Político que sai da liderança faz sempre questão de usar o chavão do regresso à condição de “simples militante de base”. Pedro Nuno Santos não é líder, mas fez o mesmo movimento depois da demissão surpreendente da semana passada, deixando os órgãos nacionais do PS que integrava. Regressa ao Parlamento, mas só daqui a um mês. Vai descansar, antes de voltar para preparar um novo ciclo e passar oficialmente a correr em pista própria. Está preparado para fazer esse caminho com discrição nos primeiros tempos, sem grande futurologia, e, para já, pouco alinhado com eventuais combinações de sucessão.

A saída do secretariado nacional do PS — e por consequência da Comissão Política Nacional — é colocada por fonte próxima do ex-ministro como “o fim de um ciclo.” Pedro Nuno Santos afasta-se momentaneamente dos palcos e prepara-se para ficar no Parlamento, como deputado, em silêncio “durante alguns meses”, diz a mesma fonte.

Mas qual a razão desta retirada dos órgãos do PS? Aos olhos de vários pedronunistas, serve para assinalar o fim do tal ciclo, e sobretudo para oficializar a rutura com a era de António Costa. Não que os planos do ex-ministro passem por desafiar o atual líder, com os socialistas a considerarem muito improvável que Costa queira voltar a ser o candidato do PS nas legislativas de 2026 (se o calendário eleitoral normal se mantiver). Mas, como indicam fontes próximas do ex-ministro, ao sair da direção do PS Pedro Nuno Santos provoca uma “cisão” que o deixa livre de associações ao rumo atual do PS e livre para trilhar o seu caminho quando chegar a altura de concorrer à liderança, sem o carimbo de “sucessor” de Costa.

Quanto ao futuro menos próximo, o da candidatura à liderança, todos veem as equações que possam ser agora feitas como prematuras. E na frente pedronunista vai, para já, afastando-se qualquer hipótese que não passe por disputa direta da liderança, incluindo aquela que também está ser colocada como “simples possibilidade”, tal como o Observador escreveu na sexta-feira passada, e que passa por manter Costa como líder em 2025 e pôr o partido a escolher um outro candidato a primeiro-ministro para as legislativas de 2026.

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Essa “simples possibilidade” irrita a ala pedronunista. Por vários motivos: por um lado, por ser considerada extemporânea — há alguns “e ses” que faltaria que se comprovassem para chegar a esse cenário.

Mas, sobretudo, por ser “inverosímil“, como considera um socialista desta frente. Seria muito difícil que o próprio Pedro Nuno Santos compactuasse com um cenário destes, em que seria lançado sem ir a votos dentro do PS, em diretas — ou seja, sem ser eleito por um aparelho que trabalha há anos.

Outro socialista próximo do ex-ministro lança mais um argumento contra a hipótese: se Pedro Nuno saiu agora da direção de Costa, não teria legitimidade depois para ser escolhido por essa mesma direção como candidato a primeiro-ministro. “Costa indicaria um membro demissionário do seu secretariado?”, desconfia uma fonte próxima.

As feridas que ficaram da crise estão longe de estarem saradas

Seja como for, a ambição do (já não tão) jovem turco mantém-se intacta, após a demissão. Ninguém lhe tira da cabeça a conquista da liderança do PS no futuro e, nestes últimos anos, não esmoreceu quando lhe colocaram à frente a possibilidade de uma travessia pelo deserto da oposição, quando chegar o seu tempo de líder. Sobre esse cenário diz sempre a quem o ouve que nada teme. Até entre socialistas menos próximos dessa frente há quem lhe note a “convicção muito profunda sobre o seu papel” no meio político.

Mas é preciso calma para o capítulo que se segue e o pedido é feito pelos mais próximos, tal como o Observador já escreveu. E mesmo na frente socialista menos encantada com Pedro Nuno é feito semelhante alerta, embora se acredite que Pedro Nuno Santos não vai resistir a fazer-se ouvir de forma indireta, mesmo na fase de pousio.

Na forma não pública não vai ficar calado. Aproveitará os canais que tem nas televisões para dar conta das suas posições”, diz um socialista. E aponta mesmo duas vias: Ana Gomes e Alexandra Leitão. A primeira foi apoiada por Pedro Nuno Santos como candidata presidencial em 2021 e a segunda tem personificado a voz interna mais crítica ao Governo que, no entanto, saiu em defesa acérrima de Pedro Nuno nesta crise.

PS não deixa cair Pedro Nuno, mas pede calma. Pedronunistas atiram forte a Medina

Aliás, a deputada socialista foi uma das primeiras a vir sugerir que o ministro das Finanças ainda tinha explicações a dar sobre o caso da escolha de Alexandra Reis para secretária de Estado quando já corria informação sobre uma indemnização milionária que teria recebido para sair da administração da TAP. Não ficou sozinha e a frente pedronunista também deu sinal de descontentamento com a postura de Fernando Medina (apontado como concorrente de Pedro Nuno na senda interna) na gestão desta crise, sobretudo por ter vindo dizer publicamente que não conhecia o processo, isolando o ministro das Infraestruturas. E a questão parece estar longe de estar esclarecida mesmo entre os dois.

A posse que aconteceu no meio de acerto de contas entre Pedro Nuno e Medina

Nesta fase, os mais próximos de Medina também já têm feito saber que “o pecado capital” em todo o processo “foi a nomeação para a NAV” de Alexandra Reis, entre a TAP e o Governo. Uma escolha que sabem ter sido da exclusiva responsabilidade de Pedro Nuno Santos, considerando até curta a nota de demissão, nomeadamente na parte em que o ministro justifica a “saída com a perceção pública e não com o ato em si”.

Seja qual for o caminho, Pedro Nuno quer estar nele e não há quem não lhe veja atualmente trunfos de peso, sobretudo no controlo da máquina socialista, com influência em praticamente todas as federações distritais do partido pelo país.

Nos menos entusiastas do pedronunismo, assinala-se que “o projeto político dele foi derrotado porque trabalhava numa linha de solução de esquerda e quando o PS teve a maioria todo o trabalho dele caiu”. E até que a “parte do PS menos vocal não acha muita graça a comportamentos erráticos de ministros que têm a ilusão que não dependem do primeiro-ministro”, atira com alguma acidez um socialista. Qualquer disputa virá mais à frente, mas as fundações parecem cravadas nesta crise.