Nem sequer seria inédito — aliás, a história ainda há de estar fresca na memória coletiva. Em maio de 2017, a propósito do centenário de Fátima, e porque o Papa Francisco estava de passagem pelo país para assinalar a data, António Costa concedeu tolerância de ponto aos funcionários públicos. O jornalista João Miguel Tavares desabafou numa crónica no jornal Público que, com as escolas fechadas, ele e a mulher não tinham com quem deixar os quatro filhos naquela manhã. E arriscou o desafio ao primeiro-ministro para que assumisse essa responsabilidade durante algumas horas. António Costa aceitou e, assim, João Miguel Tavares e a mulher não falharam os seus compromissos profissionais. E se, agora, em vez do primeiro-ministro, estivéssemos a pensar nos candidatos à Presidência da República? A quem confiariam os eleitores essa responsabilidade de tomar conta dos filhos? Mas não é apenas isso que se pretende saber. A quem confiariam eles as suas poupanças? Quem convidariam para tomar um copo? E quem consideram estar mais preparado para assumir a chefia do Estado português? Qual será o mais divertido? E com quem preferiam ter passado a passagem de ano?

São, de facto, muitas perguntas. E ainda que as respostas nem sempre revelem surpresas, elas surgem aqui e ali. Spoiler alert: nesta história, Marcelo é um protagonista quase omnipresente. O enredo só sofre um twist quando o assunto toca a questão das poupanças de uma vida — a quem as confiaria? — ou quando se trata de escolher o fiel guardião de um bilhete premiado do Euromilhões. Da mesma forma, Ana Gomes é a mais frequente segunda escolha dos inquiridos. As respostas podem nem significar um voto a 24 de janeiro, mas são um retrato bem composto da imagem que cada um dos pretendentes à Presidência da República, cada um com o seu percurso, construiu junto dos eleitores. Vamos, então, aos resultados.

A quem entregaria a gestão das suas poupanças?

Acabemos já com o suspense. Nesta questão e na que se segue, Marcelo não é a primeira escolha dos inquiridos (é, na verdade, a segunda). “Ninguém” é mesmo a opção mais votada, com 43% dos eleitores a recusarem confiar a qualquer um dos candidatos a Belém a responsabilidade de gerir as suas poupanças. Falta de confiança nos nomes que se perfilam? Descrença quanto às capacidades de gestão? Não se sabe.

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Sabemos, sim, que o Presidente da República em funções é a escolha de 35% dos inquiridos, à frente de Ana Gomes (7%) e de André Ventura (4%). Quase todos os outros candidatos não são escolha de mais que 2% dos inquiridos. Vitorino Silva fica-se por 1% das respostas. Dado curioso: Marcelo é a escolha mais votada (mais do que a opção “ninguém”) entre os eleitores do PS (42%) e do CDS (38%) e entre os inquiridos residentes nas ilhas e entre aqueles que estão na faixa dos 35-44 (com 39% das indicações).

Valores, ainda assim, insuficientes para alterar a escolha mais frequente: “Ninguém.”

A quem pediria para guardar um boletim do Euromilhões premiado?

Pergunta diferente, o mesmo resultado global: a resposta mais enunciada volta a ser “ninguém”. Ainda que, aqui, a diferença entre os dois primeiros resultados seja ligeiramente maior que na questão anterior. Se os mesmos 35% de inquiridos dão um voto de confiança ao Presidente da República, quase metade (48%) dos participantes na sondagem não se sentiu confortável com qualquer das hipóteses em cima da mesa.

A sequência de escolhas, a partir daí, é quase tirada a papel químico da anterior. Ana Gomes (5%), André Ventura (3%), João Ferreira e Marisa Matias (2%), Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva (1%).

E se, antes, os eleitores do PS surgiam acima da média, na comparação com a opção “ninguém”, isso já não acontece neste caso. Numa análise por opção eleitoral ficam sozinhos os eleitores que dizem ter votado CDS em 2019: são 59% os que admitem confiar o tal bilhete com a sorte grande a Marcelo, contra os 34% que não nomeiam qualquer candidato. As classes mais altas (A/B) juntam-se a este grupo: 39% dos inquiridos escolhem Marcelo como primeira opção, contra os 35% que não se decidem por qualquer nome.

A quem pediria para ficar com os seus filhos no fim de semana?

Não foi por acaso que o baby-sitting de António Costa aos filhos de João Miguel Tavares deu o mote a este texto. A pergunta também foi colocada aos inquiridos da sondagem Observador/TVI/Pitagórica. Afinal, haverá maior prova de confiança em alguém que entregar-lhes a guarda dos nossos filhos? Sim, já sabemos, é Marcelo quem leva a melhor neste teste particular. Mas há um ou outro resultado que vale a pena analisar com mais detalhe.

A começar pela própria escolha de Marcelo, que não é tão clarificadora como nos dois exemplos anteriores. Confiança, sim, mas com cautelas redobradas. Porque, se é verdade que o Presidente da República é a primeira opção para 38% dos inquiridos, também é verdade que 36% das pessoas que participaram na sondagem optaram pela solução que traduz desconfiança em relação a todos os candidatos: “Ninguém”. É uma vitória quase pela margem mínima.

O que faz a diferença aqui? De uma forma muito clara, os eleitores do CDS (com 59% dos votos em Marcelo) e os socialistas (42%) são quem mais confia em Marcelo para uma missão tão pessoal como esta. Por outro lado, houve tantos eleitores do Bloco de Esquerda a dar o aval ao baby-sitter de Cascais (32%) quantos os que optaram por excluir todos os candidatos. Exatamente o mesmo equilíbrio que encontramos no eleitorado que votou PSD nas últimas legislativas (40% pendem para Marcelo e 40% para a opção “ninguém”).

Na avaliação por estrato social, a classe mais desfavorecida é aquela que mais contribui para uma vitória de Marcelo (no capítulo das intenções de voto, com uma votação de 60%, supondo que as eleições se realizam neste momento) e a que menos confiaria os seus filhos à guarda do recandidato a Belém (apenas 29%, muito abaixo daqueles que, neste grupo, preferem a opção “ninguém”, com 54% dos votos).

Outra particularidade: no conjunto dos 12 testes à confiança nos candidatos, esta é única situação em que encontramos duas mulheres no 2.º e 3.º lugares da classificação (se não contarmos com a escolha que exclui todos os nomes e que é a segunda mais votada). São, respetivamente, Ana Gomes (11%) e Marisa Matias (6%). Posições que se cruzam nos resultados dos inquiridos residentes nas ilhas, em que a bloquista fica mesmo à frente da ex-embaixadora (10% para Marisa, ligeiramente acima dos 7% de Ana Gomes). Para os eleitores do Bloco de Esquerda, Marisa é opção prioritária sobre Ana Gomes, é certo. Mas mesmo aí a dirigente do partido perde para Marcelo: 32% de escolhas para o Presidente da República, 17% para a candidata da casa, 15% para a socialista.

A melhor companhia para “beber um copo”?

Marcelo em primeiro, quase sempre. Ana Gomes logo a seguir, na maior parte das vezes. Mas, já aqui dissemos, também houve espaço para, aqui e ali, uma surpresa nas votações. É o que acontece quando se pergunta aos eleitores quem gostariam de convidar para beber um copo com o seu grupo de amigos.

André Ventura é a segunda escolha mais vezes indicada, com 13% das votações (em empate com a opção “nenhuns”). E, em terceiro, Marisa Matias, com 9%. Na análise por classes sociais, o líder do Chega e a eurodeputada ficam mesmo empatados no segundo lugar (com 12% dos votos) entre as classes mais privilegiadas. E Marisa revela-se uma companhia mais interessante para os eleitores da região norte e das ilhas (onde ocupa o segundo lugar). Tal como acontece entre os eleitores do PS (11% das escolhas, a par de Ana Gomes e à frente de Ventura, com 7%) e da CDU (com 22%). Só junto do eleitorado do Bloco de Esquerda Marisa Matias consegue o primeiro lugar das escolhas — e, mesmo aí, a par de Marcelo —, chegando aos 32%.

Ainda na comparação de resultados por eleitorado — quem votou em que partido nas legislativas de 2019 — é, aliás, possível identificar uma linha comum entre a dirigente bloquista e João Ferreira em muitas das questões. Junto dos eleitores que, por princípio, lhes são politicamente mais próximos, os dois eurodeputados conseguem apresentar-se, se não como a primeira, pelo menos como a segunda escolha mais votada pelos inquiridos. Mas essa regra cai por terra nas perguntas em que se avalia a competência e a integridade.

O mais competente? O mais trabalhador? E o mais honesto? Eleitor CDU é o mais fidelizado

Independentemente da cor em que votaram nas últimas legislativas, os inquiridos consideram que Marcelo é o candidato mais inteligente, mais divertido e é também o mais bem preparado para (voltar a) assumir a Presidência da República. Esse resultado é, insistimos, transversal a todos os inquiridos, que indicam o Chefe de Estado como primeira escolha em qualquer destes parâmetros. Há apenas um tipo de eleitor que reserva para a prata da casa a nomeação de candidato mais honesto, mais competente e mais trabalhador: é o eleitor comunista (ou que votou CDU em 2019), que dá a João Ferreira a melhor classificação em cada um destes qualificativos.

Há que fazer ainda uma menção honrosa a Vitorino Silva. Não vence em qualquer dos parâmetros de análise, já vimos. Mas alcança o segundo lugar da votação na atribuição do prémio — se prémio houvesse — do candidato mais divertido. O ex-autarca, calceteiro de profissão, recandidato às presidenciais depois de em 2016 ter conseguido 3% dos votos, é a escolha de 16% dos inquiridos. Da mesma forma que André Ventura termina na segunda posição na competição pelo prémio de mais inteligente (com 10% das votações, a uns distantes 59 pontos percentuais de Marcelo).

As avaliações não se esgotam aqui. Qual será o candidato que os portugueses mais gostariam de ter como chefe? E quando o assunto são negócios: com qual destas personalidades se sentiriam mais confiantes para lhe comprar um carro em segunda mão. Aqui pode consultar os resultados finais da sondagem Observador/TVI/Pitagórica.

Ficha técnica

Durante 6 semanas (10 Dezembro 2020 a 21 de Janeiro 2020 ) vão ser publicadas pela TVI e pelo Observador uma sondagem em cada semana com uma amostra mínima de 626 entrevistas. Em cada semana a amostra corresponderá a 2 sub-amostras de 313 entrevistas. Uma das sub-amostras será recolhida na semana da publicação e a outra na semana anterior à da publicação. Cada sub-amostra será representativa do universo eleitoral português (não probabilístico) tendo por base os critérios de género, idade e região.

Semana 3, publicação: O trabalho de campo decorreu entre os dias 17-20 e 22,23,26 e 27 Dezembro 20202. Foi recolhida uma amostra total de 629 entrevistas que para um grau de confiança de 95,5% corresponde a uma margem de erro máxima de ±4,0%. A seleção dos entrevistados foi realizada através de geração aleatória de números de “telemóvel” mantendo a proporção dos 3 principais operadores identificados pelo relatório da ANACOM, sempre que necessário são selecionados aleatoriamente números fixos para apoiar o cumprimento do plano amostral. As entrevistas são recolhidas através de entrevista telefónica (CATI – Computer Assisted Telephone Interviewing).

O estudo tem como objetivo avaliar a opinião dos eleitores Portugueses, sobre temas relacionados com as eleições , nomeadamente os principais protagonistas, os momentos da campanha bem como a intenção de voto nos vários partidos.

A taxa de resposta foi de 54,84% . A direção técnica do estudo é da responsabilidade de Rita Marques da Silva.

A taxa de abstenção na sondagem é de 55,9% a que correspondem os entrevistados que aquando do momento inicial se recusaram a responder à entrevista por não pretenderem votar nesta eleição.

A ficha técnica completa bem como todos os resultados foram disponibilizados junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social que os disponibilizara oportunamente para consulta online.