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AFP/Getty Images

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"Striptease" fiscal. Até onde devem ir os políticos a mostrar as suas contas?

O momento que vivemos aconselha a mais transparência? Ou corre-se o risco de "voyeurismo"? As dívidas de Passos à Segurança Social voltam à ribalta esta quarta-feira no Parlamento.

O valor da transparência conduz à devassa da vida privada dos políticos ou os eleitores têm o direito de saber mais sobre quem os representa? Perante o caso polémico dos descontos do primeiro-ministro para a Segurança Social ou dos pagamentos da Tecnoforma, exigiram-se explicações. Mas, no mundo político, os limites da transparência não são consensuais.

As opiniões dividem-se entre quem considera que deve haver mais escrutínio antes de os políticos assumirem determinados cargos, que a quebra de privacidade é um “custo” a pagar pelos políticos ou que está tudo bem. O dirigente socialista Álvaro Beleza considera que em Portugal, ao contrário dos países anglo-saxónicos, se está “muito aquém da transparência”, há “uma cultura antiga de opacidade” e “deve haver escrutínio prévio de membros do Governo no Parlamento”.

“Quem não deve, não teme. Os cidadãos têm o direito a conhecer o melhor possível aqueles que nos governam”, explica, defendendo também “transparência nos lóbis” e no financiamento partidário. E desdramatiza as consequências de menor privacidade para os políticos. “É o preço a pagar. Quem tem vontade de ir para a política, tem que perceber que terá a vida sujeita a escrutínio e deve encarar isso com normalidade”, defende, lembrando que os membros do secretariado do PS na direção de António Costa decidiram, por iniciativa própria, declarar os seus rendimentos no Tribunal Constitucional. António José Seguro chegou a anunciar que a transparência ia ao ponto de colocar essa informação no site da internet do partido, mas nunca chegou a constar.

O deputado socialista José Magalhães também defende mais obrigações para os titulares de órgãos de soberania e de todos os altos cargos públicos. “A transparência deve ser total. Em vez de obrigar os titulares a descrever ativos e dívidas basta excetuá-los da lista dos titulares de sigilo fiscal quanto aos dados constantes da declaração do IRS. Note-se que isso já ocorre para todos os cidadãos quanto ao registo predial, comercial, automóvel. Todos podem pedir certidões de tudo e de todos, sem ter de explicar para quê”, diz ao Observador.

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"Quem tem vontade de ir para a política, tem que perceber que terá a vida sujeita a escrutínio e deve encarar isso com normalidade"
Álvaro Beleza

No projeto de lei sobre enriquecimento ilícito, que reforça o regime de controlo dos acréscimos patrimoniais não justificados ou não declarados dos titulares dos cargos políticos e equiparados, o PS já acrescenta uma obrigação aos políticos: a de “indicação total dos rendimentos brutos constantes da última declaração” de IRS ou “a desagregação com indicação das entidades pagadoras, no caso dos rendimentos do trabalho dependente ou, no caso do trabalho independente, quando se trate de regimes de avença”. Este projeto de lei foi aprovado na sexta-feira na generalidade em conjunto com todos os projetos de lei sobre esta matéria.

Atualmente, os titulares de cargos políticos são obrigados a preencher declaração de interesses no Tribunal Constitucional, mas não são obrigados a mostrar o IRS ou a discriminar as entidades que lhes pagam.

Quando rebentou o caso dos pagamentos feitos pela Tecnoforma, quando era deputado em regime de exclusividade, Pedro Passos Coelho começou por dizer que colaboraria apenas com o Ministério Público, uma vez que o caso começa com uma denúncia anónima à PGR. “Creio que a Procuradoria-geral da República sabe que da parte do primeiro-ministro, do cidadão Pedro Passos Coelho, tem toda a colaboração para, se existir algum inquérito ou investigação, poder obter toda a minha colaboração para esclarecer qualquer coisa que seja necessário esclarecer do ponto de vista da minha vida profissional durante esses anos”, garantiu.

Só mais tarde, com o avolumar de pedidos de explicação dos partidos da oposição, Passos – que alegou ter recebido montantes apenas a título de reembolso de despesas que não conseguiu quantificar – acedeu em divulgar o seu IRS através do Parlamento, que tinha essa informação arquivada. Depois, foi o caso da dívida à Segurança Social, em que também há dúvidas por esclarecer e que deve voltar ao primeiro plano do debate quinzenal, esta quarta-feira no Parlamento.

O atual secretário-geral do PS, António Costa, por seu lado, perante dúvidas sobre o apartamento que alugara em Lisboa até há pouco tempo, decidiu abrir a porta e responder às primeiras dúvidas levantadas.

“Temos de partir de um princípio que um homem público não tem o mesmo direito à privacidade que um cidadão normal”, insiste o professor catedrático da Universidade de Coimbra, Boaventura Sousa Santos – não numa lógica “sensacionalista” ou de devassa da vida privada, mas sim “dentro de um espírito republicano” onde não pode existir “mão pesada para os fracos e mão leve para os fortes e poderosos”.

Nesse sentido, Boaventura acredita que aqueles que ocupam cargos de soberania devem ser alvo de “uma fiscalização preventiva e proativa”, por exemplo um regime semelhante à lei brasileira conhecida como “Ficha Limpa” ou o que se vai fazendo nos EUA com os candidatos a cargos políticos. Para o universitário, criar um modelo “preventivo” idêntico não só serviria para “relegitimar a própria classe política” como para “desincentivar alguns que, perante um eventual escrutínio, hesitariam a candidatar-se a certos cargos”.É que, “nas últimas décadas, tem entrado na política muito gato por lebre”, afirmou.

Viriato Soromenho Marques, professor catedrático na Universidade de Lisboa, alinha no mesmo tom. “Não faz sentido nós exigirmos credenciais a um dentista, a um médico ou a um advogado, não exigirmos o mesmo a quem vai dirigir o futuro do nosso país”, afirmou ao Observador. “É preciso fazer mais. A nossa democracia tem estado a perder tempo”, diz.

Em 2010, um grupo de três deputados socialistas defendeu uma proposta, no âmbito do pacote de leis anti-corrupção, que permitia o levantamento parcial do sigilo fiscal para os políticos. A reação dos outros partidos foi de grande crítica e mesmo dentro do PS. Francisco Assis, à altura líder parlamentar travou a iniciativa, considerando que não era o mais adequado. Jorge Strecht Ribeiro, um dos deputados socialistas que queria avançar com a ideia, achava que, com o levantamento parcial do sigilo fiscal (sobre os rendimentos brutos) «as pessoas passariam a interiorizar um comportamento mais adequado, ter a noção de que o país sabe ou pode saber das suas manigâncias».

Os riscos são a "demagogia", "a coscuvilhice" e o "voyeurismo", alertam políticos de vários quadrantes.

Mas esta discussão tem os seus riscos. Para o ex-ministro socialista, Augusto Santos Silva, este tema da transparência “não é um issue“, considerando-o antes “uma espécie de campeonato demagógico”.

Dirigentes do PSD e CDS assumem, também, posições mais cautelosas sobre esta matéria de transparência de património ou rendimentos. O vice-presidente do PSD, José Matos Correia, considera que “hoje em dia já há um grande dever de controlo”, lembrando que o acesso às declarações de políticos no Tribunal Constitucional é livre.

É a favor de atitudes de maior transparência na vida pública, não só de políticos, como de altos funcionários da administração pública e de gestores de empresas públicas, mas, a seu ver, existe um limite à transparência e ao escrutínio: o limite é a “coscuvilhice”. Dá um exemplo, “uma pessoa que está casada com um político e que nunca fez nada na política deve ter que mostrar o IRS?”. Para o social-democrata, isso é “voyeurismo”. O exemplo dos EUA, para si, não tem só aspetos positivos. “Nos EUA pode-se fazer publicidade paga para denegrir adversários”, aponta.

Também Diogo Feio, vice-presidente do CDS, assume idêntica posição. “Não me parece muito razoável que exista a presunção de incumprimento de obrigações fiscais e financeiras de qualquer político”, afirmou ao Observador o dirigente do partido de Paulo Portas, que por várias vezes (em 2010, tal como este ano) criticou a tentação de se obrigar a fazer “striptease fiscal” dos políticos.

Um exemplo americano?

Mas do outro lado do Atlântico há quem tenha um entendimento diferente: o atual Secretário de Estado da Defesa norte-americano, Ashton Carter, antes de tomar posse, fez chegar ao Conselho Geral do Departamento da Defesa a sua declaração de interesses onde assumiu, entre outras coisas, as ligações da esposa à ABS Capital Partners, Inc, uma empresa de capital de risco com investimentos em algumas companhias com contratos com o Departamento da Defesa. Mais: nesse documento, Carter explicou também como ia evitar um eventual conflito de interesses, assegurando que não participaria em nenhuma decisão que envolvesse essas empresas.

“Duas das empresas detidas por estes fundos de investimento, a ISO Group e a Athletes’ Performance, foram contratadas pelo Departamento da Defesa (…) Assim, durante o tempo em que a minha cônjuge possua estes interesses, não participarei pessoal e substancialmente em nenhum assunto particular que, no meu entendimento, possa ter um efeito direto e previsível sobre os interesses financeiros de qualquer uma dessas entidades”, escreveu Ashton Carter na sua declaração de interesses, depois de sublinhar que iria abandonar todos os cargos que ocupava anteriormente.

Mas os exemplos de rigor não se esgotam aqui: há, por exemplo, uma lei norte-americana que define em que condições um senador, um oficial ou um funcionário do Senado pode receber um presente. E os critérios são apertados: um presente em dinheiro ou equivalente? Ilegal. Certo, não é dinheiro ou equivalente, mas tem um valor superior a 50 dólares? Impossível. Vem de algum lobista registado, agente estrangeiro ou entidade privada que empregue algum destes agentes? Tem de ser rejeitado. E, se ainda assim, os presentes estiverem em conformidade com a lei, não devem exceder o valor total anual de 100 dólares.

Existe, no entanto, uma exceção natural: se as prendas provierem de familiares não há qualquer proibição. Mas quando vêm de amigos, a história pode ser outra: se a prenda tiver um valor superior aos 250 dólares, o felizardo tem de pedir autorização escrita do Comité do Senado para receber o dito cujo, que avaliará, entre outras coisas, o grau de proximidade entre os amigos.

Estão ainda previstos os casos em que o presente provenha de um governo estrangeiro. Aí, a lei autoriza a aceitação do presente – neste caso, uma lembrança ou uma marca de cortesia – mas só se o valor não for superior a 100 dólares. Se for, então o representante do Senado pode aceitar o presente, de forma a não desrespeitar quem faz a oferta, mas não retê-lo – num prazo máximo de 60 dias tem de o entregar ao Secretário de Estado para ser destruído ou, quanto muito, pode mantê-lo enquanto estiver em funções.

Em 2010, quando Hillary era ainda a Secretária de Estado norte-americana, a Clinton Foundation recebeu uma doação da Argélia de 500 mil dólares, violando o acordo previamente definido com a Administração Obama. O caso está a criar controvérsia nos Estados Unidos.

A relação da classe política norte-americana com presentes e doações com origem em agentes ou governos estrangeiros é uma questão muito escrutinada nos Estados Unidos, até porque pode ter impactos significativos na política externa do país. Que o diga Hillary Clinton, que se viu recentemente no centro de uma polémica, depois de o Washington Post ter revelado que a organização de filantropia que a família criou – a Clinton Foundation – aceitou milhões de dólares de sete governos estrangeiros, durante o período em que Hillary era ainda Secretária de Estado.

Ora, antes de aceitar o cargo, em 2008, Hillary Clinton chegou a um acordo com a Administração Obama para definir um conjunto de condições sob as quais a Clinton Foundation poderia receber doações de governos estrangeiros – o risco, lá está, era que eventuais doações de governos com relações diplomáticas com os Estados Unidos condicionassem a Secretária de Estado.

O acordo, no entanto, não proibia todo o tipo de doações. Fazia antes depender das condições em que fossem feitas: por exemplo, se os governos estrangeiros tivessem um histórico de contribuições para a fundação, não havia restrições dessa ordem. Terá sido ao abrigo dessas exceções que a organização dedicada aos direitos humanos recebeu o apoio de vários países.

No entanto, em 2010, a Clinton Foundation recebeu ilegalmente uma doação de 500 mil dólares do Governo da Argélia para ajudar as vítimas do terramoto do Haiti, um país que estava a gastar milhões para pressionar o Departamento de Estado em questões de direitos humanos, como explica o Washington Post. Uma doação que está a causar desconforto no seio da família Clinton e da fundação, que já admitiu que deveria ter procurado a autorização do Governo norte-americano para aceitar a contribuição monetária.

Com uma eventual candidatura à Casa Branca no horizonte, a questão das doações de governos estrangeiros à Clinton Foundation poderá tornar-se uma arma de arremesso nas mãos da oposição republicana, mas Hillary já estará a tentar estancar as feridas: se a mulher de Bill Clinton formalizar a candidatura a Presidente dos Estados Unidos, a fundação já admitiu rever a sua política em matéria de doações de governos estrangeiros.

Quem não teve a mesma sorte foi John Kitzhaber, ex-Governador de Oregon, que foi obrigado a pedir a demissão depois de ser revelado que a sua noiva, Clivia Lynne Hayes, prestou serviços de consultadoria sobre política energética ao gabinete do Governador, enquanto trabalhava simultaneamente para uma companhia com interesses na matéria.

A reincidência de Clivia – já em 2010 tinha sido alvo das mesmas acusações – ditaram a demissão de Kitzahaber, apenas três meses depois de ter conseguido uma quarta eleição para o cargo, algo sem precedentes na história norte-americana. Quando, a 13 de fevereiro, apresentou a demissão, o ex-Governador de Oregon afirmou que não podia “em sã consciência” continuar a ser um elemento a “minar” a integridade do Estado. “Sempre tentei fazer a coisa certa. Agora, a coisa certa a fazer é afastar-me”, afirmou Kitzahaber.

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