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Nos últimos dias vários políticos, ucranianos e não só, têm tentado gerar uma ideia alternativa: a contraofensiva, se e quando acontecer, não será necessariamente o climax da guerra

AFP via Getty Images

Nos últimos dias vários políticos, ucranianos e não só, têm tentado gerar uma ideia alternativa: a contraofensiva, se e quando acontecer, não será necessariamente o climax da guerra

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Primavera, verão, outono ou inverno? Zelensky travou a fundo e a contraofensiva ucraniana ficou sem data marcada

Todos esperam o grande ataque ucraniano e a ideia de que pode significar o fim da guerra ganha adeptos. Entre políticos, Zelensky incluído, tenta-se dosear a especulação com doses de realidade.

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“Ninguém espera a Inquisição Espanhola.” A catch phrase dos Monty Python, grupo britânico que celebrizou a frase em 1971 na série de comédia Flying Circus, é o oposto do que se pode dizer do momento atual na Ucrânia. Todos esperam a contraofensiva ucraniana. E todos a esperam tanto, e com tanto vigor, que as expectativas criadas estão a ganhar dimensão sobre-humana. Nos últimos dias, vários políticos, ucranianos e não só, têm tentado gerar uma ideia alternativa: a contraofensiva, se e quando acontecer, não será necessariamente o climax da guerra. O próprio Presidente ucraniano disse precisar de mais tempo antes de avançar no terreno.

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“Este é o mundo real, não é um filme de Hollywood.” Foi com pronúncia britânica, a de James Cleverly, que o assunto foi embrulhado numa dose brutal de realismo. O ministro dos Negócios Estrangeiros, numa conferência de imprensa ao lado do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a 9 de maio, usou um tom cru para baixar as expectativas. Não esperem uma contraofensiva cinematográfica de Kiev, “o mundo real não funciona assim.” Apesar disso, o londrino desejou que os ucranianos se “saiam muito, muito bem” já que costumam “superar as expectativas.”

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Contraofensiva da Ucrânia não será “um filme de Hollywood”, diz ministro britânico dos Negócios Estrangeiros

Como se tudo tivesse sido combinado ao pormenor, no mesmo dia, no país de James Cleverly falava o primeiro-ministro ucraniano sobre o mesmo assunto. À Sky News, Denys Shmyhal, de visita ao Reino Unido, garantia que a contraofensiva está a ser planeada “cuidadosamente” e que será lançada na altura certa. “Estamos a preparar-nos com muito cuidado porque é uma operação muito importante e entendemos que devemos demonstrar sucesso nesta operação à nossa sociedade, aos nossos parceiros, a todo o mundo e ao nosso inimigo.”

A grande contraofensiva da primavera parece agora estar mais perto de ser a grande contraofensiva de verão. A questão é se usar o adjetivo grande antes do ataque ucraniano ao inimigo faz (ou não) sentido. E isso está interligado com o número de militares disponíveis, com o armamento no terreno e com as munições disponíveis. A 11 de maio, no mesmo dia em que Zelensky pôs o pé no travão da ofensiva, Londres enviou mísseis de longo alcance Storm Shadow para a Ucrânia, aumentando o poderio militar de Kiev.

Ucrânia: Kiev já recebeu 28 aviões de combate, metade fornecidos pela Polónia

Kiev já terá cerca de 28 aviões de combate fornecidos por países ocidentais, segundo a representação polaca na União Europeia. “Das 28 aeronaves transferidas até agora, a Polónia enviou catorze caças MiG-29”, escreveu a delegação polaca no Twitter. Além disso, foram enviados 575 tanques, dos quais 325 são polacos.

Recuemos no calendário. A 6 de maio, três dias antes de Shmyhal falar, a voz de outro político ucraniano ouvia-se em terras estrangeiras, desta vez numa entrevista ao norte-americano Washington Post. A expectativa da nossa contraofensiva é sobrestimada no mundo”, afirmou o ministro da Defesa ucraniano. “A maioria das pessoas está à espera de algo enorme”, afirmou Oleksii Reznikov, argumentando que teme que isso possa levar a uma “deceção emocional”.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, no dia seguinte, 7 de maio, o Presidente da Chéquia, de visita a Londres para a coroação de Carlos III, deixou um recado ao vizinho de leste: avançar sem a preparação necessária pode conduzir ao desastre.

Petr Pavel, general na reserva e antigo conselheiro militar da NATO, disse publicamente o que já tinha dito em privado a Denys Shmyhal e ao Presidente Volodymyr Zelensky: a Ucrânia perdeu o fator surpresa, algo que foi determinante na contraofensiva em Kharkiv, norte do país, quando os russos esperavam um ataque no sul.

“Aparentemente, eles ainda têm a sensação de que não têm tudo para iniciar uma operação com sucesso”, disse Pavel (eleito em janeiro), citado pelo The Guardian, o que encaixa com as declarações de Zelensky. Assim, Pavel apelou a Shmyhal que não se deixasse “empurrar para um ritmo mais rápido” antes de estar totalmente preparado. “Pode ser uma tentação, para alguns, forçá-los a demonstrar alguns resultados”, mas, se a contraofensiva falhar “será extremamente prejudicial para a Ucrânia porque não terão outra hipótese, pelo menos este ano”.

Petr Pavel, general na reserva e antigo conselheiro militar da NATO, disse publicamente o que já tinha dito em privado a Denys Shmyhal

STEPHANIE LECOCQ/EPA

Esta ideia de que a contraofensiva é uma bala de prata não evita, por exemplo, as “perdas terríveis” de homens, inevitáveis por muito que os militares estejam preparados. “É extremamente exigente em termos de montagem de equipamento, pessoal, logística de munições, financiamento de combustível. Será apenas uma hipótese este ano, então tem de ser bem sucedida”, acrescentou Pavel.

Nos EUA, na mesma conferência de imprensa em que o ministro britânico falou, Antony Blinken disse acreditar que a Ucrânia “tem o que precisa” para retomar os territórios ocupados pela Rússia.

“Têm o que precisam para continuar a ter sucesso na recuperação de território que foi tomado à força pela Rússia nos últimos 14 meses”, disse o secretário de Estado dos EUA. “Não são apenas as armas, é o treinamento”, acrescentou, referindo-se aos novos mobilizados que estão a ser treinados em países da NATO. O norte-americano sublinhou ainda que é importante garantir que os ucranianos mantenham os sistemas que lhes foram fornecidos pelos aliados. “E é importante, claro, que tenham os planos certos para, novamente, serem bem-sucedidos.”

Zelensky falou: “É preciso mais tempo” antes de atacar

Na segunda-feira, 8 de maio, o Presidente ucraniano falou sobre a contraofensiva ao Washington Post e foi muito claro ao fazer uma ligação entre vitórias sobre os russos e apoio, militar e financeiro, dos aliados. “Acredito que quanto mais vitórias tivermos no campo de batalha, francamente, mais as pessoas acreditarão em nós, o que significa que obteremos mais ajuda”, disse Zelensky, entrevistado em Kiev.

Poucos dias depois, a 11 de maio, o chefe de Estado ucraniano voltou a falar e baixou as expectativas sobre a urgência do dia D. A primavera termina dentro seis semanas e a contraofensiva pode mesmo só chegar no verão, que começa a 21 de junho. Zelensky diz que as suas tropas estão prontas, mas ainda lhes falta algum equipamento.

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“Mas perderíamos muitas pessoas. Acho isso inaceitável. Portanto, precisamos esperar. Ainda precisamos de um pouco mais de tempo”, concluiu o Presidente ucraniano

Global Images Ukraine via Getty

“Com o que já temos podemos seguir em frente e, acredito, ter sucesso”, disse numa entrevista coletiva a membros do Eurovision News (como a BBC). “Mas perderíamos muitas pessoas. Acho isso inaceitável. Portanto, precisamos esperar. Ainda precisamos de um pouco mais de tempo”, concluiu o Presidente ucraniano.

Ouça aqui o Gabinete de Guerra. Discurso de Zelensky é “para pressionar aliados”

Discurso de Zelensky é para “pressionar aliados”

O Reino Unido parece ter ouvido as palavras de Zelensky com atenção. Coincidência ou não, na mesma quinta-feira entregou os mísseis Storm Shadow que atravessam distâncias de 250 quilómetros. O Kremlin não gostou. O porta-voz Dmitry Peskov declarou que esta decisão terá “uma resposta adequada” das tropas russas.

Mentiras táticas, o corredor da Crimeia e outros cenários

Zelensky diz que precisa de mais tempo. Mas será verdade? No momento atual do conflito, a contra-informação é tão importante como os avanços no terreno, lembra o politólogo russo Oleg Ignatov, em videoconferência com o Observador, frisando que “muita gente diferente diz muitas coisas diferentes” sobre a contraofensiva de Kiev.

“Alguns ucranianos dizem que a contraofensiva vai começar em breve e outros ucranianos dizem que já começou. Não sabemos”, diz o analista do think tank Crisis Group, um especialista em assuntos russos. E isso é intencional. “Eles não estão interessados em que se saiba, não estão interessados em revelar os seus planos — e essa é a decisão certa. Ambos os lados estão interessados em enganar o outro lado”, resume Ignatov.

Ou seja, o politólogo acredita que tanto Kiev como Moscovo vão tentar passar falsas mensagens e falsos sinais. “Estão a mentir e isso faz parte da tática.”

"Os ucranianos dizem que a contraofensiva vai começar em breve e outros ucranianos dizem que já começou. Não sabemos. E eles não estão interessados em que se saiba, não estão interessados em revelar os seus planos — e essa é a decisão certa. Ambos os lados estão interessados em enganar o outro. Portanto, vão tentar passar falsas mensagens e falsos sinais. Estão a mentir e isso faz parte da táctica. A primeira teoria é que a Ucrânia vai tentar cortar o corredor terrestre da Rússia para a Crimeia." 
Oleg Ignatov, especialista em assuntos russos

É por isso que para Vikram Mittal, professor da Academia Militar dos EUA, em West Point, é difícil avaliar as capacidades e a prontidão dos militares ucranianos para uma contraofensiva. “Nenhum dos lados partilha abertamente a sua prontidão e a capacidade. Ambos os lados perderam uma quantidade substancial de equipamentos e pessoal. No entanto, muitos dos equipamentos ucranianos mais antigos foram substituídos por equipamentos da NATO”, diz ao Observador, durante uma troca de emails.

Na sua opinião, a principal questão é que os ucranianos precisam de ser treinados adequadamente para se tornarem proficientes no uso do equipamento ocidental. “Isso será um desafio, pois requer tempo. Enquanto os ucranianos esperam para lançar a contraofensiva, isso dá-lhes mais tempo para treinar os soldados. Mas também sobrecarrega a cadeia de abastecimento russa, que está a lutar para atender às necessidades das suas forças”, diz o veterano norte-americano. No entanto, frisa o professor de West Point, a passagem do tempo permite à Rússia preparar defesas “que custarão caro aos ucranianos”.

E se for em frente, por onde seguirão as tropas militares? Oleg Ignatov, falando sobre os cenários possíveis para a contraofensiva ucraniana, refere que a primeira teoria, partilhada por vários analistas internacionais, é a de que a Ucrânia vai tentar cortar o corredor terrestre que liga a Rússia à península da Crimeia, anexada em 2014. “Se olharmos para os mapas, os ucranianos estão perto de Zaporíjia e podem tentar atacar as forças russas por ali, mas também podem tentar atacar por Vuhledar e tentar cortar o caminho para a Crimeia”, detalha o analista russo.

Isso seria importante para a tática de Kiev. “A partir daí teriam a possibilidade de atacar a ponte da Crimeia, usando rockets e mísseis e, se fizerem isso, destroem a linha de abastecimento russa. Moscovo só terá o mar para abastecer a Crimeia”, acrescenta o analista. Faz, no entanto, uma ressalva: isso não quer dizer que os ucranianos ataquem a Crimeia (ou a invadam), a opção deverá ser antes por um bloqueio total ou parcial à península. “Poderiam usar a Crimeia como vantagem. Esta é uma teoria. Não sei se será possível porque os russos fortificaram as suas posições. Veremos.”

A segunda hipótese que tem sido avançada, refere o analista do Crisis Group, é os ucranianos levarem a cabo algum tipo de ação no Donbass (que junta as regiões de Donetsk e Lugansk). “É uma grande área fortificada. Lugansk é menos do que Donetsk e poderá ser, em teoria, a região atacada. Na região de Donetsk há muitas trincheiras, muitas minas, é uma área fortificada ao estilo da Primeira Guerra Mundial”, diz ao Observador.

As opções não se esgotam aqui. “Também se fala de um ataque em Bahkmut e Prigozhin diz que os ucranianos podem atacar as tropas russas pelos flancos”, recorda Ignatov.

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Yevgeny Prigozhin é o líder e o fundador do Grupo Wagner, mercenários que lutam pela Rússia na Ucrânia e que nos últimos meses têm estado concentrados na batalha por Bakhmut, a cidade apelidada de trituradora de homens, tal é a carnificina que afeta os dois lados.

O milionário russo tem insistido que a contraofensiva ucraniana já começou naquela região e, a 11 de maio, garantiu que as tropas adversárias se aproximaram das posições russas pelos flancos. “Infelizmente, foram parcialmente bem-sucedidas”, disse no Telegram. Falando horas depois de Zelensky, Prigozhin acusou o Presidente ucraniano de estar “enganado” quando afirmou que a operação militar ainda não começou.

Sobre os cenários possíveis para a contraofensiva, Oleg Ignatov sublinha que só se pode falar deles no abstrato pela falta de informação que existe sobre os exércitos e o seu armamento, algo que também é deliberado.

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As forças ucranianas foram atualizadas, enquanto que as russas se degradaram, defende o analista Oleg Ignatov

AFP via Getty Images

“Não sabemos quantas forças os ucranianos têm, não sabemos quantas forças os russos têm, nem em que estado estão essas forças. Sabemos que os ucranianos têm forças novas e que estão a treiná-las. Sabemos que as capacidades militares dos russos estão a degradar-se. Em termos de equipamento, os ucranianos parecem estar melhores: têm mais treino e armas ocidentais, enquanto os russos estão cada vez mais a usar material antigo”, defende o analista.

Na sua perspetiva, as forças ucranianas foram atualizadas, enquanto que as russas se degradaram. “Mas isso é a teoria. Nenhum dos lados tem uma vantagem óbvia. Os dois lados estão a tentar enganar e tanto quanto sabemos os ucranianos poderiam atacar Belgorod. Não sabemos.”

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Belgorod fica na Rússia, na margem direita do rio Donets, a cerca de 40 quilómetros da fronteira com a Ucrânia. Oleg Ignatov, por exemplo, acredita que o ataque com drones ao Kremlin foi levado a cabo por ucranianos, “um ato simbólico, para mostrar que podem atacar o centro de Moscovo”.

Um dos motivos que leva o analista russo a acreditar nesta hipótese é o facto de ter sido encontrado, “uma ou duas semanas antes, um drone ucraniano na região de Moscovo, com 70 kg de explosivos” e que teria um alcance de 800 km. A defesa aérea russa, sublinha o analista, está preparada para caças e não para drones.

“Estamos a supor, baseados nesta informação, que fosse um drone ucraniano, embora os russos ainda não tenham mostrado os destroços.” Oleg Ignatov relembra que Valeriy Zaluzhny, chefe de Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, escreveu um artigo onde defendia ser fundamental que Kiev tivesse meios para atingir território russo.

“Não nos podemos esquecer que se os ucranianos libertarem os seus territórios, a Rússia ainda pode atacar com mísseis e caças”, diz Ignatov. E recorda que Zaluzhny escreveu que os ucranianos deveriam ter essa capacidade de alcance, porque assim a Rússia percebia que conseguiam ripostar.  “Os F-16 não são cruciais, são necessários mísseis de longo alcance. F-16 são bons para o campo de batalha. A Rússia pode não ter um bom sistema de defesa contra drones, mas tem bons sistemas contra aviões.”

O presente enviado por Londres, os Storm Shadow, parece ser um passo nessa direção. Vikram Mittal, por seu lado, recorda ao Observador que a NATO já forneceu à Ucrânia uma grande quantidade de equipamentos e apoio de treinamento. “A maior parte do pacote de ajuda mais recente parece ser composta de itens que devem ser usados ​​principalmente para a contraofensiva”, acrescenta o veterano militar.

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Olhando para as declarações dos líderes políticos da comunidade internacional, a pressão para avançar com a contraofensiva parece ter sido aligeirada. Simon Schlegel, especialista em assuntos ucranianos no Crisis Group, não acredita que o Ocidente esteja a fazê-lo. Há uma pressão temporal, de facto, sobre a cabeça de Zelensky, mas o ucraniano nada pode fazer para alterá-la.

“Não penso que o Ocidente esteja a pressionar Zelensky para avançar com a contraofensiva. Há fatores que criam uma pressão temporal sobre a Ucrânia e a maior de todas são as presidenciais de 2024 nos EUA”, diz ao Observador Simon Schlegel. Se o atual Presidente norte-americano, democrata, tem sido o principal aliado de Zelensky, com apoio financeiro e militar, o mesmo pode não acontecer se for eleito um republicano. Ainda mais se em vez de Joe Biden, for Donald Trump a ocupar a Casa Branca.

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Outro foco de pressão está, na opinião do analista alemão, relacionada com as peças do puzzle que ainda não encaixaram no sítio certo. “Quanto mais Zelensky esperar, mais pode integrar o novo equipamento que recebeu do Ocidente. Também terá mais soldados recém-treinados. Quanto mais esperar, melhores resultados pode obter”, conclui Schlegel, lembrando as palavras que o presidente checo endereçou ao Governo ucraniano.

"Não penso que o Ocidente esteja a pressionar Zelensky para avançar com a contraofensiva. O Presidente ucraniano tem alguns fatores que criam, sobre si, uma pressão temporal e a maior de todas são as eleições de 2024 nos EUA. A outra é saber que quanto mais esperar, mais pode integrar o novo equipamento que recebeu do Ocidente, assim como os soldados recém-treinados. Quanto mais esperar, melhores resultados pode obter. Alguns líderes ocidentais têm dito a Zelensky para não se apressar a ir em frente."
Simon Schlegel, especialista em assuntos ucranianos

“Alguns líderes ocidentais têm dito a Zelensky para não se apressar a ir em frente. Vão tentar controlar as expectativas para não passar a ideia de que esta é uma vitória fácil, de conclusão fácil. Não sabemos o que vai acontecer. Mas a ideia daquilo que pode ser conseguido pela Ucrânia está a ficar descontrolada”, argumenta Simon Schlegel durante uma conversa telefónica.

Por outro lado, não acredita que a contraofensiva “seja uma hipótese única” e que se a Ucrânia falhar, o Ocidente “perca a paciência e deixe de a ajudar militarmente”.

“É provavelmente mais importante a forma como os ucranianos vão tratar o que ganharem, como reintegram os territórios que libertam, como tratam os civis, os cidadãos russos e os prisioneiros de guerra russos”, defende o especialista em assuntos ucranianos.

Na opinião de Schlegel, é melhor que Kiev não crie uma crise de refugiados na Crimeia, não corte o apoio humanitário à Crimeia, ou tente bloquear a península para propósitos militares. “Isto terá maior impacto no Ocidente do que os militares chegarem de uma assentada a Sebastopol. Acho que ninguém acredita que isso seria possível neste momento.”

Sebastopol é a maior cidade da Crimeia e um importante porto no Mar Negro.

Mas pode, ou não, a Ucrânia recuperar todos os territórios de uma só vez? “Não diria que é uma ideia maluca, porque nunca sabemos. Pode haver um colapso da frente russa, estarem a ficar sem munições, como já aconteceu antes, ou pode haver um levantamento político em Moscovo. Há muitos cenários, mas são pouco prováveis”, diz Simon Schlegel.

Os mais prováveis são os cenários já traçados pelo seu colega Oleg Ignatov. “Podem conseguir ganhar alguns territórios e depois têm de reagrupar tropas, integrar novas tropas. Se eles conseguirem dar cabo do corredor entre a Crimeia e o Donbass, então haverá uma dinâmica de guerra muito diferente. E será um sucesso enorme”, acredita o analista alemão.

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“Está toda a gente à espera, com os dedos cruzados, mas a contraofensiva pode demorar alguns dias, até algumas semanas”, conclui Simon Schlegel.

Pelo contrário, Vikram Mittal considera que a contraofensiva “tem potencial para ser o ponto de viragem” no conflito. “A Ucrânia poderia expulsar os russos da região de Donbass como parte da contraofensiva. Ao mesmo tempo, isso poderá ser muito caro (em termos de pessoas e equipamentos) para os ucranianos, o que os levaria a uma posição mais fraca que não poderia repelir outro ataque russo” nos tempos mais próximos. Por isso, o professor de West Point aponta uma outra vantagem: “Acho que o maior impacto da contraofensiva é que ela pode trazer os dois lados para a mesa de negociação.”

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Sucesso. É isso que se espera da contraofensiva ucraniana, por muito que os líderes políticos tenham começado a passar a ideia de que ela não será a solução final para a guerra

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Insucesso pode levar a pressão para negociar

Sucesso. É isso que se espera da contraofensiva ucraniana, por muito que os líderes políticos tenham começado a passar a ideia de que ela não será a solução final para a guerra. A 4 de maio, o Presidente ucraniano, citado pelo Ukrainska Pravda, frisava que sucesso não era a melhor palavra para descrever a operação, já que mesmo que liberte territórios, a Ucrânia irá sempre perder um número significativo de pessoas. Mas insucesso, ou derrota, é um nome que não lhe interessa usar.

“Nós pensamos em como nos preparamos para a contraofensiva, mas não pensamos que ela pode não ter sucesso. Não é a nossa forma de agir”, disse Zelensky na mesma data, numa conferência de imprensa conjunta com os primeiros-ministros da Holanda e da Bélgica. Certo é que o Presidente sabe que um falhanço pode ter custos e deixar os aliados divididos sobre o envio incondicional de ajuda. A pressão para negociar com a Rússia também pode surgir no Ocidente.

"Aparentemente há três escolas de pensamento: alguns dizem que nunca é cedo demais para começar as negociações; a segunda escola de pensamento diz 'vamos tentar planear o início das negociações, vamos tentar convencer a Ucrânia a negociar depois de obterem alguns resultados com a sua contraofensiva; e a terceira escola defende que devemos dar uma hipótese à Ucrânia e não apostar tudo nessa contra ofensiva."
Mikhail Troitskiy, analista de assuntos internacionais

“Há grandes expectativas de que a Ucrânia seja capaz de fazer a Rússia retroceder dos seus territórios e há grandes expectativas sobre o que o exército ucraniano poderá, de facto, fazer”, mesmo que o Governo ucraniano tente diminuir essas expectativas, diz ao Observador o analista Mikhail Troitskiy, lembrando o já referido artigo do Washington Post. Além disso, o analista de assuntos internacionais defendeu, durante uma vídeoconferência com o Observador, que há um empurrão de alguns líderes europeus e norte-americanos no sentido de aferir se as negociações entre Rússia e Ucrânia são viáveis.

“Aparentemente há três escolas de pensamento: alguns dizem que nunca é cedo demais para começar a negociar”, começa por explicar o analista russo, sediado em Madison, Estados Unidos. “A segunda escola de pensamento diz ‘vamos tentar planear o início das negociações, vamos tentar convencer a Ucrânia a negociar depois de obterem alguns resultados com a sua contraofensiva”, acrescenta o professor da Universidade de Wisconsin-Madison. A terceira escola de pensamento, argumenta Troitskiy, defende que deve dar-se uma hipótese à Ucrânia e não apostar tudo nesta contraofensiva. 

O que é certo, diz, é que não sabemos o que vai acontecer. E, na opinião do analista que falou com o Observador antes de Zelensky dizer que precisa de mais tempo, há provas indiretas que sugerem que a Ucrânia está relutante em começar uma operação agendada e massiva. “Não é isto que se faz: não se anuncia o que vai fazer-se a seguir. E os planos de uma enorme contraofensiva podem ser uma movimentação de relações públicas — e têm afetado os humores na Rússia”, refere.

Essa mudança de humor é visível na fricção entre chefes militares, seja de grupos privados (como o Grupo Wagner), seja do Ministério da Defesa. “E isso torna-se em política. A ofensiva tem estado a causar impacto real na discussão em todo o lado, não só na Rússia, mas também na União Europeia e nos EUA”, argumenta Mikhail Troitskiy.

Rússia “vai entrar em pânico” quando a contraofensiva começar, prevê vice-ministro da Defesa ucraniano

Os cenários em cima da mesa são muitos, e o professor catedrático frisa que as tropas de Zelensky têm de estar preparadas para tudo. “Desde que as defesas da Rússia estejam fortes e robustas, a Ucrânia tem de ser muito engenhosa, inventiva e original nas operações que estiver a planear porque a contraofensiva contra as posições entrincheiradas russas vai ser muito difícil de levar a cabo.”

Na opinião de Mikhail Troitskiy, para ser bem sucedida a Ucrânia precisa de tecnologia, de equipamento e de pessoal militar suficiente. “Alguns elementos desse puzzle podem não estar no sítio neste momento e, por isso, estão a adiar a sua ofensiva. Mas é claro que a Rússia está a fazer tudo o que pode para impedir a operação, e a Ucrânia tem de pensar como vai passar por cima das posições defensivas russas que estão a ser preparadas.”

As trincheiras russas na zona de Zaporíjia são tão extensas que podem ser vistas do espaço e foram várias as imagens de satélite divulgadas para mostrar o corredor que, em abril, já tinha 70 quilómetros de extensão. Construído a cerca de 80 quilómetros da linha da frente, a trincheira vai, pelo menos, de Semenivka (oeste) a Marynivka (leste) e inclui abrigos e plataformas antitanque. As imagens de satélite mostram que também na Crimeia há trincheiras e fortificações a ser construídas.

O papel da China, uma espécie de fiadora de Putin

Antecipando que a contraofensiva possa não correr da forma esperada, no Ocidente as peças de xadrez têm estado a ser posicionadas. Conversações de paz são o passo seguinte, já que é impossível financiar uma guerra ad eternum. A China posiciona-se cada vez mais como potencial mediadora.

Russian President Vladimir Putin receives Chinese President Xi Jinping in Moscow

Xi e Putin dizem ter uma aliança sem limites

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Mikhail Troitskiy lembra que o Ocidente não está completamente unido nesta questão e um dos grandes entraves para avançar, por exemplo, para um cessar-fogo é que um período de paz irá dar tempo à Rússia para reagrupar e retomar a sua ofensiva. O que poderia fazer a diferença era existir um compromisso sério de Moscovo de que a paz é para cumprir. E é aí que entra a China e o seu Presidente Xi Jinping.

Washington e Pequim retomam contactos governamentais ao mais alto nível

“Poderia ser tentador para o Ocidente pressionar a Ucrânia se, do lado da Rússia, houvesse algum tipo de compromisso. Poderiam oferecer a Kiev um lugar na NATO ou fundos para a reconstrução do país, por exemplo”, argumenta o professor da Universidade de Madison. Daí a importância de Pequim.

“Putin aparentemente enganou — digamos assim — Xi Jinping sobre as suas intenções de invadir a Ucrânia e o Presidente chinês sabe como é Putin. Se a China for mediadora, se for capaz de lidar com este problema de credibilidade russa, o Ocidente poderá dar mais crédito a um acordo entre a Rússia e a Ucrânia”, defende Troitskiy. “EUA e UE vão tentar envolver a China porque ela é um garante de que a Rússia não retomará a ofensiva.” Outra hipótese seria Putin sair de cena, fosse por que motivo fosse.

A Ucrânia, defende o analista de assuntos internacionais, pode estar a tentar meios não convencionais e a tentar desestabilizar a Rússia de outra forma que não militar. Se Kiev conseguir controlar a Crimeia, por exemplo, pode desencadear uma crise na Rússia.

No pior momento para a Rússia desde o início da guerra, Putin precisa de Xi Jinping. A aliança sem limites vai durar?

Para finalizar, lembra que há armas na NATO que podem alterar profundamente o curso da guerra. Se já estarão, ou não, na Ucrânia é uma incógnita, mas Mikhail Troitskiy acredita que uma das hipóteses é o Ocidente estar à espera do que acontece na contraofensiva para tomar uma decisão. “Se correr bem, o Ocidente pode pensar em entregar armas que selem essa vitória.” Mas, antes disso, é preciso que a contraofensiva comece.

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