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No local do massacre de Munique
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No local do massacre de Munique

André Maia/Observador

No local do massacre de Munique

André Maia/Observador

"Se Israel tivesse estado no Euro, seria mais perigoso do que em 1972". 52 anos depois, a ferida olímpica de Munique ainda não sarou

A 5 de setembro de 1972, a segurança no desporto mudava para sempre. 52 anos depois, regressámos ao local do Massacre de Munique, uma ferida que ainda não sarou entre os israelitas: "Não esquecemos".

Quando Eran Zahavi abriu o marcador ao minuto 31 da meia-final do play-off do Euro 2024, contra a Islândia, os israelitas sonharam com a primeira presença de sempre num Campeonato da Europa de futebol. Afiliado da UEFA desde 1994, Israel nunca conseguiu carimbar o passaporte para uma grande competição. Em 2020 esteve mais perto, ao ser eliminada pela Sérvia na final do play-off, mas nos penáltis Eran Zahavi — sim, o mesmo — falhou e Israel ficou pelo caminho. E como não há uma sem duas, Zahavi voltou a falhar este ano, agora nas meias. Marcou o primeiro golo aos 31′, mas aos 80′ falhou de penálti a hipótese de empatar a partida e anular a reviravolta islandesa. O número 7 não marcou, a Islândia aproveitou e matou. Israel era eliminado do play-off por 4-1 e ficou fora do Euro 2024.

Mas foi por isso que esteve fora da Alemanha. Quando se fala de desporto e Israel, há um momento que marca um antes e um depois. Não só na vida do desporto israelita, mas no mundo do desporto em geral. E esse momento aconteceu precisamente no país germânico, em Munique. Esta é a história do Massacre de Munique, de 1972. Há 52 anos, os Jogos Olímpicos abriram uma ferida que ainda não sarou. E depois do Europeu de futebol na Alemanha e a dois dias dos Jogos Olímpicos de Paris, é tempo de o recordar.

O pequeno memorial, à porta do apartamento onde tudo aconteceu a 5 de setembro de 1972

André Maia/Observador

“Não nos esquecemos do que aconteceu”

O Olympiapark é um espaço calmo. Bonito. Arranjado. O bairro de arquitetura diferente e inovadora foi em tempos a Aldeia Olímpica dos Jogos de 1972. Portugal não trouxe nenhuma medalha dos seus 29 atletas. Os 15 de Israel também não, mas isso pouco interessou no fim.

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Na madrugada de dia 5 de setembro, às 4h31 da manhã, oito membros do grupo terrorista palestiniano Setembro Negro entraram no apartamento da comitiva israelita. Durante mais de sete horas, os atletas e treinadores foram mantidos em cativeiro e depois mortos. Seis treinadores de Israel e cinco atletas perderam a vida, juntando-se a eles um agente da polícia da Alemanha Federal e cinco membros do Setembro Negro. No total, 17 pessoas morreram, naquele que é considerado o maior ataque terrorista da história do desporto.

Era este o edifício que servia de casa aos atletas israelitas. Agora é casa de uma fundação.

Apesar de já terem passado 52 anos e de Israel não ter estado presente no Euro 2024, Ori não esqueceu esse momento. Nem ele, nem nenhum israelita. “Continuamos a falar do massacre em Israel, claro. Especialmente quando há ataques a israelitas no estrangeiro. E claro que todos os anos, em setembro, há cerimónias nos vários memoriais espalhados pelo país sobre o ataque. Continua presente, foi um momento horrível. Na guerra, os soldados morrem e isso é natural. Mas aqui? Vir aqui e matar pessoas, atletas, só pela sua nacionalidade? É horrível”, diz ao Observador.

Ori é adepto de futebol e conseguiu bilhete para o Campeonato da Europa da Alemanha. Estava em Munique para isso mesmo, mas na rota, para além dos estádios, teve de acrescentar um destino, o memorial erguido à porta do apartamento onde tudo aconteceu. Já não é primeira vez que passa por ali, mas cada vez que o faz, é tão especial como na última. “Não é a minha primeira vez aqui, estive cá há 20 anos. Para mim, este local é uma parte da nossa nem sempre feliz história”, explica.

"Se Israel se tivesse qualificado para o Euro, seria ainda mais perigoso do que foi em 1972. Atualmente, não temos boa imagem, teríamos de ter muita proteção e segurança"
Ori

E é uma história que, desde a última visita de Ori, mudou muito. Os acontecimentos de dia 7 de outubro em Israel e tudo o que seguiu depois com a invasão israelita a Gaza tornam ainda mais importante a visita ao memorial do Olympiapark. E isso notou-se do primeiro ao último contacto com Ori. Na primeira abordagem, o adepto israelita foi receoso, frio. Manteve sempre a distância e fez muitas perguntas. Pediu-nos o nome, identificação, o nome e endereço do jornal e como seria a publicação. Mais tarde, depois de alguns minutos de conversa, admitiu: “Não leve a mal e peço desculpa pela minha abordagem, mas não o conheço, não sei que lado apoia nem quais são as suas relações e intenções. Podia ser do Irão. Neste momento todo o cuidado é pouco”.

Mas independentemente do medo, a homenagem tinha de ser feita. “Depois do que aconteceu, tivemos de ir para esta guerra, infelizmente. A guerra é uma coisa má, eu não gosto, rejeito a guerra e preferia viver em paz. Preferia ter dois estados que vivessem em harmonia. Mas neste momento é impossível e infelizmente temos de continuar esta guerra. Ainda temos lá reféns. E num momento difícil como este, claro que tinha de passar por aqui”, conta.

Só faltou mesmo uma coisa na viagem de Telavive, de onde é natural, para Munique: uma equipa para apoiar. Depois de mais um tiro ao lado de Israel na qualificação, Ori veio apenas apreciar o futebol, sem cor associada. Algo que, por um lado, tem uma vantagem: a segurança. “Se Israel se tivesse qualificado para o Euro, seria ainda mais perigoso do que foi em 1972. Atualmente, Israel não tem boa imagem, tenho noção disso, infelizmente. E por isso, se estivéssemos a participar no Euro, teríamos de ter muita proteção e segurança“, diz.

Ori, junto ao memorial com os nomes de todos os que perderam a vida

André Maia/Observador

A foto que correu mundo, por uma lente portuguesa

Dias antes do massacre, a comitiva portuguesa tinha sido relegada para um edifício dos serviços administrativos da aldeia olímpica. O 16.º andar iria servir de casa nas próximas semanas aos 29 atletas. Todos no mesmo espaço porque não havia mulheres entre os portugueses. Se houvesse teriam ficado noutro lugar, pois nessa altura não havia possibilidade de ficarem juntos. Mas nessa noite de 5 de setembro houve uma mistura que ficou para a história.

O conhecido fotógrafo Eduardo Gageiro estava a fazer a cobertura fotográfica dos Jogos Olímpico de 1972 em Munique, quando soube o que tinha acontecido. Correu para a Aldeia Olímpica. Não foi o único a ter essa ideia. Quando lá chegou, junto aos muros, já lá estavam centenas de jornalistas. Em entrevista ao jornal Expresso, Gageiro explicou como conseguiu entrar — tudo aconteceu por causa de uma letra. “O grande truque foi ter reparado que o meu crachá tinha uma letra a mais que o deles. Então tapei a letra com um dedo e entrei com esse grupo de atletas. E de repente vejo-me no meio de polícias, uns com carabinas com miras telescópicas, parecia um filme americano”.

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O momento da chegada da polícia alemã ao apartamento. As homenagens póstumas. E um protesto contra a continuação dos Jogos, que não pararam

Bettmann Archive

O filme ganharia contornos ainda maiores com o passar das horas. Com o impasse nas negociações entre a polícia alemã e os terroristas — e com o Governo alemão a não deixar entrar as forças de Israel na Alemanha, começaram a surgir os autocarros e os helicópteros, que acabariam por ser fatais. Foi aqui, no momento da chegada dos helicópteros, que Eduardo Gageiro subiu ao 16º. do edifício da comitiva portuguesa. Foi o único jornalista em todo o mundo a registar para eternidade a altura em que vários homens, de cara tapada, ordenam os reféns para a saída. E a foto precisou de uma revelação especial para um momento especial. “Eu apoio os cotovelos em cima da varanda e, com uma objetiva de 85mm, fotografo com uma velocidade muito lenta, sem flash, em plena noite cerrada. Só tinha a luz dos autocarros e dos helicópteros. Faço várias fotografias e entreguei o rolo ao atleta da luta greco-romana que vinha nessa noite para Portugal. E falei lá para a delegação: “Não sei o que é que tenho, mas puxem muito pelo rolo porque isto foi feito quase às escuras”, contou ao Expresso.

Os que não tinham ainda perdido a vida, seguiram de helicóptero, para mais tarde não resistirem. No total, morreram 17 pessoas e a polícia alemã não voltou a ser a mesma. Neste Euro, tem sido uma presença constante, ao contrário de 1972. Foi essa ausência que permitiu também a facilidade da invasão. A Alemanha Federal queria mostrar que os tempos da militarização tinham ficado para trás. Não correu bem e se hoje há acreditações, crachás, códigos e pórticos em eventos destes, muito se deve àquela madrugada em Munique. Ainda não foi desta que Israel jogou num Euro. Mas enquanto houver memória, estará sempre presente no Parque Olímpico.

Para além do memorial à porta do apartamento, há ainda um espaço dedicado no Olympiapark

André Maia/Observador

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