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Todos os protagonistas ligados ao novo aeroporto de Lisboa, técnicos e políticos, concordam que não há soluções boas e que qualquer decisão enfrentará muita oposição. A história tem cinco décadas de avanços, recuos e reviravoltas e foi marcada por eventos como o choque petrolífero, uma revolução, mudanças de Governo, pressão da sociedade civil, resgates financeiros do país e crises políticas dentro do mesmo Executivo como a que assistimos na semana passada. Por cinco vezes, o poder político anunciou uma decisão — Rio Frio; Ota; Campo de Tiro de Alcochete; Portela mais Montijo; e a última que integrava Portela mais Montijo e ao mesmo tempo Alcochete (durante 15 horas).
O Observador recupera os principais episódios que marcam a obra pública mais polémica de Portugal, uma discussão que dura há 53 anos, apenas superada, até agora, pela Ponte 25 de Abril que demorou mais de 60 anos entre a primeira proposta de engenharia feita no século XIX e o arranque da construção em 1962 (que foi inaugurada em 1966). Houve 17 localizações analisadas, lembrando o Observador as razões para os projetos caírem ou mudarem de rota.
Da decisão de Rio Frio à suspensão do projeto durante o PREC
Os primeiros estudos começaram na década de 1960 do século passado. Mas a cronologia oficial do novo aeroporto de Lisboa começa em 1969 com a criação do Gabinete do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa (GNAL) com o objetivo de promover e coordenar toda a atividade relacionada com a construção do novo aeroporto. É a partir daqui que se contam os 50 anos tantas vezes sublinhados pelo Governo quando em 2019 anunciou a decisão de fazer o Montijo.
Em 1972, o GNAL publica um relatório com os estudos preliminares efetuados a cinco localizações possíveis na margem sul do rio Tejo — Fonte da Telha, Montijo, Alcochete, Porto Alto e Rio Frio. Foi ainda avaliada a possibilidade de expansão da Portela, que estava a funcionar desde 1942, mas o relatório do GNAL afastou toda a margem norte do Tejo como hipótese.
Na Portela de Sacavém, onde está o atual aeroporto, foram assinalados “graves inconvenientes resultantes de se encontrar envolvido pela cidade o que dificultava qualquer possibilidade de expansão”. Isto vários anos antes de ser aprovada a urbanização da Alta de Lisboa nos anos de 1980 que tem sido várias vezes apontada como a responsável por travar qualquer crescimento do atual aeroporto.
As várias localizações que foram estudadas para o Aeroporto de Lisboa
Centrando as atenções na margem esquerda, o organismo focou-se em cinco locais: Fonte da Telha, Montijo, Alcochete (que aparece aqui para depois desaparecer até 2007) Porto Alto e Rio Frio. Qualquer uma destas soluções implicaria desativar a base aérea do Montijo e transferir a base do Campo de Tiro de Alcochete.
O relatório final dos Estudos sobre a Implantação do Aeroporto de Lisboa, produzido pela IDAD (Instituto do Ambiente e Desenvolvimento) da Universidade de Aveiro, sob coordenação de Carlos Borrego e Miguel Coutinho, explica como se chegou a Rio Frio. Este trabalho fez parte dos estudos encomendados pela CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) que em 2007 indicou o Campo de Tiro de Alcochete como melhor opção do que a Ota.
Na primeira avaliação técnica conhecida no final da década de 1960, Rio Frio ganhou pontos por ter disponível uma grande área que permitiria instalar um aeroporto de grandes dimensões sem quaisquer restrições para futuras ampliações (o estudo admitia chegar às quatro pistas). Foi também valorizado o facto de a ponte 25 de Abril inaugurada três anos antes (e ainda não congestionada) permitir, através da sua rede de acessos na margem norte, uma boa ligação a vários pontos estratégicos de Lisboa. Além de permitir uma ligação à rede ferroviária com menos investimentos.
Em 1971, Rio Frio ficou consolidado com dois estudos internacionais. Os consultores recomendavam a compra de terrenos numa área entre os 6.500 hectares e os 21.780 hectares para instalar todas as infraestruturas necessárias a uma cidade aeroportuária. O conceito foi retomado no Campo de Tiro de Alcochete 36 anos depois.
Em 1973 dá-se o primeiro choque petrolífero com o aumento acentuado dos combustíveis e no ano seguinte a revolução do 25 de abril, seguida do PREC (Processo Revolucionário em Curso). A mudança no quadro político traduz-se também na perda da exclusividade na exploração do transporte aéreo com as ex-colónias, o que obrigou a rever toda a estratégia aeroportuária.
Aeroporto de Lisboa. “Uma Odisseia muito maior do que a do SNS”
Em declarações à Rádio Observador, Luís Coimbra, ex-quadro da ANA e antigo presidente da NAV (empresa de navegação aérea), conta como, enquanto assessor do secretário do Estado dos Transportes (Machado Rodrigues), defendeu o travão no processo de Rio Frio durante o III governo provisório liderado por Vasco Gonçalves entre 1974 e 1975. “Dei um parecer ao eng. Machado Rodrigues, explicando que atendendo às circunstâncias do PREC e à imprevisibilidade da situação financeira, a propor que suspendesse a construção do novo aeroporto”. Luís Coimbra recorda que o problema do aeroporto na cidade, em particular pelo ruído, sempre preocupou os governos.
O tema só volta a ser alvo da atenção política entre 1978 e 1982, atravessando vários governos desde o PS e Mário Soares até à AD de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão. Tendo o estudo do IDAD como fonte, avança-se para a análise de 12 locais com o objetivo de selecionar uma short list de três e no qual são reapreciados os estudos anteriores às quais foram acrescentadas novas localizações — Santa Cruz (Torres Vedras), Ota (Alenquer), Azambuja, Alverca, Granja (Vialonga, no concelho de Vila França de Xira) e Tires (Cascais) na margem Norte, e Marateca (concelho de Palmela) na margem Sul (que já tinha cinco localizações nos estudos anteriores).
A Marateca cai por ser 15 km mais distante de Lisboa do que outras opções: Porto Alto (concelho de Benavente) e Rio Frio (Palmela). A norte do Tejo é destacada a Ota por ter condições de viabilidade mais comparáveis às da margem sul. Esta opção é valorizada pela acessibilidade rodo-ferroviária face a Lisboa, perto da Linha do Norte e da autoestrada para o Porto (que desde 1977 chegava ao Carregado). Já Rio Frio implicaria construir novas ligações rodo-ferroviárias sobre o Tejo, para além de obrigar a desativar as instalações militares do Montijo (base área) e o Campo de Tiro de Alcochete. Numa avaliação de 1987, a Ota surge pela primeira vez como opção preferencial, mas não única.
Das três propostas, Porto Alto desaparece do mapa das opções sem que se consiga perceber a razão nos documentos analisados. Sobram Ota e Rio Frio. Em 1990, a ANA elabora um estudo económico comparativo das duas opções sem apontar preferências.
Curiosamente em 1992, o então ministro das Obras Públicas, Joaquim Ferreira do Amaral, propõe o desafio de estudar um novo local para o aeroporto. O atual aeroporto tinha então capacidade para esticar até aos 16 milhões de passageiros e antecipava-se o seu esgotamento em 14 a 15 anos. “Não é cedo para procurar uma alternativa ao aeroporto de Lisboa que, uma vez saturado, vai trazer grandes problemas ao tráfego aéreo de Lisboa e do país.” O “ministro sem papas na língua”, assim descrito pelo repórter da RTP, atira para o centro da discussão o Montijo que descreve como uma “alternativa atraente por vários critérios, mas com dificuldades em outros”. O tema ia ser estudado pela Força Aérea.
Joaquim Ferreira do Amaral foi o ministro que em 1992 escolheu o corredor do Montijo para a construção da nova ponte rodoviária sobre Tejo para a zona oriental de Lisboa que iria ser reabilitada com a Expo 98.
Em 1994, ainda com Cavaco Silva como primeiro-ministro e Ferreira do Amaral na pasta das obras públicas, foram iniciados novos estudos comparativos que focaram três localizações: Ota, Montijo e Rio Frio. Foram desenvolvidos estudos setoriais de operação, engenharia, impacte ambiental e social e acessos para valorizar de forma quantitativa e qualitativa os fatores mais determinantes para decisão. Para o Montijo foram estudadas duas orientações de pista. Apesar das vantagens operacionais, o Montijo vinha em último lugar, atrás de Rio Frio e da Ota, quando eram postos na balança os aspetos ambientais.
As conclusões indicam as vantagens de cada localização — antecipando o método de avaliação ambiental estratégica comparando prós e contras de várias opções. Rio Frio era a localização que reunia mais vantagens, a Ota a melhor opção para o desenvolvimento regional e o Montijo o local que conciliava as vantagens das outras duas soluções. Com uma ressalva: era a que apresentava “impactes mais relevantes e difíceis de mitigar na ótica ambiental e social”. Uma análise que deixou de fora uma análise mais aprofundada das condicionantes ambientais nomeadamente sobre a reserva natural do estuário do Tejo.
O Montijo acaba por ser excluído quando se inicia a discussão da rede ferroviária de alta velocidade, pensada desde logo em coordenação com o novo aeroporto que seria servido por esta infraestrutura ao mesmo tempo que contribuía como alimentador para a procura do TGV. A alta velocidade ganha um impulso no primeiro governo de António Guterres quando João Cravinho era um super-ministro que acumulava os transportes, obras públicas e planeamento. A rede em forma de T deitado a ligar Lisboa e Porto a Madrid encaixava bem na localização da Ota.
Em 1998, é criada a NAER, empresa pública detida pela ANA que tinha como missão desenvolver o projeto do novo aeroporto e dão-se os primeiros passos na definição de um modelo financeiro para este investimento que passava por usar o encaixe com a privatização da concessionária dos aeroportos. Em 1999, já com Jorge Coelho à frente da pasta, são desenvolvidos os primeiros estudos de impacte ambiental em que a Ota aparece como menos desfavorável do que Rio Frio que apresenta mais condicionantes neste aspeto.
Em 1999, como recorda o já referido relatório do IDAD, a Aéroports de Paris é o consultor que integra toda a documentação já produzida sobre o tema em dois relatórios: um estudo preliminar de impacte ambiental e um relatório executivo sobre Ota e Rio Frio, sendo nesta localização acrescentada uma hipótese nova de orientação de pista que permite a continuação das bases militares do Montijo e de Alcochete e que minimiza o impacte ambiental. De acordo com este relatório que fez parte dos estudos entregues pela CIP ao Governo de José Sócrates em 2007, os quais contavam ainda com o relatório da consultora TIS, a diferença entre a classificação dada a Rio Frio e à Ota “não era significativa”.
Porque Rio Frio perde a vantagem para a Ota
Apontado desde o início dos anos de 1970 como local com mais condições para receber um novo aeroporto, a preferência por Rio Frio vai cair quando a localização do novo aeroporto de Lisboa na Ota é decidida no Executivo de António Guterres em 1999.
Para esta viragem foi fundamental a posição assumida por Elisa Ferreira, ministra do Ambiente no primeiro governo de António Guterres. A fragilidade ou mesmo ausência de estudos de avaliação ambiental a apoiar a decisão de construir a ponte Vasco da Gama que atravessa uma área de extrema sensibilidade no estuário do Tejo (o Samouco em Alcochete) valeu a Portugal um processo da Comissão Europeia. Bruxelas congelou os fundos europeus prometidos para a obra durante anos até que as autoridades nacionais tomassem medidas de mitigação do impacte ambiental, como a Fundação das Salinas do Samouco financiada pela Lusoponte.
Portugal contava também com financiamentos comunitários para as contas do aeroporto e os problemas ambientais nascidos da Ponte Vasco da Gama levaram a ministra Elisa Ferreira a defender a solução Ota, longe do rio Tejo e de menor impacte ambiental, que acabou por vingar no Conselho de Ministros. “Esta decisão (de 1999) baseou-se na conclusão de que a localização em Rio Frio constituiria um sério risco de provocar danos não minimizáveis, irreversíveis e não compensáveis”, segundo é referido no estudo de impacte ambiental para o Campo de Tiro de Alcochete. E ficou consagrada em 2002 no plano de ordenamento do território da área metropolitana de Lisboa.
Em 2002, Durão Barroso chega ao poder com a famosa frase de que Portugal “está de tanga”, a propósito do mau estado das contas públicas. Não é o ambiente mais favorável às grandes obras quando o país enfrenta o primeiro procedimento por défice excessivo de Bruxelas por não cumprir os critérios para os estados-membros do euro.
Para a Ota em força
O aeroporto fica em banho maria, mas a Ota mantém-se como a referência para os primeiros estudos sobre as linhas de alta velocidade com paragem obrigatória no novo aeroporto de Lisboa. Em 2005, já com Sócrates na liderança do Governo, a NAER apresentou estudos de consultores sobre a viabilidade de manter e expandir a Portela, que equacionavam um aeroporto complementar a partir de várias bases na Grande Lisboa. Os pareceres apontavam para a inviabilidade de expandir a Portela para responder ao crescimento previsto do tráfego e afastavam Alverca e Montijo. A primeira porque a orientação da base das Ogma entrava em conflito com os corredores aéreos de aproximação à Portela. Por outro lado, a exploração de dois aeroportos em simultâneo era indesejável do ponto de vista comercial e dos custos, logo, a única solução viável era um novo aeroporto.
O Governo de Sócrates retoma o projeto da Ota a toda a velocidade (ao mesmo tempo que revê o mapa das linhas de TGV deixado pelo anterior Governo) e em 2007 o projeto do aeroporto é submetido a avaliação ambiental com a defesa incondicional por parte do ministro com as Obras Públicas, Mário Lino.
Do “jamais” na margem Sul ao Campo de Tiro de Alcochete com um empurrão de Cavaco
À medida que o projeto parece tornar-se irreversível sobe o tom dos ataques à Ota, criticado por ser um aeroporto caro, longe de Lisboa (50 km) e exigir complexas obras de engenharia, incluindo desvio de ribeiras e construção de aterros com a movimentação de milhares de metros cúbicos de terra. O ponta de lança deste movimento que começou nos especialistas de engenharia, mas rapidamente alastrou, não podia ser mais influente. O Presidente da República, Cavaco Silva, acolheu os críticos do novo projeto dando força ao que viria a tornar-se numa campanha política (apoiada também pelos líderes do PSD, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite) contra as obras públicas “faraónicas” do Governo de Sócrates, identificadas com o aeroporto e o TGV.
Em junho de 2007, a primeira fase de um estudo encomendado pela CIP (atual Confederação Empresarial de Portugal), liderada por Francisco van Zeller, avança com uma proposta “revolucionária” porque esquecida em duas décadas de estudos do aeroporto — para o Campo de Tiro de Alcochete (CTA). De acordo com os autores da proposta apoiados nos estudos do IDAD e da TIS do especialista José Manuel Viegas, o Campo de Tiro de Alcochete era uma localização viável e com vantagens globais face à Ota que nunca teria sido seriamente considerada uma prioridade antes (presumem os autores do estudo de impacte ambiental realizado em 2010) por estar restringida a fins militares e pela prioridade sempre dada a Rio Frio. O facto de serem terrenos públicos e não privados era também visto como um ponto a favor desta opção.
Para chegar ao CTA, os autores do estudo analisaram e afastaram a região próxima da Fonte da Telha devido ao excesso de população, sensibilidade ambiental com grandes manchas de pinhal, e acessos congestionados. Já o Poceirão (ponto de chegada do troço da linha de TGV entre Lisboa e Madrid) tinha limitações pela proximidade à serra da Arrábida e à cidade de Setúbal que passaria a ser sobrevoada.
Um mês antes, o duelo norte-sul (neste caso com o Tejo pelo meio) sobre a localização do aeroporto atingiu um ponto alto (ou baixo) com o famoso discurso do ministro das Obras Pública na Ordem dos Economistas, onde Mário Lino arrasou a possibilidade de construir tal infraestrutura na margem sul do Tejo, com argumento eventualmente discutíveis.
Apesar da comparação da margem sul a um deserto, Mário Lino, tal como o seu sucessor 15 anos depois (Pedro Nuno Santos), sobreviveu politicamente ao momento infeliz. Já a Ota caiu no ano seguinte quando foram apresentadas as conclusões da avaliação ambiental estratégica encomendada pelo Governo ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) a qual se centrou na comparação entre Ota e Alcochete.
O LNEC avaliou as duas localizações em sete critérios considerados críticos para a decisão, e Alcochete ganhou por 4-3.
Segurança, eficiência e capacidade das operações de tráfego aéreo. A existência de obstáculos naturais na Ota, como a serra d’Aires e Candeeiros, apesar de não colocarem em causa a segurança, reduzem a flexibilidade operacional e limitam a exploração potencial das pistas. Campo de Tiro de Alcochete ganha.
Sustentabilidade dos recursos naturais e riscos. Campo de Tiro de Alcochete é mas favorável porque tem menos população exposta, exige menor desvio de cursos de água e envolve menos escavações e aterros, sendo por isso a construção da plataforma mais barata e fácil de executar.
Conservação da natureza e biodiversidade: Ota ganha porque Campo de Tiro de Alcochete está mais próximo da zona de proteção especial do Tejo o que envolve mais efeitos negativos no sistema de áreas classificadas e também sobre habitats e espécies protegidas por causa à escala europeia como as aves que usam o estuário do Tejo. Problema será ainda mais grave no caso do Montijo.
Sistema de transportes e acessibilidades. A Ota ganha pela proximidade à rede viária (A1 e A10) e a concelhos de Sintra e Cascais que são destino dos passageiros e à rede ferroviária existente (linha do Norte) e prevista então do TGV Lisboa-Porto. Campo de Tiro de Alcochete exige construção de novos acessos e só é competitiva com a nova planeada terceira travessia do Tejo (TTT).
Ordenamento do território. A Ota tem uma ligeira vantagem por valorizar o centro litoral e o Oeste, uma região com mais população e recursos humanos mais empreendedores, potenciando ainda o turismo fora de Lisboa. Já o CTA perde por causa do perigo de destruição de um vasto património silvícola, agrícola e ambiental.
Competitividade e desenvolvimento económico e social. A otimização das condições económicas e financeiras, e uma maior capacidade de se aproximar ao modelo da cidade aeroportuária deram a vitória ao Campo de Tiro de Alcochete.
Avaliação financeira. O investimento apontado para Alcochete é mais reduzido: 4,9 mil milhões de euros face aos 5,2 mil milhões apontados para a Ota. Estes valores deixam de fora grande parte do custo da TTT que estava já consagrada na linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto e que se fosse imputado ao Campo de Tiro de Alcochete mudaria este resultado. O estudo conclui que o VAL (valor acrescentado líquido) é mais positivo para o Campo de Tiro de Alcochete.
Portela mais um. A proposta de 2007 que foi recuperada depois de ter sido posta na gaveta
Ainda a comparação do LNEC não tinha sido concluída e já outra proposta da sociedade civil agitava os ares do aeroporto. Em agosto, um estudo feito para a Associação Comercial do Porto (ACP), então comandada por Rui Moreira, pela Universidade Católica defende a opção Portela mais um que permite poupar entre dois mil e 1,3 mil milhões de euros face à solução Ota e CTA, respetivamente. O “mais um” da ACP era precisamente a base do Montijo já então apontada para receber as companhias low cost. O documento admitia o abandono definitivo da Portela quando esta se mostrasse incapaz de responder à procura — nunca antes de 2017 —, e a concentração do tráfego aeroportuário no Montijo que seria desenvolvido por módulos.
A solução foi então descartada em nome de um aeroporto de raiz, mas viria a ser retomada anos mais tarde pelo acionista privado da ANA.
A solução Campo de Tiro de Alcochete seguiu para avaliação ambiental e recebeu a DIA favorável condicionada. Um das questões suscitadas foi o facto de localização coincidir com o Sistema Aquífero da Bacia do Tejo-Sado, o maior e mais importante sistema aquífero português, ocupando uma área aproximada de 6.900 km2. O projeto previa então 900 hectares de impermeabilização.
O estudo de impacte ambiental reconhece que os principais efeitos decorrem da redução da recarga do aquífero nos recursos hídricos subterrâneos, gerando impactes de moderada significância e magnitude elevada, não minimizáveis de forma significativa que deveriam ser acautelados no projeto de execução. Era também assinalado um impacte negativo muito significativo resultante da eliminação de cerca de 1100 a 1650 hectares de montado de sobro.
A troika e a privatização da ANA travam o Campo de Tiro de Alcochete
A declaração de impacte ambiental (DIA) foi concluída em 2010, o ano em que se iniciou a crise das dívidas soberanas do euro. Em 2011, Portugal estava sob a alçada da troika e todas as grandes obras foram suspensas. O programa dos credores impunha uma lista extensa de privatizações das quais a ANA avançou em 2012, optando o Governo de Passos Coelho por vender a totalidade do capital. Esta operação veio a condicionar de forma substancial as decisões políticas do futuro aeroporto, como se queixaram várias vezes os políticos socialistas.
Nos tempos da crise e da necessidade de atrair capitais privados, o contrato negociado com o vencedor do concurso não previa a obrigação de fazer (e pagar) um novo aeroporto, apesar da concessão ter sido dada por 50 anos. Ao mesmo tempo que vendia a ANA, o Executivo de Passos Coelho (a pasta da aviação estava nas mãos do secretário de Estado das Obras Públicas, Sérgio Monteiro) cria um grupo de trabalho para estudar a melhor opção para um aeroporto complementar à Portela onde pudessem ficar instaladas as companhias low cost. Foram analisadas as bases aéreas de Alverca, Sintra, Montijo, Monte Real, Beja e Tancos (perto de Abrantes).
O relatório do estudo, que envolveu conversas com a Força Aérea, nunca foi divulgado. Em 2015, o secretário de Estado das Obras Públicas anunciou a solução Lisboa mais Montijo. Sérgio Monteiro ainda tentou negociar um memorando com as autarquias envolvidas, mas a proximidade das eleições inviabilizou essa intenção.
Com a chegada dos socialistas ao poder, Pedro Marques assume a pasta das Infraestruturas. O antigo vereador da Câmara do Montijo mostrou dúvidas sobre a solução herdada e pediu mais estudos à consultora Roland Berger, à NAV e à ANAC. Em 2017, a solução já era dada como consolidada, mas só no início de 2019 foi assinado o acordo com a ANA que previa a par do Montijo investimentos significativos (de facto até maiores) na Portela. Uma das razões que explica esta demora foi a falsa partida para a avaliação de estudo de impacte ambiental que foi retirado da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) em 2018 para evitar a recusa por desconformidade (insuficiência de informação). Outra foi a negociação com a Força Aérea para a desativação da base.
A solução Montijo é irreversível? Nove perguntas sobre o futuro aeroporto
A decisão de construir o Montijo e o “não há plano B”
A decisão é tomada no início de 2019 quando é assinado um acordo com a ANA, antes de o projeto ter aprovação ambiental que é decisiva. Desde então, o Governo vai repetindo o mantra de que não há planos B, no caso do projeto não conseguir a declaração de impacte ambiental.
À medida que são conhecidos os impactes do projeto no quadro da avaliação ambiental cresce a contestação e várias organizações ambientais vão para tribunal impugnar a decisão, invocando o incumprimento da legislação que obriga à realização de uma avaliação ambiental estratégica prévia à decisão de avançar com numa nova infraestrutura aeroportuária. Outro opositor é a Plataforma Cívica BA6 Não — BA6 é a designação da base militar do Montijo — que junta várias personalidades da Moita e do Barreiro e o antigo presidente do LNEC, Carlos Matias Ramos, que foi responsável pelo estudo comparativo que deu a vantagem a Alcochete.
Um outro engenheiro — José Furtado — dá a cara por uma localização (já estudada e afastada) em Alverca que aproveita a pista da Ogma (reorientada), mas envolve construção num dos mouchões (ilhas) no rio Tejo.
No final de 2019, a APA emite a declaração de impacte ambiental (DIA) favorável, mas condicionada à localização do Montijo para um aeroporto complementar. A DIA impõe mais de 50 condições e medidas de mitigação que elevam os custos para a concessionária ANA em 48 milhões de euros. O que parecia mais difícil já está conseguido — apesar da ameaça de muitos processos judiciais e providências cautelares. Mas o desenvolvimento do Montijo volta a tropeçar num lei “estúpida” (assim a classificou o dirigente social-democrata David Justino) do tempo de José Sócrates que confere às autarquias (basta uma) o poder para vetar com um parecer negativo a instalação de um aeroporto na sua área de influência.
Necessidade de mudar lei “estúpida” que ameaça aeroporto no Montijo era conhecida há anos
O ministro voluntarista (Pedro Nuno Santos) anuncia a intenção de mudar a lei, mas o PSD, que em tese é a favor do Montijo, rói a corda e avisa que não viabiliza a mudança legislativa feita para um caso. António Costa chega-se à frente e chama os autarcas revoltosos — os comunistas que lideram a Moita e o Seixal — para negociar. E é nesta fase que surge em março de 2020 a pandemia, cujo impacto esmagador no setor da aviação tira o tema da agenda mediática e do Governo.
Logo a 1 de abril, o ministério de Pedro Nuno Santos é rápido a desmentir um comunicado falso do Governo a suspender o Montijo. Mas a brincadeira do dia das mentiras passa a verdade quando em março de 2021, o regulador da aviação (ANAC) chumba o Montijo na sequência do parecer negativo — pré-anunciado — dos autarcas do PCP (uma das câmaras — a Moita — passou meses depois para o PS). Entretanto em 2020 o Governo deixou caducar a DIA que permitia construir o aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.
Do acordo com o PSD ao concurso que foi perda de tempo e à última reviravolta
É neste impasse que um governo minoritário socialista negoceia um acordo com o PSD para neutralizar este poder de veto das autarquias e cuja contrapartida é a realização de uma avaliação ambiental estratégica que compara a solução defendida pelo Governo e concessionária — Portela mais Montijo com a opção contrária — Montijo mais Portela — e com o recuperado projeto do Campo de Tiro de Alcochete.
Mas o ministério de Pedro Nuno Santos desconfia da isenção do LNEC, que vê acantonado na proposta feita em 2008 de Alcochete, e lança um concurso público internacional. Uma opção mais demorada e que veio a ter um resultado “infeliz”: a escolha de um consórcio com ligações à operadora espanhola aeroportuária. Entre o anúncio do lançamento do concurso e o eventual desfecho que deverá ser a não adjudicação perdeu-se mais de um ano.
O potencial conflito de interesses levou o ministro das Infraestruturas a recusar adjudicar o concurso e a chamar o LNEC para fazer o trabalho de avaliação ambiental estratégica. Esta era pelo menos a informação transmitida à maioria dos membros do Governo até à quarta-feira passada quando começaram a sair as notícias com o teor do despacho que dá como decidida a solução que será objeto de avaliação ambiental estratégica.
Montijo ou Alcochete? Os dois. O que muda com a decisão sobre o novo aeroporto
E, durante 15 horas, entre a publicação e a ordem pública dada pelo primeiro-ministro para revogar o despacho, o país teve uma solução aeroportuária que ambicionava responder às necessidades de curto prazo de mais capacidade desenvolvendo o aeroporto complementar do Montijo e, numa segunda fase, assegurar uma resposta de décadas ao crescimento do tráfego aéreo com a construção do aeroporto de Alcochete.
Quando prestou declarações sobre o tema António Costa fez recuar o processo a toda a velocidade umas décadas, para o tempo em que tudo estava em aberto… até uma eventual proposta inovadora do novo líder do PSD, Luís Montenegro, numa estratégia que se resume, para já, a procurar uma solução de consenso com o maior partido de oposição.