O plano europeu para a crise energética prevê a redução “solidária” de consumos de gás e o estabelecimento de um teto temporário ao preço, em resposta a uma interrupção unilateral de fornecimento a mercados dependentes da Rússia.

A mobilização de fundos europeus para infraestruturas de combustíveis fósseis, nomeadamente de transporte de petróleo, numa aparente guinada na política de combate às alterações climáticas, é outra novidade deste pacote no qual a Comissão Europeia procura conciliar — e acelerar — as metas de transição energética com a necessidade de alcançar, o quanto antes, a independência face à Rússia.

O pacote assenta em vários eixos do lado da procura e da oferta que vão desde a diversificação de fontes e armazenamento, passando pelo investimento em infraestruturas, mas também pelo reforço da energia renovável, por uma poupança acrescida no consumo, ou ainda por medidas de resposta a ruturas no curto prazo.

O músculo financeiro das medidas apresentadas é considerável. Mais 210 mil milhões de euros de investimento até 2027 que serão financiados com o redirecionamento de fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e reforçados com subsídios de 20 mil milhões de euros com origem nas receitas da venda das licenças de CO2. O pacote total vale 300 mil milhões de euros —  72 mil milhões de euros em subvenções e 225 mil milhões de euros em empréstimos — e inclui dotações de 10 mil milhões de euros para novas infraestruturas de gás natural liquefeito e interligações e dois mil milhões de euros para oleodutos e upgrades em refinarias.

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Bruxelas apresenta pacote de 210 mil milhões para conseguir independência da Rússia

Os vários documentos disponibilizados no quadro do RepowerEU não se comprometem com um calendário para libertar a Europa da dependência da energia russa, para além da ambição de que isso aconteça “bem antes de 2030”.

No carvão, o período de transição para contratos já feitos termina em agosto; no petróleo e produtos petrolíferos (como o diesel), a meta é descontinuar as compras até ao final do ano, com Bruxelas a reconhecer que alguns Estados-membros vão precisar de mais tempo para ultrapassar os estrangulamentos que um boicote à Rússia implica. No gás natural, o objetivo temporal ainda é mais distante. Para além do objetivo de quebrar o laço com o gigante energético russo antes de 2030, Bruxelas admite que até ao final do ano pode ser conseguida uma diminuição em dois terços do consumo. Entretanto avança com medidas para lidar com um corte súbito do fornecimento.

Como lidar com cortes de abastecimento

A Comissão vai disponibilizar um plano coordenado de redução voluntária do consumo para situações de emergência. No espírito de solidariedade, os membros menos afetados por esta situação podem baixar o seu consumo para beneficiar os países mais atingidos.

Para acompanhar este auto-racionamento pode ser necessário um teto administrativo ao preço do gás natural fixado a nível da União Europeia, em resposta a um fornecimento de emergência. Caso seja introduzido, este teto terá uma duração limitada (o ibérico vale por um ano) à emergência europeia, e não poderá comprometer a capacidade de atrair fontes alternativas de gás, seja por via de gasoduto ou GNL, e de diminuir a procura.

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No curto prazo, Bruxelas avança também com mais respostas para controlar o aumento dos preços da eletricidade e do gás, algumas até parecem inspiradas no modelo ibérico que estabeleceu um teto ao preço do gás usado na geração de energia elétrica.

Até ao próximo inverno, quando se admite que uma crise aguda de fornecimento de gás possa ocorrer face ao aumento da procura —, os Estados-membros podem recorrer a um conjunto de ferramentas nos setores do gás e da eletricidade:

  • Estender temporariamente os prazos e universos de consumidores que beneficiam de preços regulados (controlados administrativamente) no gás natural;
  • Medidas de liquidez de emergência a operadores;
  • Usar a plataforma de energia da UE para agregar a procura de gás natural, de forma a garantir preços competitivos ao mesmo tempo que reduz as compras à Rússia;
  • Reforçar, através de proposta legislativa em discussão, o nível de armazenamento mínimo de gás para 80% da capacidade até ao próximo inverno, percentagem que sobe para 90% nos próximos anos;
  • Transferir de forma excecional as margens de lucro extraordinárias (windfall profits) de alguns produtores elétricos para mecanismos de apoio aos consumidores;
  • E para regiões com limitada interconexão — exemplo da Península Ibérica —a opção de introduzir subsídios aos custos do combustível fóssil (gás natural e carvão) usado para produzir eletricidade, desde que isso não implique restrições às exportações transfronteiriças. Esta foi uma das exigências da Comissão Europeia para aprovar o mecanismo ibérico cujo desenho final com todos os detalhes técnicos ainda aguarda a luz verde de Bruxelas depois da aprovação por parte dos governos de Portugal e Espanha.

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Apesar de considerar todas estas medidas de intervenção como temporárias, Bruxelas promete que irá avaliar os resultados destas ações e estudar ajustamentos estruturais no desenho destes mercados de forma a torná-los mais resistentes a choques futuros e a beneficiar os consumidores.

Poupar e investir mais em renováveis

Outra das ambições do plano RepowerEU passa por aumentar as metas de eficiência energética de 9% para 13% de poupança no consumo de energia. O documento admite que mudanças de comportamento dos europeus possam diminuir a procura de gás e petróleo em 5%, encorajando os Estados-membros a lançar campanhas nesse sentido.

O plano prevê igualmente uma aceleração dos investimentos em energias renováveis cuja meta de produção passa de 40% para 45% em 2030. A duplicação da capacidade fotovoltaica até 2025, o que implica instalar mais 600 GW (gigawatts), e uma maior ambição nos objetivos de produção de hidrogénio verde (que pode substituir importações de gás natural) nos segmentos industrial e residencial são outros eixos deste programa.

A Comissão Europeia admite que a poupança e a substituição de gás natural por gases renováveis permite poupar até 35 mil milhões de metros cúbicos (bcm) no horizonte de 2030, o que corresponde a 30% do consumo atual.

No mesmo horizonte temporal, as contas do RepowerEU, associado à implementação do programa Fit for 55 (pacote de medidas legislativas para as alterações climáticas), apontam para uma poupança global de 80 mil milhões de euros euros em importações de gás, 12 mil milhões de euros de petróleo e 1,7 mil milhões de compras de carvão por ano.