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Chega perdeu dezenas de autarcas e há militantes que continuam a tornar-se independentes
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Chega perdeu dezenas de autarcas e há militantes que continuam a tornar-se independentes

(Rui Oliveira/Observador)

Chega perdeu dezenas de autarcas e há militantes que continuam a tornar-se independentes

(Rui Oliveira/Observador)

Um ano e meio depois, Chega já perdeu três dezenas de autarcas e admite "erros de casting graves"

Chega desvaloriza as saídas e reconhece que houve "erros de casting" durante a preparação das listas candidatas às autárquicas. Quem bateu com a porta atira à falta de reconhecimento: "Usaram-nos."

Aquela noite de 26 de setembro de 2021 foi de glória para André Ventura, que não escondeu que os 397 autarcas eleitos representavam o “dia da implantação nacional” do Chega, naquelas que foram as primeiras autárquicas do partido. Um ano e meio depois o partido já perdeu pelo menos 31 autarcas que passaram a independentes, aos que se somam ainda os que renunciaram aos cargos por estarem desalinhados (e foram substituídos pelos membros seguintes na lista do Chega).

O número não tem parado de aumentar, mas o Chega não só desvaloriza como admite que tenham existidos “erros de casting graves” tendo em conta o crescimento exponencial do partido e a forma como chegou a todo o território nacional — o objetivo das eleições era que o Chega conseguisse presença em todos os boletins de voto do país.

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Era preciso “correr o risco” para atingir essa meta, recorda Bruno Nunes, coordenador autárquico do Chega, enquanto faz uma análise ao último ano e enaltece a existência de uma “seleção natural que não foi possível fazer no início”.

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Havia um contexto e uma necessidade de crescimento e implantação, o Chega não o nega e admite que a situação permitiu a entrada de pessoas que, diz o coordenador ao Observador, tinham “objetivos pessoais” e quando puderam “aceitaram pelouros” nas câmaras. Ou seja: na hora da verdade, preferiram o cargo a seguir as indicações do Chega. “As pessoas percebem que um partido que cresceu de forma rápida teve erros de casting graves”, sublinha, garantindo que numas próximas eleições terá de haver um crivo mais seletivo.

Os números mais preocupantes para o Chega são os vereadores: em 19 eleitos, o partido já ficou sem seis. Meia dúzia de posições em câmaras por todo o país que deixaram de pertencer ao partido de André Ventura e que estão hoje nas mãos de independentes — alguns até ao lado de forças políticas com quem o líder do partido proibiu negociações, como é o caso da CDU.

Um arranque atribulado

Ainda não tinha passado um mês da alegria de Ventura com o resultado nas urnas e já o Chega tinha de lidar com um (primeiro) problema autárquico: o partido votou a favor de duas listas da CDU no Seixal e ajudou a viabilizar, através da abstenção, a presidência da Assembleia Municipal. Na altura, Bruno Nunes falava de um “erro de comunicação” e deixava claro que nenhum autarca devia aceitar pelouros e nem sequer sentar-se para negociar com o PCP.

Chega votou a favor de duas listas da CDU no Seixal e vai ajudar a viabilizar, com abstenção, presidência da Assembleia Municipal

O caso acabou por ter repercussões com a perda de dois vereadores, que primeiro saíram pelo próprio pé, tornando-se independentes, mas que o Chega fez questão de lhes retirar a confiança política algum tempo depois. Aos olhos de André Ventura, que fez o anúncio em conferência de imprensa, os autarcas beliscaram o ADN do partido, que se assume “antissistema”, e assumiram uma posição “inadmissível” ao aproximarem-se da CDU.

Tanto Márcio Souza, eleito vereador em Sesimbra pelo Chega, como Henrique Freire, autarca na câmara do Seixal, acabaram por aceitar pelouros nas autarquias comunistas, sendo que o último só o fez vários meses depois de se afastar. Em Sesimbra, Márcio Souza ficou responsável pelo pelouro da Proteção Civil; no Seixal foi oferecido a Henrique Freire o da Fiscalização. Uma traição para o Chega, algo natural para Márcio Souza, que chegou a dizer ao Observador que se tratava de uma forma de fazer política com resultados e deixar de ser apenas “do contra”.

Acusações de xenofobia, alianças improváveis e política feita a beber minis. A história improvável de (mais) um vereador que o Chega perdeu

Mas não se ficou por aí: seguiram-se Cidália Figueira, de Moura; Ivo Pedaço, da Moita; Luís Forinho (que já tinha ocupado o lugar após uma renúncia de Diamantino Graça), no Entroncamento; e Nuno Afonso, em Sintra. Seis vereadores perdidos a nível nacional, três deles no distrito de Setúbal, onde o Chega ficou sem qualquer vereação.

As razões apontadas para as saídas são idênticas: falta de liberdade dentro do partido, pouco espaço para troca de ideias, acusações de falta de apoio e de reconhecimento das estruturas locais e nacionais e falta de democracia interna — um detalhe que tem levado a críticas internas que vão muito além das que são feitas por autarcas.

Cidália Figueira, na altura, cortou a ligação ao Chega e passou a independente por “divergências políticas”, ainda que o partido tenha chegado a sugerir que já tinha estado em cima da mesa uma retirada de confiança política por uma “ligação existente entre a eleita do Chega e o PS”. Neste caso em particular, a vereadora eleita pelo Chega tem uma grande capacidade de ser decisiva na governação, tendo em conta que na autarquia de Moura há três vereadores do PS, três da CDU e um do Chega, agora independente.

Já na altura, ao Observador, Bruno Nunes era perentório: “O Chega não terá problema nenhum de perder seja quantos eleitos forem que entreguem os seus valores ou os princípios do partido a outro partido político.”

Chega perde vereador em Moura. Cidália Figueira passa a independente

As críticas ao partido multiplicaram-se entre as vozes que deixaram de estar nos cargos em nome do Chega, Luís Forinho usou as redes sociais para atacar “o compadrio, amiguismo, falta de democracia, falta de caráter e falta de reconhecimento” e para garantir que tinha abandonado o partido de André Ventura pelo próprio pé e de “forma voluntária”.

Também Ivo Pedaço, quando deixou o lugar na vereação em Moita, se atirou ao partido por tentar “influenciar” o voto de vereadores perante “interesses pessoais e financeiros de um membro da distrital de Setúbal e de um investidor por ele apresentado”.

Fontes do Chega ouvidas pelo Observador e conhecedoras da realidade autárquica do partido corroboram a tese de que há falta de autonomia para os eleitos trabalharem, mas o Chega nunca deixou espaço para dúvidas: além das intervenções (Ventura chegou a dizer que seria “implacável a nível disciplinar” para quem atuasse à “revelia da direção”) e das retiradas de confiança, um comunicado no momento em que o Chega deu a mão à CDU deixava tudo claro: “Existe uma única versão do Chega. O partido não tem uma versão nacional e outra para consumo nas autarquias.”

E não só de independentes se fazem os descontentes do Chega. Entre os nomes de autarcas há dezenas de pessoas que renunciaram. Apesar de esta ser uma questão normal entre quem está nas listas de qualquer partido, a verdade é que vários militantes ou ex-militantes confirmaram ao Observador que o fizeram por não estarem de acordo com a visão do partido para as autarquias e especialmente pelas acusações de falta de democracia interna.

Uma dessas pessoas é Cristina Vieira, uma das fundadoras do partido e eleita para a Assembleia de Freguesia de Loures nas eleições autárquicas. Abandonou o cargo há uns dias, alegou motivos profissionais para a saída e há muito estava em rota de colisão com o Chega e com André Ventura.

Quando falou com o Observador sobre as divergências com o partido revelou que se demitiu do Movimento Mulheres do Chega por discordar da mudança de agulha no combate à violência doméstica e volta agora a fazê-lo: “Entrei pela área da violência doméstica, o partido foi por outros lados e por isso não estou a fazer nada.” Considera que o Chega mudou de rumo, que “não há rigor”, e não se sente representada, o que a foi afastando da vida política no seio do partido.

Nos distritos onde um autarca se torna independente há uma tendência para que outros lhe sigam os passos.

Mais autarcas, mais saídas

O número de autarcas do Chega que se tornou independente continua a aumentar ainda mais quando se muda a agulha para assembleias municipais e de freguesia. Mais eleitos, mais pessoas a abandonar os cargos. E há locais que se destacam pela queda de vários representantes, com Setúbal no primeiro lugar da tabela e com destaque também para Lisboa e Santarém.

Além dos três vereadores perdidos só em Setúbal, neste distrito o Chega já viu tornarem-se independentes quatro deputados municipais (dois da Moita e dois do Seixal) e quatro membros de assembleia freguesia (Seixal, Amora, Pinhal Novo e Quinta do Conde). Os casos multiplicam-se com a saída de dois deputados municipais em Santarém (onde o partido também ficou sem vereador), dois em Amares, na Maia, na Póvoa de Varzim, em Vila Franca de Xira, em Reguengos de Monsaraz, no Bombarral e diversos em Lisboa.

Num olhar para o mapa autárquico é possível ver que nos distritos onde há saídas de autarcas do Chega (sejam eles vereadores, deputados municipais ou membros de assembleias de freguesia) nota-se que há mais abandonos nos locais que têm pelo menos um elemento a virar costas ao partido. Por outras palavras: nos distritos onde um autarca se torna independente há uma tendência para que outros lhe sigam os passos.

[Pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África]

Diana Monteiro, deputada municipal em Vila Franca de Xira, considera que no Chega “todos os que pensam pela sua cabeça são afastados”. Recorda que foram existindo “várias divergências e ofensas a nível político” que contribuíram para a saída e conta até que ainda esperou por eleições internas e pelo congresso, acabando por desistir de se manter na vida do partido quando percebeu que as regras para congressistas tinham sido alteradas.

Diz ter sido “silenciada”, sabe que houve uma “reunião secreta para lhe retirarem a liderança da bancada” e bate com a porta desiludida. “Se fosse hoje não votava no Chega”, reconhece em declarações ao Observador, e se soubesse o que sabe hoje também não teria sido candidata pelo partido liderado por André Ventura.

A visão é comum a muitas das pessoas que têm virado as costas ao partido nos últimos tempos, seja por renúncias, por passarem a independentes ou simplesmente por terem deixado de se rever no Chega, o que leva à entrega do cartão de militante.

Há de tudo: militantes que recolheram assinaturas, fundadores do partido desiludidos com o rumo e seguidores de André Ventura que hoje o acusam de usar o Chega como uma “firma”. A esmagadora maioria prefere não ser citada, deseja um afastamento total da política e da associação ao Chega (“dei tudo pelo partido, acreditava na forma de fazer diferente, saí desiludido”).

Fundadores do Chega em rota de colisão com André Ventura. Número de dissidentes aumenta

Henrique Rodrigues, deputado na Assembleia Municipal do Seixal, diz de microfone aberto o que muitos vão deixando escapar nas redes sociais e nas conversas em privado com o Observador: “A seguir às eleições autárquicas, os autarcas deixaram de existir. Serviram-se de nós. Cumprimos o fim para que servimos: espalhar o Chega a nível nacional.”

A falta de reconhecimento e as “facadinhas” que se acumularam levaram à rutura de Henrique Rodrigues com o partido. Hoje, como independente, acredita que os autarcas na mesma circunstância “ganharam liberdade” e capacidade para cumprir o “compromisso eleitoral”. E não poupa nas críticas ao próprio partido e às pessoas que foi conhecendo (“ao contrário do que se diz, não creio que sejam pessoas de bem, creio que sejam mais oportunistas do que tenham interesses pela população”).

“Tínhamos de correr o risco de ir a todo o lado, se não nos tivéssemos tornado um dos maiores partidos autárquicos não teríamos eleito 12 deputados”
Bruno Nunes, coordenador autárquico do Chega

Um problema sem fim

O tempo tem ajudado a atenuar o número de autarcas que se tornam independentes, contudo os problemas autárquicos continuam a ser um desafio. O caso mais recente surge em Viana do Castelo, onde a estrutura local retirou a confiança política ao deputado municipal Manuel José Moreira — uma decisão que só é válida após o ok da direção nacional.

Num comunicado enviado pela Comissão Política Distrital do Chega de Viana do Castelo são citadas declarações do autarca ao jornal online Analista em que refere que não ter sido informado sobre a decisão. “Fui forçado a assumir-me deputado independente”, disse, acrescentando que sempre defendeu os interesses da população durante as votações.

A versão oficial da estrutura distrital é diferente: o deputado tem “lesado, intencionalmente, os interesses dos vianenses que no Chega votaram para a sua eleição”. É descrito como alguém que “pura e simplesmente ignorou” o apoio autárquico e que “esteve sempre alinhado com as pretensões do executivo socialista”.

“O deputado não é do Chega, mas antes um “oportunista político” que viu no Chega, uma possibilidade de ‘carreirismo‘, optando por estar bem com ‘Deus e o diabo’”, acusa o comunicado. Mais uma baixa no Chega, mas uma daquelas que o partido desvaloriza por considerar que há pessoas escolhidas que não alinhavam ideologicamente com o partido.

Ao Observador, Bruno Nunes, coordenador autárquico do Chega, considera que houve muitas escolhas erradas pelo país, não só pelo crescimento exponencial do partido, mas também porque “muita gente se aproveitou do Chega para para atingir objetivos pessoais” — nomeadamente autarcas que “assumiram pelouros, o que mostra que não estavam aqui por uma questão ideológica”; pessoas que entraram por “ambições pessoais” e de forma “descontextualizada”.

A ideia foi ir a votos em todos os locais do país, os danos eram uma possibilidade em cima da mesa e o Chega assume-o: “Tínhamos de correr o risco de ir a todo o lado, se não nos tivéssemos tornado um dos maiores partidos autárquicos não teríamos eleito 12 deputados”, considera o coordenador autárquico.

Para colmatar os erros do passado e já com os olhos postos no futuro, o Chega está a investir na formação de autarcas, alguns deles com zero experiência política até assumirem estes mandatos. Nos últimos tempos tem havido academias nacionais e distritais e as temáticas vão desde a descentralização, segurança, orçamento, direito de oposição, até questões mais ideológicas e debates sobre o posicionamento em determinados pontos.

A questão das escolhas do Chega deu muito que falar. O partido já perdeu dezenas de autarcas e um deputado regional nos Açores e foi o próprio André Ventura a admitir que, depois do que se passou, escolheria os seus possíveis colegas de bancada pela lealdade. E assim foi: os (outros) 11 deputados são escolha do líder do Chega e é desta forma em praticamente todas as questões do partido.

Ainda que André Ventura tenha sempre a última palavra, está consciente de que as autárquicas são um desafio para o partido e as preocupações refletiram-se nas escolhas que precisou de fazer após essas eleições: Nuno Afonso era o único coordenador autárquico, perdeu a responsabilidade, e foi criada uma coordenação autárquicas a três, com o deputado Bruno Nunes e os parlamentares e vice-presidentes do Chega Pedro Santos Frazão e Marta Trindade.

No “dia da implantação”, Chega não chegou à “vitória total” mas assume-se como “terceira força em grande parte do país”

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