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A rejeição de um transplante de medula óssea pode trazer complicações graves para o doente. Encontrar uma solução para este problema é o objetivo de um projeto coordenado por Portugal, com início em 2015, que é o que tem maior financiamento europeu (seis milhões de euros). Além das melhorias na saúde, também a utilização eficiente da energia ou a exploração responsável da água, estão em destaque nos projetos de coordenação portuguesa com maior financiamento pela União Europeia.
Estes projetos na área da investigação clínica em medicina regenerativa, impacto das alterações climáticas no ciclo da água e redes de distribuição de energia são apenas alguns exemplos dos 290 projetos financiados em Portugal pela Comissão Europeia, ao abrigo do programa de investigação e inovação Horizonte 2020. Destes, 65 têm coordenação portuguesa.
Os centros de investigação, instituições de ensino superior e empresas, em Portugal, submeteram 1.971 candidaturas num total de 7.990 milhões de euros, neste primeiro ano do programa Horizonte 2020. Portugal conseguiu 140 milhões de euros que Portugal com as candidaturas de 2014, segundo o Ministério da Educação e Ciência (MEC). As instituições conseguiram assim mais financiamento do que nos anos anteriores: 126 milhões de euros em 2013 e 110 milhões de euros em 2012.
Este fundo de financiamento conta com a colaboração de todos os Estados-membros, tendo Portugal contribuído este ano com cerca de 120 milhões de euros, que corresponde a 1,24% do financiamento europeu.
Pôr um travão no sistema imunitário
O nosso sistema imunitário tem uma missão importante: identificar inimigos e exterminá-los. Mata vírus e bactérias, ataca células cancerígenas e combate outros corpos estranhos, como os enxertos (transplantes). Mas a capacidade para nos defender tão bem torna-se por vezes um problema, especialmente no caso dos transplantes que nos podem salvar a vida. Descobrir formas de manipular as respostas imunitárias é um dos objetivos da equipa de João Forjaz de Lacerda, investigador no Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
No caso dos transplantes, o órgão do dador deve ser tão compatível quanto possível com o recetor (doente) para minimizar o risco de rejeição. Mas mesmo dentro das exigências dos transplantes, a medula óssea é um caso particular. Por um lado, trata-se de um transplante líquido, como se fosse uma transfusão de sangue. Por outro, as células transplantadas vão originar novos glóbulos vermelhos (que transportam o oxigénio), novas plaquetas (que participam na coagulação do sangue) e glóbulos brancos (que participam na resposta imunitária).
Os testes de compatibilidade são hoje mais apurados do que eram há 10 anos, mas daqui a 20 anos ainda serão melhores, disse ao Observador João Lacerda, que também é médico no Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Mas lembra que apesar do elevado grau de compatibilidade os glóbulos brancos “já vêm do dador completamente educados”, tomam o corpo do hospedeiro como estranho e reagem contra ele, dando origem à doença do enxerto contra hospedeiro.
Entre 25 a 50 % dos doentes podem apresentar uma reação imunitária nos primeiros três meses depois do transplante – manifestações na pele, diarreia ou alterações no fígado -, trata-se da fase aguda da doença que pode passar ao fim de pouco tempo. Depois as células hematopoiéticas (que vão dar origem aos vários tipos de células do sangue) do dador, começam a dar origem a novos glóbulos brancos que, como são “educadas” no hospedeiro, aprendem a reconhecê-lo e deixam de o atacar. Porém, em 30 a 50% dos doentes, os glóbulos brancos continuam a reagir contra o hospedeiro e a doença torna-se crónica, afetando a pele, boca, olhos, pulmões, tubo digestivo, fígado, aparelho genital, músculos e articulações.
Mas o sistema imunitário também tem um sistema de “travão”, as células-T (um tipo de glóbulos brancos) reguladoras que têm como função suprimir a resposta imunitária. A equipa do Laboratório de Hematologia e Imunologia da Transplantação do IMM e respetivo consórcio do projeto TREGeneration pretende passar estas células T supressoras do dador no recetor do transplante e ver se as células-T transplantas conseguem controlar a resposta imunitária, impedindo o desenvolvimento da doença do enxerto contra hospedeiro.
O projeto financiado pelo programa Horizonte 2020 em cerca de seis milhões de euros é coordenado pela equipa do IMM (que tem atribuídos cerca de 1,5 milhões de euros). O objetivo é conduzir quatro ensaios clínicos em simultâneo – Portugal, Alemanha, Bélgica e Itália – para testar a segurança e eficácia de três concentrações diferentes de células-T supressoras do dador.
Ensaios clínicos de Fase I e II, como este, são raros em Portugal, por isso é importante aproveitar esta oportunidade, refere João Lacerda. Cada ensaio clínico vai incluir 22 doentes que não estão a responder aos tratamentos normalmente utilizados – cortisona e ciclosporina. “Todos os doentes, em Portugal, que têm indicação para fazer este tipo de tratamento, vão ser tratados enquanto o ensaio estiver a decorrer.”
Já há três doentes portugueses incluídos no primeiro grupo do ensaio clínico, aquele que tem a concentração mais baixa de células T. Se o tratamento se mostrar seguro neste grupo de cinco doentes, o segundo grupo de cinco indivíduos receberá uma concentração mais alta. Se a segurança se confirmar no segundo grupo, o terceiro grupo receberá a dose mais alta. O último grupo de sete doentes receberá a dose mais alta que se tenha mostrado segura. O projeto tem uma duração prevista de cinco anos.
Crise da água: o maior risco global
O Fórum Económico Mundial considerou, em 2015, que a crise da água (water crises) era o maior risco global em termos de impacto. Maior ainda do que a crise financeira. E parte do problema reside nas alterações climáticas e nos fenómenos extremos previstos por alguns cenários – secas extremas, cheias e catástrofes que destroem infraestruturas humanas. A água, em particular, não conhece fronteiras e os impactos num sistema vão certamente afetar os sistemas que lhe são contíguos – basta imaginar um rio que atravessa vários países e que lhes fornece água de consumo ou que é retido nas barragens para produção de eletricidade.
Avaliar que impacto terão as alterações climáticas no ciclo da água, considerando as águas superficiais, subterrâneas e costeiras, é um dos objetivos do projeto BINGO coordenado pela equipa do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Serão criados modelos que permitem prever cenários a 10 ou a 15 anos numa “escala muito fina”, tanto a nível temporal como espacial, refere ao Observador Rafaela Matos, diretora do Departamento de Hidráulica e Ambiente do LNEC. “É possível analisar as variações hora a hora e por cada quilómetro quadrado.”
Mas além de valorizar a parte técnica, a engenheira que trabalha há mais de 35 anos em assuntos relacionados com o ciclo da água também está motivada pela participação das várias partes interessadas no projeto. “Todas as pessoas devem conhecer o problema para fazerem parte da solução.” Por isso, as 20 instituições dos seis países do consórcio vão incluir os utilizadores finais na construção de um conjunto de soluções de gestão de risco e de adaptação mediante os cenários previstos pelos modelos.
“É um problema de todos e precisamos de nos unir”, incentiva Rafaela Matos. “É preciso informar os destinatários [utilizadores finais] e envolvê-los no processo de decisão desde o início.” Partindo de uma estrutura validada cientificamente, a investigadora quer chegar a uma solução validada pelas pessoas, pelas partes envolvidas. “Só uma proposta cientificamente válida não chega. É preciso saber comunicar e mostrar que o problema vai ajudar a sociedade.” A investigadora acredita que foi esta dimensão de diálogo e de trabalho conjunto na busca de soluções que permitiu que o projeto fosse selecionado.
Para ver a informação no mapa, passe o cursor sobre a imagem e carregue nos pontos amarelos.
Em Portugal, a equipa vai ter como caso de estudo o rio Tejo e quer envolver uma empresa de fornecimento de água (Empresa Portuguesa das Águas Livres), agricultores e municípios (representados pela Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo). Por cá a preocupação centra-se no abastecimento de água para consumo e para rega, na produção de energia elétrica, na poluição e aumento da salinidade – caso a maré entre mais no rio do que é suposto.
A Noruega está preocupada com as secas e a descida do nível das águas nos lagos, já Barcelona está mais preocupada com as cheias e com a forma como isso pode afetar o turismo balnear. A Holanda não quer perder a água do subsolo e a Alemanha quer saber como pode gerir as descargas industriais. O Chipre, em pleno mar Mediterrâneo, tem muitas questões com que se preocupar, como escassez de água, segurança alimentar ou pressão turística.
A diversidade dos casos de estudo – com diferentes atividades económicas e problemas distintos – vai permitir partilhar, com as devidas adaptações, os resultados com qualquer país do mundo. Do projeto, que arrancou oficialmente dia 10 de julho e que durará quatro anos, irá resultar um portefólio que reúne as lições aprendidas, as soluções propostas, assim como as dificuldades e contingências de cada uma. Este é um dos projetos coordenados por Portugal que conseguiu maior financiamento global – 7,8 milhões de euros -, com uma das maiores parcelas atribuídas às instituições portuguesas dentro destes projetos – 1,9 milhões de euros.
Energia à medida
Os 28 Estados-membros da União Europeia chegaram a acordo quanto às metas a atingir em 2030 em relação ao uso de energias renováveis, emissão de gases com efeito estufa e eficiência energética. Portugal tem conseguido bons resultados no que diz respeito à contribuição das energias renováveis e diminuição das emissões, mas em termos de eficiência energética continua com um mau desempenho.
O nível de eficiência energética dos eletrodomésticos tem aumentado, mas os fracos isolamentos das casas continuam a exigir um consumo de energia adicional para o aquecimento ou arrefecimento dos edifícios. Adicionalmente, os consumos não estão sincronizados com a produção, continuando a existir momentos em que a energia elétrica não é plenamente aproveitada e outros em que a rede pode não corresponde aos requisitos dos consumidores.
“Atualmente estamos perante novas cargas, como o ar condicionado ou os carros elétricos”, referiu Luís Seca, coordenador-adjunto do Centro de Sistemas de Energia do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Tecnologia e Ciência (Inesc Tec-Porto), e a rede pode não comportar vários equipamentos deste tipo ligados ao mesmo tempo.
Conhecer os padrões de consumo dos clientes domésticos e relacioná-los com a variação da produção de eletricidade ao longo do dia poderia permitir aos operadores de energia negociarem com os clientes melhores preços, ao mesmo tempo que rentabilizavam a energia disponível na rede. Criar uma plataforma que identifique estes padrões de consumo individuais e que estabeleça a ponte com as empresas é o objetivo do projeto AnyPLACE, coordenado pelo Inesc Tec-Porto.
Luís Seca usou como exemplo a Alemanha, onde vai decorrer o estudo piloto desta plataforma. “O pico de produção de eletricidade a partir da energia solar é à hora de almoço, mas a essa hora os consumos são mais baixos. Como a rede não está preparada para esses picos de produção, esta eletricidade de baixo custo é desperdiçada”, explicou ao Observador. “[A rede] podia estar a usar um recurso renovável, mas não consegue porque não é capaz de receber tanta potência.”
Com a informação sobre os consumos que é recolhida na plataforma, os clientes passam a conhecer os seus hábitos e necessidades, bem como os momentos em que poderão reduzir o seu consumo mediante compensações económicas no custo da energia, explica Luís Seca. Estas compensações poderão ter lugar porque as empresas comercializadoras passam a poder explorar a flexibilidade disponível dos clientes para negociar melhores preços de energia em mercado.
“Cada pessoa tem o direito de fazer os consumos à hora que quer”, lembrou Luís Seca. Mas o investigador referiu que as pessoas podem ser induzidas a mudarem os comportamentos caso ganhem com isso, como uma poupança na conta da eletricidade. “A ideia é adaptar comportamentos sem comprometer o bem-estar do indivíduo”, acrescentou.
O projeto, que tem um custo total de quase três milhões de euros (dos quais 2,5 milhões de euros atribuídos a instituições portuguesas), pretende desenvolver uma plataforma barata (até 100 euros por equipamento) e que possa ser usada em qualquer sistema de fornecimento de eletricidade – independentemente da empresa ou país. Ao longo dos três anos do projeto, além do desenvolvimento tecnológico propriamente dito, o consórcio que junta oito entidades da Alemanha, Áustria, Bélgica e Portugal, pretende confirmar se este conceito de gestão da energia funciona e se será bem recebido pelos clientes.
Mas Luís Seca lembrou que o objetivo do projeto é “desenvolvimento e demonstração e não um projeto de investigação industrial”. Embora as empresas parceiras portuguesas – Efacec e Bosch – possam vir a incorporar a tecnologia desenvolvida nos equipamentos que fabricam, não se espera que se tornem produtores deste tipo de equipamento. A investigação ficará feita e os resultados estarão disponíveis para quem considerar relevante colocar a plataforma no mercado.
Atualização: a primeira tabela foi corrigida, dia 1 de setembro, às 19 horas