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A resolução do Banco Espírito Santo foi uma “péssima decisão”, tomada de forma “apressada” e que criou a nuvem negra que ainda hoje paira sobre a banca nacional. Artur Santos Silva, curador da Fundação La Caixa em Portugal e fundador do BPI, defende que este é um problema que tem de ser resolvido o mais rapidamente possível porque quanto mais tardar mais “peso” irá exercer sobre a banca e a economia portuguesa.
Em entrevista ao programa semanal de entrevista “Sob Escuta”, na Rádio Observador, Artur Santos Silva defende que a separação de ativos e passivos que originou o Novo Banco “não foi convenientemente feita” e isso criou uma das “histórias tristes” na banca portuguesa: além do BES, o BPN, por exemplo — e, ainda, a gestão “deplorável” que foi feita na Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Esses foram problemas que, em muitos casos, ainda não levaram a uma efetiva responsabilização. “Se compararmos o que se passa quando há incidentes deste tipo na sociedade, nomeadamente no setor bancário, em Espanha — com quem temos quadros jurídicos e judiciais relativamente próximos — há uma outra eficácia. Há outros resultados, em prazo muito mais curto”, lamenta.
Esta é uma entrevista onde Artur Santos Silva falou, ainda, sobre o trabalho da Fundação La Caixa no combate às desigualdades sociais em Portugal e Espanha, uma fundação que em breve chegará aos 50 milhões de euros investidos por ano nessa missão.
E ainda sobrou tempo para recordar o 25 de novembro de 1975. Um momento ainda hoje polémico do processo que se seguiu à revolução de Abril e que apanhou Artur Santos Silva como secretário de Estado do Tesouro, no VI Governo Provisório, liderado por Pinheiro de Azevedo.
Novo Banco foi fruto de “decisão péssima” de resolução
Disse, numa entrevista em março, que o que se passou na banca em Portugal foi “uma vergonha”. Acha que a banca portuguesa já resolveu os seus problemas e está com capacidade para financiar a economia, como se deseja?
Eu acho que sim, que a banca portuguesa está numa situação bastante normalizada. Mas há um ponto muito importante por resolver que é o que se passa com o Novo Banco. O modelo da resolução que foi aplicado ao Banco Espírito Santo foi um modelo que nunca tinha sido aplicado antes, a um banco com importância sistémica. Acho que foi uma péssima solução — acho que a solução que devia ter sido tomada era uma decisão no sentido de o Estado assumir o banco…
Houve quem defendesse isso, na altura…
Na altura, a Associação Portuguesa de Bancos defendeu isso. E, tanto quanto sei, o governo do Banco de Portugal defendeu isso, mas não se quis ir para essa solução — foi-se para a resolução: uma separação entre banco mau e banco bom. Só que o banco bom não para de ter prejuízos sérios e, portanto, essa separação de ativos e passivos não foi convenientemente feita. E, portanto, acho que há um problema que resta por resolver e quanto mais tempo ele se arrastar mais peso pode existir sobre todo o sistema bancário. Porque o mecanismo da resolução leva a que, em última instância, sejam os bancos…
Os bancos nacionais [não europeus]…
Sim, são os bancos portugueses que têm de resolver isso.
E tudo isto, também, contribui para aquela perceção que existe — e que é alimentada por alguns políticos — de que os bancos continuam a ser uma fonte de problemas e sobretudo, de injeções de capital por parte dos contribuintes. As pessoas compreendem que seja necessário injetar dinheiro no Novo Banco quando faltam investimentos e recursos em setores como a saúde e a educação?
Vamos lá ver, os recursos na saúde e na educação que têm de ser proporcionados pelo Estado, em relação ao sistema público. Em relação ao sistema bancário, ele não tem aí que tomar posições. Em última instância, embora numa fase transitória isso pode afetar as contas do Estado, mas os problemas que surgem são exatamente pela solução apressada que foi encontrada para o BES/Novo Banco. E é isso que eu acho que é muito importante, o quanto antes, ser clarificado e resolvido. Porque o resto do sistema bancário está a funcionar com rácios muito sólidos…
Mas [o setor] tem esta nuvem negra por cima da cabeça, em termos efetivos e em termos de perceção…
Eu acho que o Novo Banco é um problema que tem de ser resolvido e continua a ser um problema porque os resultados continuam a evidenciar que há imparidades por assumir, ainda, e que a sua operação é, ainda, de rentabilidade não segura, não firme…
Diz, portanto, que foi uma solução que nasceu torta. Como é que se pode endireitar, se é que pode?
Eu penso que o problema que definitivamente se tem de resolver é saber o que é que são ativos tóxicos. Se há ativos tóxicos dentro do banco… isto é, neste momento, os ativos tóxicos são crédito malparado, crédito que ainda não está convenientemente assumido com imparidades. Primeiro é preciso saber qual é a situação — e, sinceramente, pelo que vejo acontecer, trimestre após trimestre, tenho apreensões. Mas eu preferia não falar muito mais sobre esse tema.
Deixe-me só insistir nesse ponto: a dada altura uma pessoa que está na comissão de monitorização, Rodrigues Jesus, disse que ia ser necessário coragem para lidar com certos nomes — e falamos, obviamente, de créditos problemáticos… É assim?
Eu não conheço qual é a situação, em concreto, em relação a esses créditos. Provavelmente, a separação entre ativos maus e normais não foi feita com o rigor que conviria que tivesse sido feita, mas há tristes histórias no sistema bancário português. As mais tristes são aquelas, do meu ponto de vista, mais pesadas que temos de pagar que são, sobretudo, o BPN e o Banco Espírito Santo. Qualquer deles, para a dimensão que tinha…
Até o Banif…
Do meu ponto de vista, o Banif teve problemas de uma ordem diferente. Mas, depois, há a Caixa. Aquilo que se passou na Caixa Geral de Depósitos, uma instituição do Estado, na gestão de riscos de crédito, foi deplorável.
Já se apuraram todas as responsabilidades?
Não conheço, sei que esse assunto continua a ser discutido e acompanhado…
Mas assistiu à comissão parlamentar de inquérito?
Não assisti, só vi o que saiu na imprensa escrita. O que me pareceu está naquilo que já declarei: acho deplorável o que se passou na gestão da Caixa, uma instituição de raiz pública, que foi sempre uma instituição pública, sempre uma instituição que contribuiu com a sua rentabilidade e a sua modernização para ser das mais eficientes do país e, em particular, depois do 25 de abril, e foi sempre uma instituição que proporcionou ao Estado dividendos significativos, porque foi uma instituição bem gerida. E há um intervalo lamentável e deplorável na gestão da Caixa.
Neste momento, está a ser bem gerida?
Não tenho dúvidas de que a Caixa está a ser muito bem conduzida e por pessoas que têm competência, que têm provas dadas…
A Caixa está a cumprir o seu papel?
Sim, a cumprir o seu papel e os resultados estão à vista, embora o ambiente para o setor bancário, com as taxas de juro negativas que temos, não seja o melhor… É bom para a economia, que está, ainda, a fazer ajustamentos, mas para a rentabilidade do setor financeiro é um momento difícil.
Álvaro Santos Pereira. “Réus podem recorrer até morrerem de velhos”
O que causa, também, alguma perplexidade é que não há muitas evidências de que os líderes de alguns bancos, na altura de alguns erros que foram cometidos, estejam a ser responsabilizados. O ex-ministro Álvaro Santos Pereira dizia, há poucos dias, na antena da Rádio Observador, que os “réus podem recorrer até morrerem de velhos”. Concorda com esta visão, de que devia haver maior responsabilização?
Eu gostaria muito que fosse assim. E o que espero é que o nosso sistema judicial funcione com muito mais eficácia…
Tinha de ser alterado [o sistema judicial]?
Não tenho, sobre isso, opinião…
É um jurista…
Sim, sou formado em Direito mas nunca fui praticante. O que acho é que se compararmos o que se passa quando há incidentes deste tipo na sociedade, nomeadamente no setor bancário, em Espanha — com quem temos quadros jurídicos e judiciais relativamente próximos — há outra eficácia. E há outros resultados, em prazo muito mais curto. E eu acho que é fundamental separar o trigo do joio. Quem está à frente de um banco está em funções de interesse público, porque nós gerimos as poupanças formadas por toda a população e convertemo-las em crédito junto das empresas que têm necessidades de crédito, para se financiarem no seu funcionamento e investimento.
É uma questão de responsabilidade.
É fundamental que se cumpra a lei. Além disso, é fundamental que quem está a gerir uma instituição bancária o faça com competência. O ponto central para um banco estar bem ou estar mal é decidir bem ou mal, e com critério, o crédito — e isso é uma bíblia para uma instituição bancária. Os problemas que tivemos foram de má gestão do crédito mas, infelizmente, muitos deles, antes disso, funciona a violação da lei. Houve comandos legais que não foram cumpridos e é isso que eu lamento que não seja resolvido.
Fundação La Caixa com 50 milhões/ano para combater desigualdade
A Fundação La Caixa destinou 20 milhões de euros ao apoio social em Portugal este ano. Quanto é que está previsto para 2020?
Desculpe-me só corrigir, não é apoio social. É apoio nas áreas de intervenção da Fundação, que são o social, ciência e cultura. São essencialmente estas. A Fundação La Caixa distribuirá em Portugal um pouco mais do que 20 milhões este ano. Eu digo distribuirá porque a maior parte das atividades que desenvolvemos em Portugal são distributivas, há muito poucas atividades diretas. Aliás, em Espanha também o grosso das atividades da Fundação são distributivas. É a primeira fundação da Europa continental em ativos próprios e em orçamento. No estrito plano de apoio social, provavelmente, a Fundação La Caixa é a primeira fundação do mundo, com 60% do seu orçamento — 545 milhões de euros — destinado a intervenções sociais. A grande missão da Fundação é combater a desigualdade, nomeadamente em Espanha e em Portugal.
Não se esqueça da pergunta inicial: quanto é que prevê para o próximo ano porque isso é importante para as pessoas perceberem.
Claro. Bom, portanto, nestes 20 milhões, o que fizemos este ano em Portugal, 60% tal como em Espanha destinam-se a atividades nas áreas sociais. Para o próximo ano, prevemos… este ano será um pouco superior a 20 milhões… 30 milhões é o objetivo do orçamento. Para atingir em 2022 os 50 milhões.
Todos os anos. A partir daí estabiliza em 50 milhões.
O objetivo que se estabeleceu quando a Fundação iniciou as suas atividades em Portugal, é esse. Eu espero que, a partir daí, o orçamento para Portugal possa acompanhar a evolução do orçamento da Fundação.
E é dinheiro que é investido em quê, em Portugal, em concreto?
Na área social, o que é que nós consideramos que são os nossos grandes objetivos? São os extremos da sociedade, em idade, serem acompanhados e podermos contrariar os efeitos da situação de pobreza e da grande desigualdade que há na sociedade portuguesa. E isso acontece em especial nas crianças, desde que nascem e até abandonarem a sua formação, o fim da juventude. Mas o facto de nascerem em situações de pobreza pode marcar irreversivelmente o seu caminho. A nossa maior prioridade… em Espanha, 10% do orçamento é destinado ao programa pró-infância que visa contrariar os efeitos da pobreza na saúde, no bem-estar e na educação de crianças desde que nascem até ao extremo da juventude, até acabarem o seu período normal de formação.
Estamos a falar de bolsas de estudo?
Há sobretudo apoio em instituições, que se comprometem a ajudar a resolver os problemas dessas crianças.
E essa é precisamente uma das coisas que acho que diferenciam a Fundação e ia-lhe perguntar precisamente sobre isso. Neste caso, a Fundação trabalha em conjunto com outras entidades e monitoriza-lhes os resultados, mais do que entregar verbas, certo?
Toda a distribuição de fundos que a Fundação faz é em concursos. São concursos dirigidos a instituições de terceiro setor. Podem ser ONGs, podem ser, no caso português, misericórdias, podem até ser instituições públicas. Mas nós fazemos concursos, em Espanha fazem-se concursos, em Portugal estão-se a fazer concursos para escolher quem vai gerir um apoio que vamos conceder, que é para determinadas finalidade e para serem usados métodos e processos fixados pela Fundação. E, portanto, depois a Fundação permanentemente mede os resultados e controla o processo e o método que está a ser utilizado. O apoio que damos a uma instituição é mantido se ela cumpre, e se ela não cumpre é interrompido porque o pressuposto da concessão do apoio não funcionou.
Alguns destes parceiros são, precisamente, empresas, acho que até apresentou ontem os resultados do programa ‘Incorpora’, nos últimos dois anos, certo?
Os grandes apoios são concedidos a ONGs, a outras instituições de terceiro setor. Os nosso apoios vão para parceiros sociais… É assim no ‘Incorpora’, um programa que tem como parceiros ONGs e outras instituições de terceiro setor que identificam que empresas estão dispostas a integrar as zonas mais vulneráveis do desemprego na sociedade portuguesa. Identificam empresas que estão dispostas a empregar pessoas que estão nesses universos, por um lado. Por outro lado, identificam essas mesmas pessoas que querem ser integradas no mercado de trabalho e que são, nessas zonas, mais vulneráveis.
Tais como?
Pessoas que têm incapacidade física ou mental, pessoas sujeitas a violência doméstica — e que só estão sujeitas a violência doméstica porque não têm autonomia económica, porque não podem trabalhar e é preciso dar-lhes condições para elas trabalharem –, presos que estão a concluir pena e que têm que ser integrados na sociedade e no trabalho sob pena de poderem voltar a reincidir em comportamentos desviantes. Ou jovens que não têm qualificações para o mercado de emprego e que precisam completar as suas competências, desempregados de longa duração, emigrantes que chegaram e que ainda não têm um emprego assegurado.
Neste caso com 1.000 pessoas… são 1.000 pessoas em dois anos, certo?
Num ano inteiro, sendo certo que só trabalhamos um ano inteiro com 33 entidades do terceiro setor porque 13 só tiveram vida de quatro meses e praticamente foi instalarem-se e começarem a trabalhar. Mas, portanto, conseguimos 1.000 empregos nestas zonas, com um orçamento cumprido que deve ser da ordem de 1,5 milhões, o que significa que cada emprego nos custou 1.500 euros para o conseguir. Em Espanha, já em velocidade cruzeiro, o custo médio [por cada emprego Incorpora em Espanha] é da ordem de 1.000 euros. Para um primeiro ano, penso que são resultados muito positivos em Portugal. São limitados, mas são muito positivos.
O trabalho da Fundação tem recebido colaboração por parte do Estado ou tem sido recebido com alguma desconfiança?
Com a maior recetividade, tenho de sublinhar. O primeiro programa que pusemos de pé, que foi uma rede de cuidados paliativos, foi com o Ministério da Saúde. As coisas correram, em geral, bastante bem e agora vamos dar um grande salto com a criação de cinco unidades de cuidados paliativos que vamos financiar totalmente. Isto porque na área dos cuidados paliativos, esta talvez seja aquela em que o Sistema Nacional de Saúde ainda está com uma presença menos completa. Entendemos que deveríamos começar por aí. Com o Ministério do Trabalho tem havido a melhor colaboração. No programa Promove – para o desenvolvimento das regiões mais atrasadas – temos falado com o Ministério da Economia e com a secretaria de Estado da Valorização do Interior. Agora vamos fazê-lo com a nova secretária de Estado.
E em relação ao Incorpora?
Agora vamos passar para o ReIncorpora – que é para os reclusos que estão a cumprir pena – e vamos dialogar com o Ministério da Justiça. O mais importante que conseguimos foi em relação ao financiamento da Ciência, que é a área em que a Fundação está a intervir de uma maneira muito mais acelerada do que fez no passado. E aí tivemos uma colaboração exemplar do ministério da Ciência, porque a melhor maneira de mostrarmos à sociedade que é fundamental dar uma grande prioridade ao financiamento da investigação científica é mostrar que isso vai melhorar a situação do nosso país e de toda a humanidade.
A dívida. “Não temos alternativa. Estamos muito longe das metas que assumimos em Maastricht”
Gostava de ouvir a sua opinião sobre estes últimos quatro anos de “geringonça”. Como vê o equilíbrio de forças na Assembleia da República atualmente?
Eu não acredito que vá haver alterações… não acredito – e isto talvez seja um problema de convicção, não é? – mas não acredito que vá haver alterações muito significativas. O nosso país, em relação à gestão das Finanças Públicas, não tem alternativa possível. Nós estamos a viver um período de taxas de juro mais baixas. Nós, a 10 anos, estamos a podermo-nos financiar a pagar não chega a meio ponto.
As declarações recentes do primeiro-ministro e a forma como está a tentar mudar a linha mais para a economia, as empresas e que estas é que têm de puxar, e o papel cada vez mais discreto do ministro das Finanças… Talvez o levem a pensar se a via da consolidação orçamental é aquilo que este governo quer manter.
Ouça, eu não tenho dúvida, porque nós não temos alternativa. Temos uma dívida…
Já lá chegaremos…
Então, eu estou a responder à sua questão. E a resposta é que nós não temos alternativa. Não temos alternativa. Mais do que dizer quanto é o défice público em relação ao PIB, o mais importante é a dívida pública em relação ao PIB. Estamos muito longe das metas que assumimos em Maastricht. Estamos muito longe e somos dos piores da União Europeia. Portanto, apesar dos bons resultados que está a haver na redução deste indicador em relação ao PIB, só em 2023 ou 2024 vamos estar a menos de 100% do PIB, se tudo continuar a crescer, se a economia continuar a crescer e se as tendências se vierem a confirmar. E só nos anos 2030´s é que chegaremos – se tudo continuar também com um crescimento razoável – é que ficaremos situados a menos de 60% (do PIB). Nós NÃO temos alternativa, porque se nos desviarmos isso vai ter um preço caríssimo para a sociedade portuguesa.
Uma pequena provocação. Dívida muito alta, como já disse; poupança em mínimos históricos; salários e produtividade baixos; carga fiscal em máximos históricos. Isto é a descrição de um país preparado para tempos difíceis?
Eu não concordo com o terceiro ponto.
Com a descrição do salários baixos?
Não, com a produtividade. Acho que a produtividade tem melhorado bastante, é a minha opinião. É notável que a evolução que o país teve. Porque o maior sucesso que tivemos em políticas públicas neste século foi no financiamento da investigação. Foi na qualificação da capacidade de gerar conhecimento. E essa capacidade de gerar conhecimento passou para as empresas. Nós hoje temos empresas extremamente competitivas no plano global. O que acontece é que o nosso país tem este ano – pelo sexto ano consecutivo – uma balança de bens e serviços equilibrada, porque o país tem que reduzir a dívida externa total. Não é a só a dívida externa do Estado, é também das empresas e dos particulares. Portanto, nós temos de reduzir a dívida externa total que está em números altíssimos.
Como?
E isso só é possível com balanças de bens e serviços equilibradas e até desequilibradas no sentido superavitário. E eu entendo que essa grande modificação se está a fazer na sociedade portuguesa. Nós temos hoje um tecido empresarial de pequenas e médias empresas muito competitivo. Só estou a referir-lhe… é óbvio que era bom se crescêssemos como a Irlanda, mas a Irlanda para crescer o que está a crescer teve uma outra história e tem a possibilidade não apenas de jogar com a União Europeia e a sua presença na UE, mas também como uma plataforma privilegiada de relacionamento com o Atlântico Norte, nomeadamente com os EUA e o Canadá. E nós ainda estamos muito longe do que seria desejável.
Discorda da questão da produtividade, mas na parte da dívida a minha questão é até que ponto acha que este governo – no último mandato e no que começou agora – está a fazer o suficiente para a reduzir, à velocidade que seria desejável.
Eu não vi ainda nada, porque não vi a peça mais importante – que é o Orçamento do Estado para 2020. E isso é que vai uma moldura. Mas fiquei bastante tranquilo quando ontem o primeiro-ministro, no debate, disse ‘não contem comigo para fazerem alterações que possam afetar a economia e que possam afetar o aforro’. E, portanto, não acredito que vamos ter instabilidade nessas políticas, porque é fundamental termos políticas económicas estáveis, para que os agentes económicos formem convenientemente as suas expectativas e, com as suas expectativas sãs, possam conduzir a uma economia com melhores resultados.
E esta nova realidade que temos agora, com vários deputados únicos de pequenos partidos na AR. Estes deputados únicos trazem algo fresco à política portuguesa ou é riscos e confusão?
Eu não acredito na confusão, porque, ao contrário do que se passou noutros países, nomeadamente aqui ao lado em Espanha, eu não vejo a mesma fragmentação. Como aliás o líder do PSD sublinhou recentemente, os nossos resultados não mostram essa fragmentação. E o facto de haver mais forças, nomeadamente aquelas que têm a ver com um pendor mais liberal na economia, eu acho que é importante que seja discutido, que o modelo económico seja mais discutido. Mas não acredito em relação aos outros partidos, quer o de extrema-direita quer o outro que é próximo dos partidos mais à esquerda, que é o Livre… Nesse, a face mais visível é o Rui Tavares, não é quem está no parlamento, mas é a face mais visível.
A vida não tem estado fácil para esse partido.
Não vou fazer comentários, são óbvios. Mas não vejo grande perturbação. Acho que há uma estabilização nas cinco forças políticas fundamentais.
Mas há uma crise na direita e a possibilidade de um partido, o PS, se assumir como muito mais forte do que todos os outros durante muitos anos? Ou o PSD está mesmo em crise de liderança, de ideologia, de identidade? É o quê?
Em primeiro lugar acho que o PSD tem uma implantação muito forte na sociedade portuguesa. É indiscutível.
Cada vez menos… Está a perder.
Não, tem uma implantação forte. É evidente que quando a economia está a evoluir bem e os resultados são importantes – ao nível dos compromissos europeus e em relação àquilo que se projeta e se apresenta – em que estamos sempre a exceder aquilo que prometemos fazer, foi o que aconteceu neste ciclo com o PS à frente do Governo – é evidente que não é o melhor ambiente para os partidos da oposição. O que aconteceu é resultado disso. O PSD, além de uma grande implantação na sociedade portuguesa, acho que tem pessoas extremamente válidas no topo do partido. Pessoas que tiveram responsabilidades relevantes. O CDS sempre foi um partido com uma presença mais modesta… Especificamente sobre o PSD, acho que tem implantação e pessoas capazes de apresentarem um projeto mobilizador. E de ser um partido, neste momento de oposição, com relevo para a sociedade portuguesa.
25 novembro foi “o regresso ao espírito genuíno do 25 de abril”
Quando assiste a esta polémica toda sobre a celebração do 25 de novembro, alguma vez lhe apetece dizer “jovens, parem lá de falar de coisas que não viram, eu estava lá” (era secretário de Estado do Tesouro, com o ministro das Finanças Salgado Zenha)?
É indiscutível, para mim, que, em agosto de 1975, iniciou-se um processo que conduziu, depois, à formação do sexto governo provisório. E é esse processo que corta a ascensão do radicalismo que tivemos na revolução, no 25 de abril de 1974, a partir da formação do segundo governo, que se acelera com o 28 de setembro de 1974, e que, depois, ganha um ritmo completamente diferente a partir do 11 de março de 1975. O programa do MFA não previa qualquer alteração de fundo antes de eleições — e não era antes de eleições para a assembleia constituinte, seria antes de eleições nacionais, para um parlamento que teria todos os poderes (não só de rever a constituição mas, sobretudo, ser um órgão de poder legislativo normal).
É nessa altura que começam a ser introduzidas ideias para estruturar a economia.
Mais tarde, entre novembro de 74 e janeiro de 75, prepara-se um programa económico: um plano de curto prazo, económico, liderado pelo Major Melo Antunes, e pelos três ministros competentes nas áreas económicas, financeiras e sociais: Rui Vilar, Silva Lopes e Maria de Lurdes Pintassilgo — além do secretário de Estado do Planeamento, Vítor Constâncio. Esses quatro membros do governo, mais o Major Melo Antunes, preparam aquilo que se chama o programa Melo Antunes, que foi submetido à assembleia do MFA — um órgão que não estava previsto, que tinha sido criado em dezembro de 74 — é, primeiro, filtrado pela coordenadora, da coordenadora passa à assembleia do MFA, é aprovado e, a seguir, vai ao governo em fevereiro de 75. Esse programa não previa nacionalizações a não ser nas áreas extrativas.
25 Novembro: Vasco Lourenço contra comemorações de “datas que dividem”
Essa ideia das nacionalizações estava a ganhar alguma forma…
Era um assunto que estava a ser discutido e esse programa não prevê uma nacionalização (a não ser nas áreas extrativas, onde Portugal, infelizmente, nessa altura, não tinha grandes posições). Portanto, esse momento é um momento em que ganha legitimidade um programa económico reformista, não radical mas reformista. Isso foi aprovado no governo, maciçamente aprovado, depois de ter sido filtrado pelos órgãos militares, e três semanas depois há o 11 de março, em que é tudo posto em causa. Este processo foi assim: a radicalização não só não estava prevista como os estudos que tinham sido feitos (e a legitimidade que tinha sido ganha no plano do poder militar) não previam nenhuma passagem a um movimento radical.
No seu entender o 25 de Novembro foi a morte do 25 de abril ou foi, de certo modo, a confirmação do 25 de abril?
Eu acho que, antes do 25 de novembro, há este momento muito importante que é a deposição pelo poder militar de Vasco Gonçalves como primeiro-ministro, numa assembleia do MFA que tem lugar em agosto. A partir daí, inicia-se a formação de um governo em que os ministros militares são todos ligados ao grupo moderado — os militares ligados pelo “Documento dos 9”, um documento preparado, segundo o que está escrito, por Melo Antunes. E esse grupo — por um lado, os ministros ligados ao poder militar emergem, essencialmente, desse grupo, e os dois partidos que têm mais participação no governo são o PS e o PPD. Havia, apenas, um ministro ligado ao partido comunista, não havia nenhum ministro ligado ao MDP. E, portanto, a grande alteração dá-se na formação desse governo, que é liderado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo.
Então é uma continuação desse movimento?
O 25 de novembro, do meu ponto de vista, é indiscutivelmente o regresso ao espírito genuíno do 25 de abril. Disso não tenho nenhuma dúvida. Só que as alterações que estavam feitas na economia não foram corrigidas: as expropriações e as nacionalizações não foram alteradas. Ficaram. Houve, apenas, uma pequena correção no caso das expropriações, em que foram aumentadas as áreas que davam lugar a uma legitimidade de expropriação.
Só para ficar claro, entende que as celebrações do 25 de abril já englobam todos estes momentos rumo à democracia?
Sinceramente, o que acho muito importante é que o 25 de abril é a rutura com o regime anterior. O 25 de novembro é, efetivamente, uma reposição, na minha opinião, do 25 de abril no seu espírito mais genuíno. Agora, eu, para ser muito claro, acho que o 25 de novembro é uma data fundamental. Que seja recordado acho indispensável, que seja sempre lembrado como um momento determinante, embora já alterado, em aspetos muito relevantes com a substituição do primeiro-ministro Vasco Gonçalves por Pinheiro de Azevedo, e com o trabalho que estava a ser feito no sentido da normalização da vida portuguesa e de um regresso a um quadro democrático.
Resolução “apressada” do BES foi uma “péssima decisão”, defende Artur Santos Silva