Mais um desenvolvimento do caso Alexandra Reis e de peso para o ex-ministro Pedro Nuno Santos. Afinal, não só sabia da indemnização paga pela saída da antiga gestora da TAP, como deu o ‘ok’. Um acrescento na história que deixou boquiabertos alguns socialistas (incluindo apoiantes de sempre do socialista que todos apontam ao pós-costismo), mas que não leva o ex-ministro a rever os seus planos de futuro.
Na cabeça de Pedro Nuno Santos continua a estar o regresso ao Parlamento, para assumir o mandato de deputado, no início de fevereiro — a suspensão do lugar por 30 dias foi aprovada no início de janeiro, logo depois de ter apresentado demissão do Governo. Mas ficará em “pousio uns meses largos”, segundo diz fonte próxima do ex-ministro, sendo certo que os tempos vão dar pouca margem para sossego já que no Parlamento vai tomar posse, entretanto, a comissão de inquérito sobre o controlo público e político da gestão da TAP, proposta pelo Bloco de Esquerda.
Por um triz, Pedro Nuno Santos não vai estar no plenário no debate do inquérito parlamentar, que acontece logo a 1 de fevereiro, mesmo antes de assumir o lugar de deputado. Ainda assim, já vai estar de regresso à Assembleia da República durante a comissão parlamentar de inquérito, onde é praticamente garantido que vai ser ouvido e que terá de responder às perguntas dos deputados.
Serão, por isso mesmo, meses de recolhimento difícil para o socialista, que sonhava estar resguardado nestes tempos de regresso à bancada parlamentar do PS. Em parte vai estar a preparar o passo seguinte que continua, tal como avançou a rádio Renascença, apontado para setembro, “o novo ano político”, como descreve a mesma fonte ao Observador. Nesta capítulo, a revelação de sexta-feira passada, parece nada mudar no calendário de Pedro Nuno Santos.
Pedro Nuno Santos admite que afinal sabia valor e deu ok a indemnização de Alexandra Reis
PS entre a defesa e a “desilusão”. “Deu um tiro no meio dos olhos”
Mal saiu do Governo, o socialista fez logo saber que voltaria ao Parlamento, dando sinal claro sobre a vontade de se manter no tabuleiro político. Aos seus mais próximos foi dizendo isso mesmo, tal como contou o Observador no momento em que anunciou a saída do agora ex-ministro dos órgãos nacionais do PS como forma de assinalar o “fim de um ciclo”.
Nessa altura, Pedro Nuno Santos foi logo aconselhado a cumprir um período de recolhimento antes de voltar às lides e de começar o caminho na corrida pela sucessão. As mesmas fontes, nessa fase mais quente, começavam já a cerrar fileiras para esse futuro e a atirar a Fernando Medina, o ministro das Finanças, também envolvido nesse mesmo caso e um adversário interno para Pedro Nuno.
Mas, pelo meio, surgiu o capítulo da mensagem de whatsapp perdida no telemóvel de Pedro Nuno com o estrondoso detalhe de que o ministro tinha sido de facto informado sobre o valor final da indemnização e deu mesmo “anuência” à mesma. As mesmas figuras do PS que já corriam para a guerra contra Medina, hoje estão mais cautelosas.
“É demasiado mau. Foi bom ter saído do Governo e, sabendo disto, ainda foi melhor”, diz um socialista que apoia o ex-ministro. “Isto é normal? Não acho normal em lugares de tanta responsabilidade”, diz outro socialista ao Observador, que está convencido que o desenvolvimento “piora” a situação do ex-governante. “Ele, com as ambições que tem, sendo a reserva política do PS, deu um tiro no meio dos olhos”, acrescenta.
“Tira lustre à saída limpa”, sintetiza um apoiante de Pedro Nuno Santos. Recorde-se que alguns socialistas compararam a demissão de Pedro Nuno à de Jorge Coelho, que saiu na sequência do acidente da ponte Entre os Rios, mesmo antes de apuradas responsabilidades, com a famosa frase “a culpa não pode morrer solteira”.
No episódio de Pedro Nuno Santos, o ministro saiu quando percebeu que o seu secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, tinha recebido um email formal da TAP a informar sobre a negociação para a saída de Alexandra Reis da empresa tutelada pelo seu Ministério. Mas do que Pedro Nuno não se lembrava foi que ele mesmo soube do valor pago a ex-gestora e que tinha dado respaldo político através de um canal de comunicação informal.
Entre pedronunistas é clara a desilusão com esta nova revelação. Mesmo assim, tenta explicar-se a jogada de antecipação de Pedro Nuno como “estratégica“. “Quis contar tudo já para se livrar de problemas no futuro“, diz um apoiante do ex-ministro. No seu círculo, a assunção da existência de uma mensagem o quando antes também é vista desta forma, garantindo-se até que permite a Pedro Nuno manter a imagem de “transparência” e “honestidade” que acreditam ter.
Mas até entre os apoiantes há quem admita estar com dificuldades em digerir esta nova informação. “Ele é uma reserva política importante para o PS. Esta revelação, não sendo impeditiva [das ambições de liderança], vai aparecer sempre no caminho”, aponta um socialista, que mantém, mesmo com o desenvolvimento de sexta-feira, o futuro em aberto para Pedro Nuno Santos. “É uma marca que não se sabe quanto tempo vai demorar a passar”, reconhece outra fonte socialista ao Observador.
A deputada Alexandra Leitão, que tinha saído em defesa de Pedro Nuno de forma vincada quando o ministro se demitiu — apontando-o como um ativo importante no futuro — disse agora, no programa “Princípio da incerteza”, querer acreditar “que houve um lapso de memória”. Na SIC-Notícias, Ana Gomes, outra defensora do ex-ministro, manteve o elogio ao socialista pode ter sido “dos raros que assumiu responsabilidade” no caso da indemnização da TAP e diz que “ainda vai correr muita água por baixo da ponte”.
Esquerda (continua) atenta aos próximos passos de Pedro Nuno
Entretanto, a esquerda à esquerda do PS vai observando a agitação no Governo de bancada e com cautela. Isto porque o futuro político de Pedro Nuno Santos pode ter implicações na forma como as relações à esquerda vão evoluir daqui para a frente – e não são óbvias as consequências que um processo de desgaste do rosto da ala esquerda dos socialistas pode ter nesse xadrez.
Para já, desvaloriza-se o novo desenvolvimento do caso de Pedro Nuno: há quem observe que, com a quantidade de casos que têm surgido e com a situação caótica da governação, o que parecem agora grandes polémicas poderão, daqui a pouco tempo, estar relativamente esquecidas – mas apenas por serem engolidas por outras maiores, fragilizando ainda mais o PS.
Outros reforçam que isto significa que Pedro Nuno deve focar-se no seu plano de recolhimento, longe dos holofotes, para cumprir uma espécie de período de nojo – mas apenas para fazer o que já faria de qualquer forma: regressar à arena política. E, entre Bloco e PCP, olha-se para o estado do pedronunismo com os próximos ciclos eleitorais na cabeça.
Os bloquistas têm presentes os perigos de voltar a acontecer, numa próxima campanha, o que aconteceu nas eleições de janeiro: passaram a campanha a tentar retratar-se como potenciais parceiros do Governo, com Catarina Martins a convidar António Costa para uma reunião no dia seguinte às eleições e o PCP a sugerir, de forma mais subtil, o mesmo caminho.
A maioria absoluta acabaria, no entanto, por pôr termo a essas hipóteses, abrindo um ciclo de distanciamento entre PS e esquerda, que já compara as opções do Governo de António Costa às da troika, e afastando Bloco e PCP dos tempos de influência na governação.
Juntar, como aconteceu nessa campanha, o desprezo do PS à ameaça do papão do Chega seria um pesadelo eleitoral para a esquerda – por isso, convém contar com um PS fragilizado o suficiente para não contar com uma maioria que dispense a esquerda; mas forte o suficiente para ganhar eleições e tornar a esquerda relevante a nível negocial.
Pedro Nuno Santos foi sempre visto como um nome que poderia reavivar a ideia da geringonça – afinal, foi o seu pivô no Parlamento e chegou a defender, já como ministro, que o modelo não foi apenas um parênteses na política portuguesa – que desejaria manter as pontes com a esquerda. Mas há um evidente senão: Pedro Nuno tem numa mão o potencial para relançar a ‘geringonça’ e noutra o potencial para secá-la, ‘roubando’ votos a Bloco de Esquerda e PCP.
Foi Pedro Nuno, aliás, que chegou a explicar a sua tática eleitoral, garantindo que o centro se conquista pela esquerda. Também por isso, e mesmo reconhecendo o seu papel na era da ‘geringonça’ (ainda este mês o líder do PCP, Paulo Raimundo, reconhecia o “empenho” de Pedro Nuno nessas negociações), a esquerda à esquerda do PS vai desafiando Pedro Nuno a provar, afinal, se é está assim tão à esquerda.
Era o que acontecia no artigo publicado pelo dirigente Jorge Costa no portal do Bloco de Esquerda, no qual, a propósito da tensão entre Governo e professores, perguntava qual seria o papel do “expoente da esquerda do PS”, sobretudo agora que já está livre dos “constrangimentos do Conselho de Ministros”. Os próximos meses trarão as respostas.