André Ventura não apresenta provas sobre o conteúdo das reuniões com Luís Montenegro e a Iniciativa Liberal fez disso o seu mais recente cavalo de batalha. O relógio liberal continua a contar: à hora da publicação deste artigo tinham passado quase três dias desde que o líder do Chega, na entrevista ao Now, revelou que tinha provas relativas aos encontros com Montenegro em São Bento, e os liberais estão a contar quanto tempo demora até mostrar essas provas.
Em boa verdade, Ventura foi dizendo que tinha como provar o dia e a hora da reunião, mas nunca se atravessou ao ponto de dizer que tinha como provar o conteúdo dessas conversas — sendo, até agora, impossível confirmar se o líder do Chega tem ou não forma de o fazer.
A Iniciativa Liberal não coloca em causa duas das reuniões de que Ventura fala — as únicas em que foram reveladas datas, 15 de julho e 23 de setembro —, até porque Rocha também esteve sentado à mesa com Montenegro nesses dias. A questão dos liberais prende-se não só com a falta de provas sobre o conteúdo da reunião, como com a fraca reação do Governo.
Mais do que isso, na IL acredita-se mesmo que Luís Montenegro “não sabe lidar com André Ventura e perdeu uma oportunidade para expor o presidente do Chega”. Ora, o primeiro-ministro até respondeu prontamente a Ventura quando este o acusou de mentir durante a entrevista à CNN, contudo recusou responder perante os jornalistas no dia seguinte, já depois de uma outra publicação na rede social X onde Ventura revelou a data e hora da reunião, mas também que foi naquela conversa que, “pela primeira vez”, Montenegro lhe ofereceu um “acordo específico”.
Posto isto, e crentes de que o silêncio de Montenegro deu hipótese a Ventura de confundir a existência de uma proposta de acordo com a existência de uma reunião, os liberais decidiram tomar a dianteira da narrativa e entraram num confronto direto com o Chega — o que levou até Ventura a responder diretamente a Rui Rocha mais do que uma vez.
Na cabeça dos liberais corre a tese de que este era um importante momento para não deixar André Ventura a falar sozinho e a “abusar do silêncio do primeiro-ministro”, designadamente porque a IL “faz oposição também ao Chega” e não quis deixar “Ventura a dominar o espaço mediático com mentiras ou alegações”.
Da entrevista de Rocha às publicações sobre o “reles charlatão”
A Iniciativa Liberal não poupou nem por um segundo André Ventura e foi com tudo para cima do Chega. Além das publicações nas redes sociais, Rui Rocha foi o primeiro a mostrar qual seria um dos focos do partido numa altura em que Ventura tinha ficado a falar sozinho pelo facto de Montenegro preferir o silêncio. “Por se terem tornado relevantes face a desenvolvimentos recentes, durante este sábado revelarei pormenores sobre algumas das atividades em que participei no passado dia 15 de julho”, escreveu o presidente liberal na rede social X.
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Na aparição pública seguinte, Rocha garantiu que o país pode contar com a IL para “defender as instituições, a democracia e a verdade”. “Temos uma luta neste país para melhorar a economia, a sociedade, para criar mais oportunidades para todos, mas é fundamental, a cada dia, a cada momento, que possamos contribuir para que a verdade não seja aquilo que uns e outros querem que seja o reflexo daquilo que realmente aconteceu”, disse, sugerindo que Ventura não estaria a dizer a verdade e garantindo que também está “nas mãos da IL” procurar essa mesma verdade.
Seguiu-se uma entrevista na SIC Notícias onde Rocha acusou Ventura de “sistematicamente pegar num dado e transformá-lo numa realidade alternativa”. “Com os dados que tenho e isso tem a ver com a garantia que o primeiro-ministro me deu em diferentes momentos, André Ventura não está a dizer a verdade”, sublinhou, frisando que, face aos dados disponíveis até então, o líder do Chega mentiu sobre a existência de um acordo. Neste seguimento, o líder liberal desafiou Ventura para que “venha dizer o contrário”, já que considera “completamente abusivo” dizer que houve uma proposta de acordo.
Daí em diante, as redes sociais começaram a ser alimentadas com uma espécie de alvo a Ventura, em que se insta o líder do Chega a “provar que lhe foi proposto um acordo e que teve todas as reuniões que diz que teve, nomeadamente em agosto”. Recorde-se que Rui Rocha confirmou a existência de duas reuniões com Luís Montenegro em São Bento (além das outras publicamente conhecidas entre o Governo e partidos) nos mesmos dias em que Ventura disse ter sido recebido pelo primeiro-ministro.
“Passou um dia desde que Ventura prometeu apresentar provas de que lhe foi proposto um acordo de Governo e ainda não apresentou. Quando é que o vai fazer?” A publicação nas redes sociais da IL surge como um contador de dias, já voltou a ser publicada no segundo dia, e é acompanhada por um relógio onde se lê o seguinte: “O André Ventura já provou que lhe foi proposto um acordo de governo? Já passaram x dias, x horas, x minutos e x segundos desde que André Ventura declarou publicamente que ia apresentar provas que a proposta lhe tinha sido feita.”
E não se ficam por aqui. Usam até um sketch dos Gato Fedorento sobre a inexistência de provas e fazem uma sondagem com a seguinte questão: “O que achas que vai acontecer?” Nas possibilidades de resposta surgem três sugestões: “Ventura apresenta provas; Ventura não apresenta; e Reles Charlatão.”
❓ PROVAS? MAS QUAIS PROVAS?
???? Vê aqui se já há provas: https://t.co/hG5I4G8XFr pic.twitter.com/Y5geaZ0I6Q
— Iniciativa Liberal (@LiberalPT) October 13, 2024
Em jeito de justificação, a Iniciativa Liberal — que recusa estar a defender Montenegro ou o Governo — explica que no dia 15 de julho, dia do Conselho do Estado, “o primeiro-ministro quis ouvir os partidos sobre a situação do país”. “As reuniões não são secretas mas reservadas, o que também é prática normal e útil”, argumenta o partido na publicação — tal como o gabinete do primeiro-ministro já tinha dito a 23 de setembro, quando a reunião entre Ventura e Montenegro foi noticiada pela CNN.
“Ventura transformou uma reunião banal, quase processual, num convite para o governo. Ventura diz que tem provas. Todo o país precisa de conhecer essas provas dada a gravidade do que é afirmado. Já passaram 2 dias desde que Ventura disse que as ia apresentar. Quando é que o faz?”, questionam os liberais, que rejeitam estar a defender o Governo que, aliás, consideram “frágil, incompetente, cobarde, sem definição ideológica nem ímpeto reformista, tendencialmente socialista e sem liderança estratégica forte”.
Porém, acrescenta a IL, o partido assenta em “vários valores fundamentais na forma de estar na política”, sendo que “verdade” um deles. “Política baseada em factos e assente em comunicação verdadeira e verificável”, realçam, frisando que faz parte da missão da IL “dizer sempre a verdade, apontar a verdade, defender o direito dos portugueses à verdade e expor os reles charlatães que fantasiam com literatura de cordel”.
Dia 15 de Julho ocorreu reunião do Conselho de Estado. Como habitual, o primeiro-ministro quis ouvir os partidos sobre a situação do país. As reuniões não são secretas mas reservadas, o que também é prática normal e útil.
Ventura transformou uma reunião banal, quase processual,…
— Iniciativa Liberal (@LiberalPT) October 13, 2024
André Ventura não demorou a responder também nas redes sociais, sublinhou que “Rui Rocha lá veio a correr confirmar as reuniões de 15 de julho”, e remeteu a IL ao partido que “tapa buracos do PSD e do Governo”. “É um partido mesmo triste, não percebem ao ridículo a que se estão a prestar”, escreveu o líder do Chega. Além disso, o presidente do Chega garante que Montenegro, depois de “incompetente, infantil e amuado ao lider do PS”, ainda lhe terá dito que “o presidente da IL só tinha sido chamado a estas reuniões para cobrir e dar um ar de normalidade às nossas”. “Ou seja, o idiota útil”, rematou.
O tema tornou-se tão visível que até Pedro Nuno Santos veio a público falar sobre o mesmo: “Há um líder partidário que aparenta saber o que aconteceu, o líder da IL, que tratou de explicar o que é que não foi falado nas reuniões e quantas reuniões é que não houve. A IL já não é um partido, está transformada na guarda pretoriana do Governo e do primeiro-ministro”, acusou o secretário-geral do PS.
Já Luís Montenegro, apesar de não responder diretamente sobre o assunto, voltou a abordá-lo, sem nomes, para dizer que “tantos tentam distrair a opinião pública e publicada com questões menores, que não interessam a ninguém a não ser aos próprios e mesmo assim o tempo dirá que é no seu próprio prejuízo e na sua própria descredibilização”.
Até agora, André Ventura continua sem apresentar as prometidas provas e a usar o tema, autointitulando-se como alvo a abater, crente de que quando se é o “alvo de todos os políticos e comentadores do sistema” é porque se está no “rumo certo”.