os contratos, tendo por base expetativas mais adequadas à realidade económica nacional”.

Eutanásia e adoção por casais do mesmo sexo: check

Há um ano o PAN levou a votos um projeto para despenalização da eutanásia, a par do PS, do BE e do PEV, mas nenhum deles foi aprovado. Os mesmos quatro partidos apresentaram, logo em 2015, projetos para legalizar a adoção por casais homossexuais e todos foram aprovados pelo Parlamento.

Votos dispersos, chumbos inesperados. A radiografia de uma derrota no Parlamento

Mindfulness para todos e período de nojo alargado para políticos

“A visão institucionalizada que existe do relacionamento entre todos os seres e ecossistemas, é uma visão que ignora a interligação entre tudo e todos, é uma visão controlada pelo imediatismo inconsciente que se expressa na destruição acelerada da comunidade planetária da Vida”.

A frase que vem inscrita no programa político do PAN introduz o capítulo sobre o “mindfulness na Escola, no Serviço Social e na Sociedade”. Para o partido há um “problema” na sociedade que é “grave” e “é urgente” resolver “através da prática de modelos alargados de ética fraterna, que nos incluam a nós próprios, as nossas sociedades, culturas e ecossistema”. Assim, defendem programas do 1º ciclo que incluam práticas de mindfulness e que sejam estendidas aos restantes ciclos de ensino, “incluindo o superior”. E criar “um curso superior adequado” de mindfulness“, uma “prática meditativa que tem por objetivo o percecionar o mundo à nossa volta e suas interrelações tal como se apresentam na realidade, desprovidas/os de contaminantes provenientes da nossa ignorância ou preconceito”.

Mindfulness à parte, para os titulares de cargos políticos, o partido defende o aperto de regras quando passam a funções no setor privado. Em vez do atual período de nojo de três anos, o PAN propôs que este impedimentos seja válido por dez anos. “Com o estabelecimento desta medida introduz-se um critério que impede um eventual benefício – direto ou indireto – na passagem para a vida privada e o trabalhar com entidades privadas”, avançava o programa.

Defender indicador de felicidade com um exemplo infeliz

O PAN quer romper com a ideia de que a economia serve para medir o bem-estar de um país. O partido diz que há mais fatores além da riqueza que valorizam os estados. Assim, no seu programa, inscreveu uma medida que não chegou a propor: “Rever as contas nacionais de modo a introduzir nas estatísticas do INE o Indicador do Progresso Genuíno e o Indicador de Felicidade Interna Bruta. Adoptar o IPG e o IFB como indicadores por excelência do bem-estar e qualidade de vida das populações. Interpretar o PIB como um indicador do tamanho da economia e do seu impacto ecológico”.

Esta ideia não chegou a ser vertida em nenhuma proposta do partido ao longo da legislatura. Mas também não foi propriamente esquecido. Foi aflorado no primeiro discurso que André Silva fez numa cerimónia do 25 de abril. No ano de 2016, o deputado único do PAN defendeu que estes indicadores poderiam ser adotados por Portugal à semelhança do que acontece no Butão.

Recorde-se que este país, situado no sul do continente asiático no meio dos Himalaias, surge frequentemente nos rankings de países mais felizes do mundo. Mas também tem sido alvo de duras críticas por discriminar refugiados e estrangeiros. É uma democracia apenas desde 2008 e a experiência é ainda curta, mas nem só de bem-estar e felicidade vivem os butaneses. Sobretudo os de origem nepalesa, que são desde sempre segregados pela monarquia e pela restante população. Confinados a uma região do território, estes cidadãos são diferenciados dos restantes com base na sua origem, através de bloqueios ao acesso à saúde ou à cidadania.

O respeito pelos Direitos Humanos é muitas vezes questionado por organizações internacionais, com a ONU à cabeça. Em 2009, as Nações Unidas avaliaram esta questão e deixaram uma lista com 99 recomendações para que o país pudesse estar em linha com os países considerados respeitadores desses direitos. Entre as sugestões, aconselharam que se tomassem medidas para proteger a liberdade de expressão e de imprensa ou para respeitar a liberdade religiosa e étnica. No entanto, foi este o país que o deputado do PAN decidiu apresentar como modelo a seguir no dia em que se celebra a liberdade em Portugal.

Em outubro, numa reportagem do Observador, o líder do PAN, André Silva, justificou-se dizendo que o Butão, que chegou a dar como exemplo de um país onde o IFB é aplicado, “não é um país perfeito”. No entanto, isso não impede que o partido continue a defender que o índice de felicidade deve ser adotado pelos governos de todo o mundo. “Mais cedo ou mais tarde, sem que seja necessário eliminar qualquer indicador já existente, o indicador relativo ao bem-estar será criado e será tido em conta. Será apenas mais um. Mas acredito que, a médio prazo, todos os países vão ter um indicador semelhante”, antevê.

André Silva, do PAN. Da biodanza ao Butão, as histórias, as causas e as polémicas de um deputado dançarino

É essa a esperança do partido relativamente ao IFB e ao Indicador do Progresso Genuíno, que não quer eliminar o PIB mas que prefere que a vertente económica não seja a única utilizada para medir o bem-estar de um país, tornando-o mais uma ferramenta de comparação entre os países.

O cálculo seria feito tendo em conta diversos fatores que já são calculados, embora para outros fins, como o acesso à escolaridade, a liberdade de imprensa, a qualidade da Justiça, os cuidados de Saúde ou as medidas ambientais existentes. A isto podia até acrescentar-se perguntas sobre bem-estar que pudessem ser incluídas nos censos.