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O tempo estava quente no exterior do Palácio de São Bento. Ao fundo, ouvia-se o barulho dos pavões e das obras de um prédio nos arredores. Por volta das 14h45 desta terça-feira, ao lado da residência oficial do primeiro-ministro, ainda havia duas bandeiras — a portuguesa e a da União Europeia. Assim que o avião que transportava Volodymyr Zelensky pousou no aeródromo de Figo Maduro, foi imediatamente colocada uma terceira: a ucraniana.
Numa televisão no exterior do jardim do terraço, assistia-se ao Presidente ucraniano a sair da aeronave por volta das 15h e a ser energeticamente cumprimentado pelo homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, e por Luís Montenegro, que se dirigira ao aérodromo desde a residência oficial 30 minutos antes. No Palácio de São Bento, num entre e sai constante do interior do edifício, preparava-se a chegada do chefe de Estado ucraniano.
Recebendo um líder de um país em guerra que angariou alguns inimigos, a segurança não era deixada ao acaso, com o Palácio a ser constantemente vigiado, principalmente por dois snipers. Um deles, denunciado pelo comprimento da arma e raramente visto, estava no segundo andar do edifício.
Um helicóptero da Força Aérea, a equipa de assessores e o aumento da segurança. A chegada de Zelensky a São Bento
Recebido com honras militares e tendo-se ouvido o hino português e ucraniano em Figo Maduro, a comitiva de Volodymyr Zelensky e a portuguesa seguiram caminho para o Palácio de Belém. Durante o compasso de espera, e com o aproximar da hora da chegada, aumentava o número de pessoas que se aglomeravam em frente à residência oficial do primeiro-ministro.
A delegação portuguesa foi a primeira a chegar, composta pelo ministro da Defesa, Nuno Melo, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, entre outros, que rapidamente entraram no Palácio de São Bento. Entretanto, um carro estacionava à porta da residência do primeiro-ministro e saíam alguns assessores, fotógrafos e jornalistas ucranianos.
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Passados alguns segundos, o barulho das obras e dos pavões subitamente é interrompido pelo som de um helicóptero da Força Aérea — o AW119 Koala — que sobrevoava o Palácio de São Bento. Era um indício de que o carro descaracterizado que transportava o chefe de Estado ucraniano estava prestes a chegar. Confirmou-se — e eis que Volodymyr Zelensky saía do carro. Luís Montenegro esperava-o. Recebeu-o e depois os dois deram um vigoroso aperto de mão.
Da televisão no exterior do Palácio de São Bento, ao lado de uma mesa com bolachas, água e fruta para os jornalistas, via-se Volodymyr Zelensky a assinar o livro de honra e a transmitir uma mensagem de gratidão. Após alguns minutos, começou uma reunião à porta fechada, que contava com a delegação portuguesa e ucraniana.
Entre seguranças e assessores, alguns ucranianos que integravam a comitiva de Kiev também esperavam no exterior. Uns tiravam selfies em frente ao Palácio de Belém, outros conversavam. Havia ainda alguns que esperavam por um encontro com Volodymyr Zelensky; após a conferência de imprensa e a assinatura do acordo sobre cooperação de segurança entre Portugal e a Ucrânia, o Presidente encontrou-se com alguns membros da comunidade ucraniana em território nacional.
A assinatura do acordo e o “obrigado” de Zelensky
Antes de a reunião privada ter oficialmente acabado na sala de jantar, os jornalistas e repórteres de imagem eram encaminhados para uma divisão cheia de cadeiras, onde Volodymyr Zelensky e Luís Montenegro iam discursar. Paulatinamente, alguns membros da delegações, como Paulo Rangel ou chefe do gabinete presidencial da Ucrânia, Andriy Yermak, iam chegando.
Na sala, em frente às dezenas de cadeiras e câmaras, estava uma mesa de vidro com duas pastas: uma azul, outra vermelha. Lá dentro, estava uma cópia do acordo que Volodymyr Zelensky e Luís Montenegro assinaram, algo que fizeram logo que chegaram à divisão. Antes, só tiveram tempo para pôr o auricular do dispositivo que fazia a tradução simultânea.
No canto da sala, rodeada de segurança e assessores das duas delegações, uma mulher traduzia o que Luís Montenegro e Volodymyr Zelensky diziam. Presentes estavam não só representantes de meios de comunicações nacionais, como também alguns jornalistas estrangeiros, entre brasileiros e ucranianos.
No início da conferência de imprensa, Luís Montenegro destacou que era uma “honra receber em Portugal” o Presidente da Ucrânia, recordando que “acontece durante uma das páginas mais negras da História da Ucrânia e da Europa, ditada por uma guerra e agressão por parte da Rússia”. “Quando a Rússia lançou a sua brutal invasão, muitos pensaram que a Ucrânia não iria sobreviver enquanto Estado livre. A sua presença aqui, senhor Presidente, e as demonstrações de resistência que o povo ucraniano tem mostrado frente a um adversário impiedoso são uma clara demonstração da vontade férrea do povo ucraniano em preservar a sua liberdade, soberania e integridade do seu território.”
Volodymyr Zelensky ouvia atentamente Luís Montenegro, acenando com a cabeça em jeito de aprovação. Entre os pontos elencados pelo primeiro-ministro, esteve a cimeira da paz da Suíça — confirmando-se a presença de Portugal, representado por Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Rangel —, o apoio português de 126 milhões de euros em 2024 e a promessa de que Portugal não abandonará a Ucrânia.
O chefe de Estado ucraniano retribuiu e designou Portugal como um “sincero amigo e parceiro”, elogiando o “calor” de Portugal, numa referência ao estado de tempo desta terça-feira soalheira de maio. Entre os agradecimentos, planos futuros e a importância do apoio luso, Volodymyr Zelensky deixou um pedido, que extravasa as fronteiras nacionais: que o mundo não se “canse” da guerra e não ceda às “narrativas russas” que indiciam que Kiev está perto da derrota.
Após responderem a perguntas de quatro jornalistas, Volodymyr Zelensky e Luís Montenegro voltaram a dar um vigoroso cumprimento de mão e o Presidente ucraniano deixou escapar um “obrigado” — em português — ao lado do primeiro-ministro.
O encontro com a comunidade ucraniana e a ida para Belém
Num encontro sem a presença dos jornalistas, mas transmitido na televisão exterior do Palácio de São Bento, o Presidente da Ucrânia reuniu-se com membros da comunidade do país, assim como alguns portugueses que estiveram em missões militares na Ucrânia.
Foi um encontro breve, durando cerca de 15 minutos. Ouvia-se novamente o som do helicóptero, era altura de o chefe de Estado ucraniano sair do Palácio de São Bento. Volodymyr Zelensky seguiu para Belém, onde Marcelo Rebelo de Sousa o esperava para uma reunião e depois um jantar de trabalho. Neste último, Luís Montenegro também foi convidado, tal como o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
Em Belém, tocou o hino da Ucrânia e, de seguida, o hino português. O helicóptero da Força Aérea, que acompanhou a viagem de Volodymyr Zelensky em Lisboa, sobrevoava o Palácio de Belém e acabou por interromper o hino nacional.
Os dois chefes de Estado deslocaram-se seguidamente para a sala das Bicas, onde Volodymyr Zelenksy assinou o livro de honra do Palácio de Belém e os dois tiraram a fotografia oficial. Tal como tinha acontecido em Figo Maduro, Marcelo Rebelo de Sousa mantinha-se muito próximo do seu homólogo ucraniano, agarrando-lhe várias vezes o braço.
Em frente ao Palácio, enquanto Marcelo Rebelo de Sousa e Volodymyr Zelensky provavelmente discutiam os preparativos para a cimeira de paz na Suíça ou a adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO, algumas dezenas de ucranianos organizavam uma manifestação de apoio à Ucrânia, embora a uma distância considerável — uma vez que as baias da PSP impedem que se chegue próximo da entrada do Palácio de Belém.
Após o jantar, Volodymyr Zelensky despediu-se do primeiro-ministro e do Presidente da República, abandonando o Palácio de Belém. Dirigiu-se a Figo Maduro para apanhar o avião que o levaria, ainda na noite desta terça-feira, a território polaco. Daí, voltará à Ucrânia esta quarta-feira, após um périplo que contou com uma visita relâmpago a Portugal, Bélgica e Espanha.