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Mais uma semana, mais uma ronda de argumentos e explicações, que no essencial repetem o que já foi sendo dito pelo Governo sobre o tema quente de taxar os lucros inesperados das empresas que estão a ganhar com a crise energética.

O tiro de partida para esta corrida até foi dado pelo ministro da Economia na sua primeira intervenção no Parlamento em março, nas primeiras semanas da guerra na Ucrânia. António Costa Silva afirmou que o Executivo estava a estudar a possibilidade. Mas desde então têm sido mais os recuos e travões no discurso, sobretudo vindos das Finanças, mas até agora secundados pelo primeiro-ministro.

Mas nas últimas semanas a pressão cresceu. Primeiro foram alguns notáveis do PS a defender a taxa — o presidente do partido, Carlos César, e o ex-ministro e eurodeputado Pedro Marques — e depois veio a Comissão Europeia estender a passadeira vermelha para aqueles que defendem que é preciso e justo ir buscar uma parte dos lucros inesperados que a guerra e a crise energética trouxeram — por via da subida dos preços — para os redistribuir junto das famílias e empresas que estão a pagar essa fatura.

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A proposta defendida por Ursula von der Leyen no debate do Estado da Nação apresenta uma solução concreta para taxar as empresas de petróleo, refinação e gás com a criação de uma contribuição solidária e temporária — de um ano apenas — que se aplica a aumentos de lucros superiores a 20% face à média dos últimos três anos. Esta taxa de 33% só passará se for aprovada por maioria qualificada dos estados-membros no Conselho Europeu de ministros do ambiente — agendado para o dia 30 de setembro — mas se passar, dificilmente o Governo poderá continuar a empurrar o tema com a barriga.

A inevitabilidade deste tipo de abordagem parece até já estar a ser incorporada pela indústria petrolífera, desde que possa colaborar com o desenho da medida, como frisou esta sexta-feira o presidente da APETRO (Associação Portuguesa das Empresas Petrolíferas). António Comprido assinalou que essa é também a posição da associação europeia do setor, que coloca reservas à escolha dos três anos anos de referência para calcular o aumento de mais de 20% dos lucros este ano, uma vez que o período proposto por Bruxelas inclui dois anos em que a pandemia afetou a economia.

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Mas quais os argumentos que explicam tanta resistência política e técnica à taxa? E têm razão?

Transferência dos ganhos das empresas para os consumidores

Um das primeiras razões avançadas pelo Governo, e repetida esta semana pelo ministro das Finanças e pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é a existência de medidas que já asseguram a transferência dos ganhos ditos excessivos do setor energético para os consumidores. Fernando Medina apresentou mesmo contas dos efeitos positivos dessas medidas, que no caso da eletricidade estão em vigor desde meados de junho e no gás natural entrarão em ação em outubro.

O mecanismo ibérico que limitou o preço do gás usado para produzir eletricidade permitiu limitar os preços de toda a eletricidade no mercado grossista, colocando já um travão aos ganhos “caídos do céu” que algumas produtoras de energia estavam a encaixar ao vender a eletricidade ao mesmo preço que as centrais a gás, mas sem ter os custos associados a este combustível. Segundo Fernando Medina, o mecanismo vai permitir transferir até ao final do ano 500 milhões de euros dos lucros inesperados das elétricas para os consumidores.

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Já o regresso à tarifa regulada de todos os consumidores do mercado livre do gás natural poderá gerar uma poupança numa base anual de mais de 600 milhões de euros.  “Estamos a ir mais longe porque estamos a reduzir os lucros antes de eles serem apurados”, enquanto que uma taxa só iria ser aplicada após os lucros de 2022. Ou seja em 2023. Esta receita, que o ministro já esta sexta-feira no debate de medidas para as famílias veio a quantificar em mais de mil milhões de euros numa base anual, “é receita que é transferida diretamente dos resultados das companhias de gás e eletricidade para os consumidores”.

Combustíveis estão de fora

Só que os argumentos do mercado da eletricidade e do gás foram usados nas respostas às perguntas sobre os lucros inesperados das petrolíferas. E no setor dos combustíveis, as medidas do Governo não tocaram nas receitas das empresas. Passaram sim por baixar o imposto sobre os produtos petrolíferos abdicando de receita fiscal de “centenas de milhões de euros”, como referiu o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Mendonça Mendes, para atenuar o impacto da subida de preços para famílias e empresas. E o diploma aprovado no ano passado que permite ao regulador fixar margens no negócio em caso de abuso não foi aplicado porque a ERSE não detetou até agora margens excessivas.

As petrolíferas têm sido o principal alvo de taxas sobre lucros extraordinários em vários países europeus porque são as empresas que estão a apresentar mais recordes de resultados e também porque os governos evitam impor tetos aos preços dos combustíveis, que é um mercado global e muito mais competitivo, ao contrário do que tem acontecido em algumas geografias e na eletricidade. A Galp, como não se cansam aliás de lembrar os partidos à esquerda do PS, é também a empresa que mais engordou os lucros nesta conjuntura com uma subida de 150% no primeiro semestre.

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Mesmo no travão e transferência de lucros inesperados da eletricidade e do gás, a argumentação do Governo tem fragilidades. A energia que não tem os custos de produção do gás e do carvão está a ser vendida a quatro vezes acima do preço do ano passado, como sublinhou a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Isto porque o travão ibérico só conseguiu aliviar a tendência de alta dos preços, ainda que algumas das empresas que em Portugal poderiam, em tese, beneficiar dessas receitas extraordinárias não o estejam a fazer. A maioria das eólicas tem contratos com preços fixos e tem de devolver o excedente ao sistema elétrico e as barragens que estão em regime de mercado têm visto a sua produção penalizada pela falta de chuva.

Quanto ao gás natural, a justificação esbarra no facto de esta medida impactar empresas que são comercializadoras de gás, mas que não são produtoras, área onde se estão a registar os lucros mais fortes. Logo têm de comprar o gás a preço de mercado e é a subida desse preço que estão a passar para os clientes, ainda que em alguns casos possam ganhar com o gás contratado a prazo e a preços mais baixo.

As empresas de energia já pagam contribuições extraordinárias

Outra dos motivos frequentemente invocados pelo Governo, e salientado por fiscalistas, é o facto de as empresas energéticas em Portugal já terem de pagar contribuições extraordinárias especificas do setor. Estas contribuições foram criadas em 2014 pelo Governo do PSD/CDS como temporárias, e cuja receita se destinava em parte a reduzir o défice do sistema tarifário, mas têm-se prolongado no tempo.

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As contribuições incidem sobre os ativos das empresas de energia e não sobre os lucros e têm sido alvo de impugnações por parte das empresas. Só que a Galp, a empresa que será especialmente visada por uma taxa extra sobre lucros, nunca pagou esta contribuição, tendo impugnado todas as liquidações feitas sobre as suas empresas de gás e petróleo, o que deu origem litígios fiscais de centenas de milhões de euros. É, aliás, outra razão avançada pelo Governo para a cautela em avançar com novas taxas.

A falta de eficácia das taxas decididas em outros países

O argumento mais forte do Governo é contudo o da falta de eficácia destas taxas. “Suspeito que não há nenhum país que esteja a usufruir dessa tributação já, exceto Portugal” (por via dos tais lucros evitados por transferência para os consumidores), sublinhou o ministro das Finanças esta quarta-feira na comissão de orçamento. Fernando Medina já tinha usado o exemplo italiano para desvalorizar a eficácia deste tipo de iniciativa.

A taxa aplicada pelo Governo de Mario Draghi aos lucros do setor energético deveria ter produzido já receita, mas até agora não tem conseguido cobrar o que previa, tendo inclusive avançado com penalizações extra. Também Espanha, que foi o primeiro país a tentar taxar os lucros caídos do céu das elétricas ainda no ano passado, tem tido dificuldades em encontrar uma fórmula eficaz, tendo aliás alterado o modelo. Em vez de um imposto há agora uma prestação patrimonial de interesse público que se aplica sobre as receitas em vez do resultados, e que foi alargada à banca.

António Costa Silva voltou a destacar “as especificidades” do sistema fiscal português para defender que é preciso cuidado no desenho das medidas para não atacar a competitividade das empresas e entrar em choque com outros impostos já cobrados. Na mesma conferência de imprensa onde foram apresentados as medidas de apoio às empresas, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, frisou também que o “nosso objetivo não é fazer medidas para aparecer nas primeiras páginas dos jornais, mas sim fazer medidas que sejam efetivas”. E nunca anunciar taxas sobre as empresas em simultâneo com a divulgação de apoios para as empresas, acrescentou Mendonça Mendes.

Que empresas iriam pagar uma eventual taxa?

Outra matéria que ocupará os responsáveis do Executivo que estão a avaliar há vários meses esta possibilidade é a identificação das empresas destinatárias de uma eventual taxa sobre os lucros e que lucros são efetivamente gerados em Portugal.

A Galp é um alvo óbvio desta taxa, mas arrisca-se quase a ser a única abrangida porque é também a única empresa que está nas atividades geradoras dos maiores lucros — a produção de petróleo e gás natural. Só que este negócio não é conduzido, nem paga impostos em Portugal, como aliás já assinalou o presidente executivo Andy Brown. Sobra a refinação onde as margens têm estado muito acima do que é normal, gerando lucros robustos na área industrial, mas na atual incerteza do mercado incerteza não é garantido que esta performance se mantenha.

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E para além da Galp? Seria preciso avaliar os resultados de outras empresas do setor, sendo que algumas delas são filiais de grupos internacionais cujas contas não são públicas (ainda que o Fisco as conheça) e que poderão nem pagar impostos em Portugal. No setor elétrico haverá certamente casos de lucros inesperados, mas não serão tantos como Espanha devido às particularidades do sistema português, onde há contratos com preços fixos na venda da energia.

Mesmo a empresa que é historicamente a que tem mais lucros em Portugal — EDP —  arrancou o ano com prejuízos históricos no primeiro trimestre porque estava mais exposta aos preços como compradora do que como vendedora. Aliás, será também por isso que os partidos mais à esquerda, como o Bloco de Esquerda defendeu esta semana, têm vindo exigir uma eventual taxa sobre lucros inesperados sobre setores que estarão a ganhar numa conjuntura de inflação alta e juros a subir — as empresas de distribuição e a banca.

Para já, o Governo mantém o tema em aberto e diz que está a monitorizar a evolução dos tais lucros das empresas de energia. E aguarda pelas decisões que saírem do Conselho Europeu que vai discutir as medidas propostas pela Comissão. Mas se sair luz verde de Bruxelas para a taxa solidária, vai ser ainda mais difícil continuar a bater o pé.

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Outra razão que explicará esta cautela por parte do Executivo foi assinalada na conferência de imprensa de apresentação das medidas de apoio às empresas, em que o ministro da Economia e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais reconheceram que a situação de preços altos pode agravar-se, sobretudo na energia, o que irá exigir medidas adicionais por parte do Governo. A taxa sobre os lucros excessivos é um tiro que fica por disparar, guardado para os tempos mais difíceis que se advinham com a chegada do Inverno à Europa.