As primárias republicanas vão ser concorridas. Entre favoritos, caras mais ou menos conhecidas e até uma estreia na esfera política somam-se já dez candidatos que aspiram vencer as eleições presidenciais de 2024. Para já o cenário é dominado pelo ex-Presidente Donald Trump e por Ron DeSantis, governador da Flórida, que seguem à frente nas sondagens. Mas só esta semana juntaram-se à corrida três novos nomes.
O destaque vai para Mike Pence, vice-presidente norte-americano durante a administração de Trump, que esta quarta-feira oficializou o frente a frente com o seu antigo aliado. “O Presidente Trump exigiu que escolhesse entre ele e a Constituição. Agora os eleitores serão confrontados com a mesma escolha”, afirmou num comício durante a tarde, em que aludiu à invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
Esta semana também oficializaram a entrada nas primárias republicanas Chris Christie, ex-governador de Nova Jérsia, e Doug Burgum, governador de Dakota do Sul. Mas numa corrida tão populada quem pode sair beneficiado? A resposta parece ser unânime: Trump. “O grande número de candidatos entre os republicanos coloca-o numa boa posição nesta fase do processo”, explica ao Observador Todd Landman, especialista em política norte-americana da Universidade de Notthingham. No mesmo sentido, Christopher Phelps, professor na mesma instituição, aponta que o amplo campo de candidatos nesta fase significa que Trump se está a sair bem. John Mark Hanssen, da Universidade de Chicago, não discorda. Recorda como nas eleições de 2016 Trump conseguiu sair vitorioso com a força de um grupo central de eleitores que representavam cerca de 25% a 30% dos republicanos que votam nas primárias.
Numa altura em que nada está decidido, os para já dez candidatos preparam-se para a longa caminhada que poderá ou não terminar com sucesso a 5 de novembro do próximo ano, data em que a Convenção Nacional do Partido Republicano escolhe o candidato que vai defrontar o atual Presidente Joe Biden.
Os aspirantes republicanos à Casa Branca
Donald Trump
O antigo líder norte-americano não perdeu tempo a anunciar a sua candidatura à presidência, por “amor” e para “salvar” o país do “tempo de dor e desespero”. Donald Trump sempre recusou aceitar a derrota nas eleições frente a Joe Biden e sonha agora regressar à Casa Branca em 2024. Apesar de ter perdido alguma influência no seio do Partido Republicano e de ser alvo de vários processos de investigação — é o primeiro ex-Presidente dos EUA a enfrentar acusações criminais –, mantém uma base sólida de apoiantes.
Muitos republicanos uniram-se em sua defesa depois de ter sido indiciado pelo tribunal de Nova Iorque, onde se declarou inocente de 34 acusações de falsificação de registo comercial, envolvendo alegados subornos à atriz pornográfica Stormy Daniels. Neste momento o nome de Trump surge na liderança das sondagens das primárias republicanas, a uma distância significativa dos seus opositores. Com apenas algumas exceções, os seus rivais têm evitado criticá-lo diretamente.
Ron DeSantis
O governador da Flórida escolheu a plataforma Twitter Spaces para anunciar, no final de maio, uma candidatura já antecipada às primárias republicanas. Numa conversa com o empresário Elon Musk, marcada por várias falhas técnicas, Ron DeSantis, de 44 anos, assumiu-se como o candidato contra o “vírus woke” e que vai “revitalizar” a América numa campanha com o slogan “O grande regresso americano”. Neste momento é apontado como o principal rival de Trump.
DeSantis, que se tornou um figura de destaque do Partido Republicano, tem a seu favor a recente reeleição na Flórida (somou 59,6% votos). O seu mandato ficou marcado pela postura descontraída na resposta à pandemia de Covid-19; pelo bloqueio da proposta para ministrar nas escolas secundárias uma nova disciplina sobre estudos afro-americanos; e pela aprovação da “Lei dos Direitos Parentais na Educação”, que ficou conhecida como a lei “Don’t say gay” (em português, “Não digas gay”) e prevê limitações à forma como os assuntos relacionados com a identidade e orientação de género são ensinados nas escolas públicas. Esta alteração foi um dos fatores que o colocou em rota de colisão com a Walt Disney Corporation — muito crítica da proposta –, que abriu um processo judicial contra o governador por tentar ganhar controlo administrativo da área onde se situam os seus parques temáticos. Uma batalha legal que, segundo noticiou a Reuters, enervou alguns dos seus apoiantes.
Mike Pence
O antigo vice-presidente dos EUA é o mais recente concorrente na corrida às primárias republicanas. O anúncio da candidatura surgiu depois de passar vários meses a viajar por estados chave para apresentar o seu livro “So help me God” — num aparente teste à candidatura presidencial –, enquanto se apresentava como um “cristão, conservador e republicano, nessa ordem”. Nas recentes aparições públicas, o ex-governador do estado do Indiana tem sido claro na defesa da proibição do aborto a nível nacional, apesar da reação de contestação à anulação do processo Roe vs. Wade ter tornado alguns republicanos mais cautelosos sobre o assunto.
Pence foi entre 2016 e 2020 o número dois de Trump, mas assumiu agora o frente a frente com o antigo aliado, depois de um afastamento provocado pela pressão do ex-Presidente para que certificasse os resultados eleitorais que deram a vitória a Joe Biden. O desacordo entre os dois agravou-se quando, em janeiro de 2021, manifestantes pró-Trump invadiram o Capitólio, gritando “Hang Mike Pence”. Pence estava no interior do edifício com a família e acabou mais tarde por acusar Trump de o ter colocado — juntamente com os familiares — em perigo. E chegou a testemunhar sobre o episódio perante um conselho especial de investigação — a primeira vez na história moderna em que um vice-presidente foi compelido a testemunhar sobre um Presidente que serviu.
Chris Christie
O ex-governador de Nova Jérsia formalizou a candidatura no início desta semana. Vai a jogo pela segunda vez, depois de ter concorrido às primárias republicanas em 2016, corrida da qual acabou por desistir, acabando por emprestar o seu apoio a Donald Trump. Chegou a liderar, ainda que brevemente, a equipa de transição presidencial nesse ano, mas a relação de amizade não durou. Trump ainda estava na Casa Branca quando Chris Christie começou a reinventar-se como um dos seus críticos mais ferozes.
Nos últimos meses, Christie intensificou as visitas a estados como New Hampshire, contactando com apoiantes por todo o país. Apresenta-se como “o único candidato que pode enfrentar Donald Trump e dizer a verdade” aos norte-americanos. “Todos os outros republicanos acham que podem andar em bicos de pés perto junto dele. Eu não o farei”, garantiu.
Nikki Haley
A ex-governadora do estado de Carolina do Sul e embaixadora das Nações Unidas durante a administração Trump, apresentou-se perante os republicanos como a representante “de uma nova geração de liderança”, em busca de uma América “forte e orgulhosa” e não “fraca e woke”. Ao longo da sua campanha, Nikki Haley, de 51 anos, tem destacado a sua relativa juventude em comparação com Biden e Trump – na altura das eleições terão respectivamente 81 e 77 – e a sua experiência como filha de imigrantes indianos.
Haley anunciou a sua candidatura cedo, enquanto outros potenciais candidatos procuravam ganhar tempo, tornando-se a primeira oponente oficial de Trump. No entanto, as suas mudanças de posição sobre o ex-Presidente podem mostrar-se uma desvantagem. Se em 2021, após a invasão do Capitólio, disse que o ex-Presidente seria “julgado duramente pela história”, mais tarde chegou a assumir que não iria concorrer se Trump se juntasse à corrida eleitoral. Se vencer as primárias, Haley será a primeira mulher e a primeira candidata presidencial asiática-americana dos republicanos.
Tim Scott
O senador do Estado da Carolina do Sul é visto por muitos como um candidato mais moderado, adotando uma mensagem de otimismo. À semelhança de Haley, Tim Scott tem-se apoiado fortemente na experiência pessoal ao longo da campanha. Nascido na pobreza e filho de uma mãe solteira, tem baseado a sua mensagem política na ideia do “sonho americano” e, pelo meio, tem deixado fortes críticas ao Partido Democrata e à atual administração. “Joe Biden e a esquerda radical estão a atacar cada degrau da escada que me ajudou a subir”, afirmou no discurso de candidatura, em que enfatizou o progresso do país nas questões raciais, proclamando, como é habitual, que os EUA não são uma nação racista.
Tim Scott é o único senador afro-americano do Partido Republicano no Senado dos EUA. Apesar da popularidade na Carolina do Sul – regra geral um estado decisivo nas primárias republicanas –, tem pouco reconhecimento fora do estado natal. No entanto, joga a seu favor o facto de contar com o apoio de vários dos principais doadores republicanos. Segundo o Washington Post, o candidato começou com 22 milhões de dólares, a que somou alguns milhões do Comité de Ação Política que o apoia, e onde se destaca o magnata Larry Ellison, cofundador da Oracle.
Asa Hutchinson
Depois de oito anos na liderança do estado de Arkansas, um cargo que deixou em janeiro deste ano, Asa Hutchinson avançou com uma candidatura para desafiar o Partido Republicano a olhar para lá de Donald Trump. De facto, o ex-governador tem sido uma das poucas vozes entre os republicanos a criticar abertamente o ex-Presidente. Denunciou os esforços de Trump para rejeitar os resultados eleitorais de 2020 e chegou a afirmar que o seu papel na invasão do Capitólio o “desqualificava” para um novo mandato na Casa Branca.
Hutchinson tem a favor a longa carreira em cargos públicos. Antes dos dois mandatos como governador foi procurador, congressista, bem como administrador da agência norte-americana de combate ao tráfico de droga (DEA) e da Diretoria de Segurança de Fronteiras e Transportes do Departamento de Segurança Interna, este último durante a administração de George Bush. Apesar do currículo extenso, é pouco conhecido fora do estado natal. À semelhança de outros candidatos tem pela frente uma campanha pelo país para dar a conhecer o seu nome.
Vivek Ramaswamy
Entre os candidatos anunciados, o milionário Vivek Ramaswamy é o outsider da esfera política. O empresário e autor do livro “Woke, Inc.: Inside Corporate America’s Social Justice Scam” foi o terceiro a anunciar a entrada na corrida às primárias republicanas, em fevereiro. Apesar de ser conhecido por um segmento de conservadores, não tem o reconhecimento de alguns dos outros opositores, com extensas carreiras políticas.
Ramaswamy está a construir a campanha na oposição ao “Wokismo”, tema comum para os conservadores que criticam os programas de orientação de género. Com o conflito na Ucrânia a marcar o último ano, assumiu que, se for eleito, vai “acabar com a guerra” ao pôr fim ao apoio a Kiev e negociar uma paz com Moscovo. Um objetivo no esforço para “cessar a crescente aliança militar da Rússia com a China”.
Larry Elder
O proeminente apresentador de rádio não se deixou desanimar pelo insucesso na tentativa de derrotar Gavin Newsom para governador da Califórnia e viu uma oportunidade nas primárias republicanas. O conservador anunciou a candidatura em abril e, depois de mais de uma década nas rádios norte-americanas, tem a favor a capacidade de comunicação.
Durante a candidatura para governador, como recorda o Washington Post, defendeu a eliminação do salário mínimo e a decisão de as entidades empregadoras perguntarem a candidatas mulheres se pretendiam engravidar. Também se posicionou ao lado de Trump, apoiando a alegação de que as eleições presidenciais de 2020 foram fraudulentas.
Doug Burgum
Com uma carreira como empresário no setor da tecnologia, Doug Burgum deu um volta de 180.º graus e voltou-se para a política. Começou por ser eleito como governador do estado de Dakota do Norte, em 2016, altura em que obteve quase 77% dos votos.
Foi só esta quarta-feira que anunciou a candidatura, já antecipada, às primárias republicanas, mas é visto como um dos concorrentes com menos hipóteses. Burgum pretende traçar uma agenda para ajudar o país a adaptar-se a uma economia em rápida mudança e a enfrentar as ameaças mais prementes à segurança nacional.
O que dizem as sondagens?
Ainda antes de todos os candidatos terem oficializado a sua entrada nas primárias republicanas, as sondagens já apontavam que iria tratar-se, essencialmente, de uma corrida a dois. Isto porque, sem grandes surpresas, dois nomes se destingiam da lista de prováveis concorrentes: Donald Trump e Ron DeSantis. Para isso há uma explicação simples: “Normalmente, as primárias rapidamente se tornam disputas entre dois candidatos, uma vez que os eleitores deixam de lado os candidatos sem esperança e oferecem o seu apoio ao favorito ou ao seu principal oponente”, explica John Hanssen, da Universidade de Chicago.
Em maio, uma sondagem da Ipsos já colocava o ex-Presidente norte-americano e o governador da Flórida na liderança das intenções de votos, ainda que a uma distância considerável entre si. Enquanto Trump reunia 49% do apoio dos potenciais eleitores, DeSantis somava 19%. Nesse levantamento os restantes candidatos seguiam a uma grande distância: Mike Pence com apenas 5%, Nikki Haley com 4%. Outros mal entravam para contas — Chris Christie e Tim Scott tinham apenas 1% das intenções de voto.
Dados mais recentes da Morning Consult mostram que o ex-Presidente norte-americano continua a liderar na corrida às primárias republicanas, com 56% das intenções de votos. A uma distância considerável segue novamente o seu rival mais direto, DeSantis, com 22%. Mais atrás na tabela aparece Pence, num terceiro lugar em que soma apenas 7% das intenções de voto. No fundo da lista seguem Haley, Scott e Ramaswamy, com 3%, e Christie e Asa Hutchinson ficam-se por 1%.
Os analistas políticos estimam que para assegurar uma nomeação Trump possa contar com os apoiantes do seu núcleo duro, que compõem pelo menos um terço dos eleitores republicanos. Por outro lado, para ter alguma esperança de sair vitorioso, DeSantis tem de apelar aos restantes setores republicanos. Isso pode provar-se difícil numa corrida com tantos candidatos, cuja entrada pode provavelmente desviar votos da possível base de apoio do governador da Flórida.
A campanha de DeSantis assume ver um eleitorado dividido em três: os “apenas Trump”, que valem 35%; os “nunca Trump”, 20%; e os restantes 45% como o espaço que DeSantis ambiciona. Em áudios privados dirigidos aos doadores, que foram divulgados e publicados online, um conselheiro do governador reconheceu que cada nova entrada na corrida dos republicanos está apenas a afetar os votos do segmento “nunca Trump”. “Se o teu nome não é RonDeSantis ou DonaldTrump, está a dividir essa parcela do eleitorado”, afirmou, citado pelo New York Times.
DeSantis não acredita numa repetição do cenário de 2016, em que Trump saiu vitorioso. Mas, segundo os dados da Morning Consult, a sua base de apoio está “estagnada” desde que apresentou a candidatura. O governador da Flórida segue atrás de Trump por 34 pontos percentuais entre os eleitores primários do Partido Republicano, uma posição semelhante à que detinha antes de lançar sua campanha a 24 de maio. A empresa nota ainda que um quarto dos potenciais eleitores primários relatam ter ouvido algo negativo sobre DeSantis na semana passada, que teve a maior participação desde o início do levantamento, no final de novembro.
Por seu turno, Mike Pence entra em jogo numa campanha em que se assume como um defensor da Constituição norte-americana. Nas sondagens aparece em terceiro lugar, por agora longe de alcançar o patamar de DeSantis. Esta quarta-feira, dia em que celebrou o 64.º aniversário, escolheu Iowa como palco para lançar a sua candidatura. É esperado que o candidato à Casa Branca venha a passar muito tempo neste estado, uma vez que é uma região onde a posição conservadora de linha dura em temas como o aborto pode ter adesão junto dos eleitores evangélicos.
Um Trump mais “vulnerável”, DeSantis estagnado e Pence em rota para “afundar”
Os candidatos têm um longo caminho a percorrer até à Convenção Nacional do Partido Republicano para escolher o adversário dos democratas em 2024. Apesar de a corrida ainda estar na fase inicial, o analista Christopher Phelps não espera grandes surpresas nos próximos meses. Vê DeSantis como o candidato com mais hipóteses para derrotar Trump, que, ao contrário de 2016, descreve como “vulnerável”. O professor da Universidade de Notthingham reconhe, apesar de tudo, que a nomeação de Trump “vai ser difícil de parar”.
De facto, Trump chega às votações do próximo ano num panorama muito diferente do de 2016. Sobre si pende a memória da recusa em aceitar os resultados eleitorais que deram a vitória a Biden, a polémica sobre a posse de documentos confidenciais e, sobretudo, o rótulo de primeiro ex-Presidente dos EUA a enfrentar acusações criminais. “Se a justiça norte-americana avançar com acusações, os processos legais vão decorrer paralelamente às primárias republicanas, enquanto que o julgamento do caso de Nova Iorque está marcado para março de 2024, no pico da época das primárias”, refere Todd Landman.
Também John Hanssen crê que DeSantis é, entre todos os candidatos, o que tem mais hipóteses de sair vitorioso num confronto com Trump. Por momentos o professor da Universidade de Chicago viu no governador da Flórida uma possível “alternativa” dos republicanos para o novo ciclo eleitoral. O cenário que lhe parece agora “cada vez menos provável”, numa altura em que o candidato continua sem subir nas sondagens.
O futuro de Mike Pence não parece melhor. O candidato surge nas últimas sondagens em terceiro lugar, mas os analistas ouvidos pelo Observador não são otimistas quanto à candidatura recém apresentada. Christopher Phelps não vê como o candidato possa ir longe e antecipa um cenário em que o candidato se vai “afundar muito rápido”. “Os eleitores de Trump não o vão aceitar, já que Trump o difamou implacavelmente, enquanto os que se sentem desconfortáveis com Trump vão vê-lo manchado pela longa associação. Ele perde nos dois sentidos”, sublinha.
Por outro lado, Todd Landman admite que Pence consiga roubar alguns apoiantes de Trump, mas sublinha que esta base o vê como um “traidor” por não se ter oposto ao resultado das eleições de 2020. Já Mark Hanssen espera que o candidato esteja fora da corrida bastante cedo. “Está a concorrer à presidência dos Estados Cristãos da América (…), mas Trump já tem seu eleitorado de base: evangélicos brancos”, refere. Considera que Pence saiu a perder na relação com o ex-Presidente, que apesar de tudo o “resgatou” de uma derrota bastante provável para a reeleição como governador de Indiana. “Do ponto de vista de Pence, era um ótimo negócio na altura, mas agora não tanto. Fez um trabalho para Trump demasiado bem”.