As agências de rating admitem alguma “erosão” das contas públicas nacionais, no “novo contexto político marcado por um parlamento fragmentado“, mas garantem estar relativamente tranquilas em relação a Portugal. As medidas com impacto orçamental que têm sido apresentadas pelo novo Governo – e também aquelas que a oposição (liderada pelo PS) tem conseguido aprovar à revelia – irão, antecipam as agências, pressionar as contas do Estado e abrandar “moderadamente” a redução da dívida pública acumulada, que é a principal preocupação. Mas se o “desaperto orçamental” for em demasia, isso “terá consequências negativas para o rating”, avisam.
Contactadas pelo Observador, três das quatro principais agências de notação financeira (aquelas que são reconhecidas pelo Banco Central Europeu) dizem continuar a ver em Portugal um espectro político alargado que está “comprometido com a prudência orçamental“: é “improvável“, dizem, que possa haver um “descarrilamento na trajetória de redução da dívida“.
Porém, salienta a Fitch Ratings, “os riscos políticos tornaram-se maiores depois da formação de um governo minoritário”, algo que se pode “ilustrar, por exemplo, com as recentes aprovações parlamentares de medidas como as mudanças no IRS propostas pelos socialistas“.
A Fitch reafirmou recentemente, já depois das eleições de 10 de março, a notação A- para a dívida portuguesa, com perspetiva “estável“. Esta agência salienta que, mesmo que o desempenho orçamental de Portugal sofra alguma deterioração em relação ao ano passado – algo que é “previsível” –, as contas anuais continuam a comparar bem com as de outros países – incluindo os países às quais a mesma agência atribui ratings semelhantes. Basta lembrar, acrescenta a Fitch, que a Comissão Europeia acaba de propor a abertura de procedimentos por défice excessivo a sete países da UE (mantendo a Roménia também nesta infração), que têm tido défices “persistentemente acima de 3% do PIB”.
Portugal não está neste grupo de oito países, já que teve um excedente de 1,2% em 2023 (teria sido 1,6% sem o impacto de itens não-recorrentes como os gastos com o ex-BPN). Ainda assim, as agências de rating antecipam resultados menos vistosos nos próximos anos: outra agência, a S&P, antecipa uma “ligeira erosão” do excedente orçamental do país. “A nossa projeção atual é de um saldo orçamental [positivo] de cerca de 0,1% do PIB, em média” nos anos entre 2024 e 2027, afirma Adrienne Benassy, analista que é a principal responsável pelo acompanhamento do risco de crédito em Portugal.
Os comentários das agências de rating foram enviados ao Observador antes de o Instituto Nacional de Estatística confirmar, na segunda-feira, que as contas públicas entraram novamente no “vermelho” nos primeiros três meses do ano, com um défice de 0,2% no trimestre. Porém, as análises foram feitas já depois de o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, adiantar que as contas públicas não estavam tão boas como pareciam e acusar o anterior executivo de ter já assumido muito compromissos depois de ter entrado em gestão.
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Globalmente, a S&P confirma que “os últimos resultados orçamentais apontam para riscos de uma potencial deterioração” na execução orçamental de 2024, ou seja, que pode não ser possível corresponder ao superávite de 0,2% do PIB que a S&P prevê para este ano (o mesmo que está no Orçamento do Estado). Ainda assim, a analista Adrienne Benassy não perde a esperança, para já: “a extinção plena das medidas de apoio lançadas na crise energética, a par de um crescimento económico resiliente, deverão amortecer os impactos [negativos] nas contas públicas na segunda metade do ano”.
Também a agência DBRS Morningstar, através do analista Javier Rouillet, destaca que as contas públicas de Portugal tiveram um “reequilíbrio rápido” após a pandemia de Covid-19 e, nesta fase, “embora o excedente esteja a estreitar-se, a situação orçamental de Portugal continua a estar entre as mais robustas da Europa, apesar de o endividamento [acumulado] ainda ser elevado“.
“Se o desempenho orçamental de Portugal se vier a deteriorar de forma significativa, ao longo do tempo, ficaríamos preocupados. Porém, não é a nossa expectativa que isso aconteça”, refere a DBRS Morningstar, a única agência (reconhecida pelo BCE) que nunca colocou a dívida portuguesa em “grau especulativo/alto risco” (vulgo lixo) e hoje tem uma notação A (um nível acima da Fitch e S&P, que têm em A-), com perspetiva “estável”.
Greg Kiss, o analista da Fitch que respondeu ao Observador, salienta que embora Portugal compare bem com os outros países nas contas públicas anuais, o mesmo não acontece com o endividamento total. “A elevada dívida legacy [antiga] baixou para menos de 100% do PIB no final de 2023, reduzindo-se face aos 135% no final de 2020, mas continua muito acima dos 52% que são a média de endividamento entre os países com notação A”, salienta a Fitch, confiante de que a dívida no final de 2025 irá baixar para 92%.
“A nossa principal preocupação relativamente a Portugal seria uma interrupção da trajetória de descida no rácio de endividamento público vs o PIB”, remata Greg Kiss, da Fitch Ratings. Mas, para já, o “cenário-base” é que “a incerteza política não irá levar a um desaperto orçamental muito significativo”, confia a agência.
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Essa “incerteza política” de que fala a Fitch também está relacionada com a negociação do próximo Orçamento do Estado, para 2025. Para todas as agências que falaram com o Observador (a Moody’s não respondeu até à publicação deste trabalho), seria “importante” o orçamento ser aprovado porque isso “proporcionaria mais clareza em relação aos planos orçamentais do Governo e, além disso, reforçaria a solidez e a estabilidade” do executivo liderado por Luís Montenegro, afirma a DBRS Morningstar.
Porém, mesmo que o orçamento não passe, não haverá demasiadas razões para alarme, dizem as agências cujas notações são decisivas para os custos a que o Estado português se financia na emissão de dívida. “Embora isso não seja o cenário ideal, o Governo poderia sempre funcionar prolongando o orçamento do ano anterior [em duodécimos]”, salienta Javier Rouillet, da DBRS.
Também a S&P assinala que um “fracasso na aprovação do orçamento sinalizaria uma fragilidade na eficácia política” mas “não teria grandes implicações orçamentais, porque o orçamento atual [para 2024] é fiscalmente saudável e, se for necessário, poderá ser prolongado para 2024, em base mensal”.