Os socialistas não têm dúvidas: João Galamba acabou isolado e ao mais alto nível. A audição do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro foi meticulosa, tentando não desdizer formalmente o ministro das Infraestruturas, mas a perceção que ficou foi de um desmentido a Galamba. E essa está a ser vista como uma decisão atribuível ao próprio chefe do Governo — afinal, como diz um socialista, “o Adjunto do primeiro-ministro não é um secretário de Estado qualquer” –, por isso a saída do ministro é o passo seguinte esperado pelo partido.
“Galamba ainda é ministro?”, solta um socialista. Outro atira: “António Costa usou Galamba para um exercício de autoridade junto do Presidente da República, mas também sabe que Galamba está muito precário e ontem [terça-feira] a precariedade aumentou e com uma alta patente do Governo. Está ligado às máquinas“.
Quando a pergunta sobre as condições políticas de João Galamba surge, a resposta mais ouvida pelo Observador juntos dos vários socialistas contactados surge sempre envolta numa apreciação negativa deste capítulo das secretas e em particular da postura de Galamba em todo o processo. “O Governo fez um cordão sanitário ao contrário. Se Galamba disparou para todos os lados, nas declarações públicas que fez, os membros do Governo começam agora a virar o jogo para mais ninguém ficar chamuscado”, acredita um socialista. A perceção parece transversal no partido: ao envolver boa parte do Governo no assunto, relatando todas as chamadas que fez na caótica noite de 26 de abril, o próprio ministro “criou todas as condições para ser desmentido”. “Galamba tramou Galamba”, resume um socialista ao Observador.
“Se o primeiro-ministro ainda tiver vontade de salvar isto vai ter de fazer alguma coisa. Talvez esteja à espera do fim da comissão parlamentar de inquérito. Se não o fizer continuará a persistir num erro que não deixa que se fale de mais nada e que prejudica que o Governo possa mostrar o trabalho que está a fazer”, vaticina outro socialista quando confrontado com a capacidade política nas Infraestruturas. “Pessoalmente deve ser muito difícil, sair para trabalhar de manhã com 70% das pessoas a dizerem que não devia estar ali”, nota um antigo dirigente apontando na sondagem do ICS/ISCTE para a SIC e o Expresso. “Percebo a posição de Costa em manter Galamba], mas isto é tudo um bocado desagradável“, sintetiza a mesma fonte do PS.
Sondagem. Quase dois terços dos portugueses defendem que Galamba não devia ter ficado no Governo
O timing de uma decisão de Costa sobre a equipa governativa no final dos trabalhos do inquérito parlamentar não é de agora e surge de mão dada com a necessidade de despachar rapidamente o que mais queima o Governo. “A depressão Galamba passará. E depois teremos o verão“, desabafa um alto dirigente que aguarda que mais adiante surjam melhores dias mediáticos para o Executivo e que a pausa para férias sirva para baixar a temperatura política.
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Há outra urgência que surge agora em cima da mesa. O Presidente da República marcou para julho um Conselho de Estado onde fará “o ponto de situação” sobre a realidade social, económica e política do país. As três perspetivas que Marcelo tem vindo (sobretudo no pós-Galamba-fica) a dizer que devem ser pesadas — deixando nas entrelinhas a possibilidade de antecipar legislativas caso a dinâmica seja desfavorável. “Só se Costa remodelar antes e esvaziar essa reunião”, congemina um socialista.
No PS aguardava-se com alguma curiosidade a audição de Mendonça Mendes, depois das manobras dos últimos dias, tanto do primeiro-ministro como do seu Adjunto, para fintar sempre a resposta direta à pergunta: o ministro ligou mesmo ao secretário de Estado Adjunto e foi ele que lhe falou nas secretas? A resposta mais clara só chegou esta semana, quando Mendonça Mendes assumiu finalmente que a chamada aconteceu, a 26 de abril (dia dos problemas nas Infraestruturas), como tinha dito Galamba. Mas a mostrar, com algumas voltas no discurso, que não foi dele que partiu a sugestão de contactar as secretas — no telefonema o ministro já apresentou uma lista com “todas as entidades” a serem contactadas.
O peso de ter sido alguém próximo de Costa a vir deixar Galamba (ainda) mais exposto, é notado no partido. “Mendonça Mendes não iria à comissão sem acertar com o primeiro-ministro o que ia dizer, sem sentir conforto nisso. Costa arranja crescentes argumentos para tirar Galamba numa próxima remodelação”.
Mesmo entre os que são mais próximos de Galamba, e que continuam a defender o ministro, a conclusão é a mesma: bem ou mal, com razão ou sem, o antigo jovem turco do PS não deve continuar — e até devia bater com a porta para o seu próprio bem. Ao Observador há quem comente que Galamba não será nunca, depois de todos estes episódios, visto como um bom ministro nem conseguirá ter condições para mostrar a obra que eventualmente venha a fazer, pelo que o seu futuro no Governo estará irremediavelmente condicionado.
Já Vitalino Canas considera que Mendonça Mendes foi “muitíssimo cauteloso. Não quis desmentir o seu colega de Governo, porque isso o colocaria também em dificuldades, nem dizer nada que não fosse a sua verdade. A interpretação que se pode fazer é que ele não pode confirmar que deu qualquer tipo de indicação ao ministro para se dirigir ao SIS”, disse no programa Vichyssoise na rádio Observador, que será transmitido esta sexta-feira.
“Está a tentar uma solução que não seja de desmentir formalmente o ministro, porque isso colocaria o ministro em sérios apuros, mas também não está a confirmar que tenha dado qualquer tipo de orientação ou sugestão porque não o pode fazer, manifestamente, porque ele acha que não o fez”, considera Vitalino. Ainda assim, o socialista acha difícil que Costa tire Galamba do Governo já que “há umas semanas fez uma declaração de autoridade, de um primeiro-ministro de maioria absoluta num sistema de Governo semi-presidencial, em torno de João Galamba. Não me parece que nesta altura vá recuar um milímetro. João Galamba, não tenho nenhuma dúvida, ficará no Governo. Pode ser a prazo, pode na primeira remodelação haver alterações a esse nível.”
Há também quem no partido acredite que pouco muda para Galamba depois do que foi dito por Mendonça Mendes. Não que isso seja uma boa notícia para o ministro. “Fica como estava. Não existe. O Governo tem menos um ministro e será assim enquanto isto não terminar e António Costa não fizer uma remodelação”. Outro socialista, também desejoso de ver uma remodelação a acontecer o quanto antes, culpa Galamba pela própria eventual queda — “disparou para todos os lados e envolveu muitas pessoas” — e nota que o “cálculo” de Costa, ao usar Galamba para enfrentar Marcelo Rebelo de Sousa, foi demasiado “imediatista”: “O risco é excessivo face à vantagem, que desapareceu logo no dia seguinte”.
Ou seja: Costa precisava, naquele momento, de Galamba para marcar posição face ao Presidente — mas os socialistas sabiam que isso traria custos futuros. Só não sabiam que esse futuro chegaria tão cedo. “Mostrou ser impróprio e ter falta de capacidade de discernimento. A história dele vai acabar mal“, lamenta um socialista já citado, um dos que até reconhecem qualidades políticas ao ministro.
A mexida no elenco do Executivo é um desejo que surge com alguma insistência no partido, com socialistas a apontarem que “o problema já nem está em Galamba, mas na completa ausência do Governo. O problema político é mais amplo.” E a responsabilidade pela situação tem de ser assumida, na opinião deste mesmo socialista: “Se não sabemos levar a mensagem é por alguma razão e a culpa é nossa, não é dos portugueses, da comunicação social ou da oposição.”
Missão: desvalorizar a “novela” e parar de “ceder” à oposição
Fora dos corredores do partido, a narrativa oficial é clara: desvalorizar, desvalorizar, desvalorizar. O enredo descreve-se no topo do PS como uma “novela” com demasiados episódios para o português comum seguir (com interesse, pelo menos). Só há um ponto em que partido e Governo querem concentrar-se publicamente, resumindo assim as conclusões das últimas audições: fica claro que não foi nenhum membro do Governo que deu ordem para contactar o SIS – tudo o resto são pormenores irrelevantes ou, como descreve um socialista, uma “paranóia democrática” em que já ninguém sabe bem o que procura, a não ser novas contradições.
Entre dirigentes contactados pelo Observador, ouve-se que nesse ponto “não há nenhuma contradição” – foi a chefe de gabinete de Galamba a responsável por contactar as secretas, ponto final. E o resto? Interesse da oposição em arrastar uma novela para a qual, acredita o PS, os portugueses já “perderam a paciência”. Um dos pontos a que os socialistas mais se agarram agora é a sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC que indicava que a maioria dos portugueses não quererá eleições antecipadas e acredita que a legislatura chegará ao fim. Pormenor: é a mesma sondagem que aponta para o desejo, também maioritário, de que João Galamba saia do Governo.
Quanto ao facto de António Mendonça Mendes ter desmentido, ainda que de forma velada, a versão do ministro das Infraestruturas, as respostas dos dirigentes são menos diretas: é preciso deixar claro “o que importa” e o que é “acessório”. O PS mostra-se, de resto, algo impaciente com o rumo dos acontecimentos numa comissão de inquérito em que acredita já ter feito “demasiadas cedências”, e que vai ofuscando qualquer iniciativa política que o Executivo tente tomar.
As consequências ficam, então, por aqui? Por muito que o topo do partido esteja convencido de que a população não está assim tão interessada nos pormenores do drama nas Infraestruturas, não se arrisca dizer tanto: “Veremos”. O equilíbrio público é difícil de fazer sem “entregar” Galamba: ainda na quarta-feira, após a audição de Mendonça Mendes, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, respondia aos jornalistas com uma defesa pouco taxativa do ministro: “Inferir que [Galamba] mentiu parece uma precipitação”.
E prosseguia com a narrativa que o PS prefere destacar: há dados animadores na Economia e há outros assuntos, mais substantivos, que estão a aparecer nas mais recentes audições parlamentares – sobretudo na comissão de Economia, que se tem focado na privatização da TAP e não nos casos mais recentes. “Sinceramente, depois de um dia como hoje, em que, com as palavras do ministro Pedro Nuno Santos, nós percebemos que a privatização da TAP em 2015 é uma privatização que oculta que quem tinha o risco era o Estado, continuamos a falar de um caso que está mais do que esclarecido”, rematou Brilhante Dias.
Essa linha de discussão era precisamente a que o PS desejava, desde o início, impor na Comissão Parlamentar de Inquérito, desviando as atenções para a privatização e as responsabilidades do PSD. A oposição dificilmente ficará esclarecida — ou convencida.