O Chega mantém o conflito com Augusto Santos Silva e o presidente da AR está determinado a agir por aquilo que considera ter sido um “mau comportamento” na sessão de boas-vindas a Lula da Silva. Se Santos Silva já proibiu o partido liderado por André Ventura de seguir em viagens oficiais, o poder que tem como Presidente da Assembleia da República permite-lhe tomar medidas mais extremas, em plenário, como ordenar à PSP que expulse os deputados da sala se não tiver condições de prosseguir a sessão. Entre as sanções previstas no regimento, os deputados podem ainda enfrentar inquéritos da Comissão da Transparência.
Augusto Santos Silva pediu aos partidos que reflitam sobre o que se passou na sessão de Lula da Silva e pediu-lhes que tomem uma posição até ao próximo dia 10 de maio. O presidente da AR abriu assim a porta aos partidos para aplicarem sanções adicionais em casos como o que se registou com a receção a Lula da Silva e entre as maiores bancadas existe o consenso de que o regimento da Assembleia da República, o Estatuto dos Deputados e o Código de Conduta têm amplitude suficiente para permitir uma ação mais dura de Augusto Santos Silva.
O deputado social–democrata Duarte Pacheco até considera, em declarações ao Observador, que o presidente da Assembleia da República atuou com “conta, peso e medida” na sessão de Lula da Silva e que ações adicionais “só iriam dar mais importância” à ação do Chega. Para o deputado do PSD, o facto de a sessão “ter tido condições para continuar, ainda que com perturbações”, foi a razão para que Augusto Santos Silva não tivesse ido mais longe.
Mas se os cartazes não impediam o Presidente brasileiro de usar da palavra, caso as pateadas dos deputados tivessem sido constantes durante a intervenção, Augusto Santos Silva “não teria outro remédio senão pedir aos agentes de segurança para retirarem os deputados da sala”, diz Duarte Pacheco. Essa é uma possibilidade que está ao alcance do presidente do Parlamento, que tem como obrigação “garantir a ordem na sala”.
O deputado do PSD explica que “se o presidente da Assembleia entender que a ordem não está a ser respeitada pode pedir aos agentes de segurança que retirem os deputados”, algo que, “felizmente, nunca aconteceu no Parlamento português”, remata um dos mais experientes deputados.
No caso da Assembleia da República, a segurança é coordenada por um oficial de segurança que responde ao presidente do Parlamento e o controlo da sala das sessões é feito por agentes da PSP, que habitualmente têm a missão de assegurar o controlo das galerias destinadas ao público e aos convidados. Aliás, é comum ver agentes de segurança nalguns espaços do Parlamento — ainda que de forma discreta — em dias de sessão plenária e sobretudo quando estão presentes membros do Governo ou outros convidados externos.
Ainda que os regulamentos do Parlamento não especifiquem critérios para uma atuação mais musculada do presidente da Assembleia, o regimento atribui a Augusto Santos Silva o dever de “manter a ordem e a disciplina, bem como a segurança da Assembleia, podendo para isso requisitar e usar os meios necessários e tomar as medidas que entender convenientes”.
Em igual sentido, o código de conduta aponta no artigo 5º a “urbanidade e lealdade institucional” que prevê que os deputados “devem desempenhar as suas funções com respeito pelos demais e pelos titulares dos órgãos de soberania, pelos cidadãos que representam e pelas demais entidades públicas e privadas com as quais se relacionem no exercício do seu mandato”. O próprio Estatuto dos Deputados também diz de forma mais generalizada que é dever dos parlamentares “respeitar a dignidade da Assembleia da República e dos deputados”.
Para o vice-presidente da bancada do PS, Pedro Delgado Alves, “não é necessário rever o código de conduta” porque a questão da falta de respeito é “instintiva” e abriu a porta à possibilidade de pronúncia por parte da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados.
Comissão de Transparência pode agir
Atualmente, as normas já preveem que a Comissão da Transparência – que funciona de forma autónoma – possa “proceder a inquéritos a factos ocorridos no âmbito da Assembleia da República que comprometam a honra ou a dignidade de qualquer deputado, bem como a eventuais irregularidades graves praticadas com violação dos deveres dos Deputados” e que esses inquéritos podem ser pedidos pelos deputados ou pelo presidente da Assembleia da República.
Apesar desta possibilidade, também é salvaguardado que “a avaliação de quaisquer factos ou procedimentos relativos a deputados deve sempre salvaguardar a liberdade política de exercício do mandato” e prevê ainda que tenham que ser realizadas “audiências prévias” aos visados nos inquéritos.
Ainda que André Ventura tenha referido que Augusto Santos Silva tenha falado em “sanções penais”, ao Observador é garantido que a possibilidade de apresentar queixa sobre o comportamento dos deputados do Chega na sessão com Lula da Silva não está em cima da mesa. Esse é um caminho que o presidente da AR não quer seguir.
A reflexão que Augusto Santos Silva pediu aos partidos pode ajudar a criar critérios mais apertados e mais específicos no regimento da Assembleia da República. O socialista Pedro Delgado Alves abriu essa porta ao referir que “o regimento está a ser revisto e podemos aprender com outros, até porque o nosso Parlamento não é o primeiro a ter que enfrentar forças populistas”. A bancada do PS vai fazer uma recolha de exemplos noutros Parlamentos para levar a Santos Silva na próxima reunião de líderes. Por exemplo, nalguns parlamentos, os insultos podem dar perda de parte do salário.
Antes deste incidente com Lula da Silva, o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Fernando Negrão, tinha dito ao Observador que colocar regras de comportamento por escrito “limita a liberdade dos deputados e deve ser a última coisa a ser feita”.
O deputado do PSD que foi vice-presidente da Assembleia da República no anterior mandato dizia há uma semana que, “existindo problemas, esses devem ser discutidos na Conferência de Líderes, que tem sido mal aproveitada nesta matéria”, ainda que diga que “num mundo dinâmico a última decisão tem que ser de quem lidera os trabalhos no plenário”. Uma semana depois, a Conferência de Líderes vai mesmo abordar este assunto, aguardando apenas pelas considerações das diferentes bancadas.
Com o debate lançado, Duarte Pacheco acrescenta que “a urbanidade é fundamental na democracia”, mas resta agora saber se essas regras vão passar a estar escritas na, já longa, revisão do regimento ou se vão ficar decididas de forma verbal com o PS a garantir que “existe um largo consenso dos partidos” sobre esta matéria. Apesar do consenso, o Chega já prometeu não moderar o tom.
Chega afastado das visitas oficiais. PS diz que Santos Silva tem essa legitimidade
“O presidente da Assembleia da República tem que saber isto pelas câmaras e perante todo o país: não nos ameaça, não nos transmite medo e não nos condiciona”, disse André Ventura depois de ter sido informado por Augusto Santos Silva de que o Chega ia receber sanções por causa do incidente durante a sessão de boas-vindas a Lula da Silva, demonstrando assim que não tem a intenção de moderar a forma de atuar na Assembleia da República.
O assunto do comportamento dos deputados já estava na calha para ser debatido na Conferência de Líderes – que reúne os líderes dos grupos parlamentares –, após o episódio entre Rita Matias e Pedro Frazão com a vice-presidente da Assembleia, Edite Estrela, mas o incidente com o Presidente do Brasil foi a gota de água.
Augusto Santos Silva quer que os partidos façam uma reflexão sobre a forma como o Parlamento deve responder aos “abusos” de comportamento e esse será o principal assunto da reunião marcada para dia 10 de maio.
Alguns dos deputados mais conhecedores das regras de funcionamento do Parlamento defendem que esta decisão de Santos Silva tem respaldo regimental e jurídico. Logo depois da declaração de André Ventura a dar conta da sanção aplicada pelo presidente do Parlamento, o deputado Pedro Delgado Alves também falou para dizer que “a composição das delegações é da responsabilidade do presidente da Assembleia da República” e que “quem não está disponível nem em sua casa nem no exterior para respeitar um Chefe de Estado estrangeiro não pode arriscar a credibilidade e o prestígio que a Assembleia da República quer”.
A nota de Augusto Santos Silva refere isso mesmo: que a sanção é válida para viagens que “incluam contactos com Chefes de Estado, Chefes de Governo ou Ministros dos Negócios Estrangeiros”. Para Pedro Delgado Alves, Santos Silva “tem toda a base formal para tomar esta decisão” sem que exista a obrigatoriedade de estar escrito no regimento do Parlamento, uma opinião que é partilhada pelo deputado do PSD, Duarte Pacheco.
Duarte Pacheco, que é um dos deputados que mais domina o regimento da Assembleia da República e é atualmente secretário da mesa, disse aos microfones do Observador, no programa Direto ao Assunto, que “em viagens oficiais o Presidente é acompanhado por quem entende”, podendo criar critérios consoante os países que visita.