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A Cúpula da Rocha é um dos símbolos mais visíveis da cidade de Jerusalém

ATEF SAFADI/EPA

A Cúpula da Rocha é um dos símbolos mais visíveis da cidade de Jerusalém

ATEF SAFADI/EPA

Um ministro israelita subiu ao Monte do Templo e o mundo condenou a provocação. A delicada história do lugar sagrado no centro da guerra

No centro de Jerusalém, o Monte do Templo tem 3 mil anos de história e já foi conquistado e reconquistado, destruído e reconstruído. Sagrado para os dois lados, o seu estatuto especial corre perigo.

A visita durou apenas 15 minutos, o suficiente para deixar claro todo um programa político: os tempos tinham mudado. Era o dia 3 de janeiro de 2023 e Itamar Ben-Gvir, líder do partido de extrema-direita israelita Otzma Yehudit (Poder Judeu), conhecido rosto de um movimento radical, ultra-ortodoxo, anti-árabe e associado às ideias do supremacismo judaico, tinha tomado posse como novo ministro da Segurança Nacional de Israel menos de uma semana antes — integrando um governo de coligação liderado por Benjamin Netanyahu com uma presença muito significativa das fações religiosas judaicas ultra-conservadoras.

Nas primeiras horas da manhã daquela terça-feira, Ben-Gvir dirigiu-se ao Monte do Templo, no coração da Cidade Velha de Jerusalém, um dos lugares mais sagrados do mundo — com uma importância histórica central para judeus, cristãos e muçulmanos —, com uma mensagem preparada para dizer aos jornalistas: “O Monte do Templo está aberto a todos. Muçulmanos, cristãos e, sim, judeus também. Judeus também. Não vai haver discriminação racista num governo de que faço parte. Os judeus vão subir ao Monte do Templo.” Mais tarde, no Twitter, garantiu: “Os tempos mudaram.”

Com aquela visita de 15 minutos, Ben-Gvir tornou-se o mais alto responsável israelita a visitar o Monte do Templo em mais de 20 anos. O último tinha sido Ariel Sharon, que entrou naquele lugar sagrado em 2000 — numa visita provocatória que serviria de gatilho para a Segunda Intifada, a revolta palestiniana que duraria até 2005. A visita do ministro ao Monte do Templo motivou duras críticas internacionais: União Europeia e Estados Unidos reprovaram as afirmações de Ben-Gvir, a Jordânia convocou de urgência o embaixador israelita e múltiplos países árabes pronunciaram-se contra Israel.

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Nos meses que se seguiram, Ben-Gvir só elevaria o tom da retórica provocatória — sobretudo depois do ataque do grupo extremista palestiniano Hamas contra Israel, a 7 de outubro de 2023, que marcou o início de uma guerra de retaliação na Faixa de Gaza que continua em curso e que já levou à morte de mais de 40 mil palestinianos naquele enclave. Há duas semanas, o ministro voltou a visitar o Monte do Templo, onde defendeu o direito dos judeus de rezar naquele lugar; esta semana, numa entrevista a uma rádio israelita, foi ainda mais longe e admitiu a pretensão de construir uma sinagoga no Monte do Templo.

Israel dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos. A complexa história religiosa de um lugar que nunca teve paz

Novamente, a reação internacional foi de condenação imediata e unânime: dos Estados Unidos à Europa, dos países árabes às Nações Unidas. O próprio Benjamin Netanyahu teve de vir a público desmentir o seu ministro e garantir que o status quo em relação ao Monte do Templo não tinha mudado. A visita de Ben-Gvir veio deixar ainda mais em evidência as fricções existentes dentro do governo israelita entre as várias fações, havendo já notícias que dão conta de uma crescente preocupação dentro do executivo em relação ao radicalismo da fação religiosa ultra-conservadora.

O Monte do Templo — designado pelos muçulmanos como Haram al-Sharif (O Nobre Santuário) e vulgarmente referido como Esplanada das Mesquitas — é o ponto focal no centro do conflito israelo-palestiniano. Ambos os lados se esforçam por argumentar que têm uma relação espiritual mais antiga e importante com aquele lugar e a sensibilidade do local levou mesmo a que, no meio das guerras intensas sobre a localização das fronteiras entre Israel e a Palestina e sobre a condição da cidade de Jerusalém, o complexo religioso tenha sempre beneficiado de um estatuto especial que poucos se atrevem a pôr em causa. É também um dos lugares mais misteriosos do planeta: os arqueólogos estão impedidos de fazer escavações no local e acredita-se que, por baixo da Esplanada das Mesquitas, existam tesouros arqueológicos inéditos com potencial para esclarecer até a veracidade de alguns relatos bíblicos.

Gerido por uma organização muçulmana sob a égide do Reino da Jordânia, o Monte do Templo é teoricamente de acesso livre a todos, mas apenas os muçulmanos lá podem rezar. Contudo, é Israel quem controla os acessos ao local — e os muçulmanos acusam o país judeu de impor fortes restrições à entrada dos palestinianos no complexo. Além disso, as autoridades religiosas judaicas proíbem o acesso dos judeus ao Monte do Templo, por ser solo sagrado — uma proibição que divide a população israelita. Para os extremistas religiosos (como Ben-Gvir), o estatuto especial é uma cedência inaceitável da soberania israelita sobre a Terra Santa, considerada um direito natural do povo judeu — por ter sido o lugar de onde os judeus foram expulsos pelos romanos há 2.000 anos.

Mas, afinal, qual é a história deste pequeno pedaço de terra no centro do conflito israelo-palestiniano? Que importância tem para os dois povos um lugar que já esteve nas mãos de mais de uma dezena de povos?

Centenas de palestinianos rezam no complexo da mesquita de Al-Aqsa

AFP/Getty Images

Três mil anos de importância histórica

Para os judeus, a história do Monte do Templo perde-se no tempo. De acordo com a tradição judaica, aquele teria sido o lugar onde Deus criou Adão a partir do pó. Mais tarde, seria também aquele o lugar para onde Abraão, o patriarca comum das três grandes religiões, levaria o seu filho Isaac para o sacrificar a pedido de Deus para demonstrar a sua fé, sendo impedido no último momento.

Aquele lugar adquiriu uma importância singular para o povo judeu por volta do ano 1000 a.C., quando ali foi construído o Primeiro Templo pelo rei Salomão. De acordo com os relatos da Bíblia, o povo judeu tinha estado sob cativeiro no Egipto, de onde foi libertado por Moisés. Chegados à Terra Prometida, por volta do século XIII a.C., os judeus viveriam várias décadas sob a liderança dos juízes, até à criação do reino de Israel, por volta do século XI a.C., com o rei Saul. O sucessor, o rei David, seria responsável pela conquista de Jerusalém — onde o seu filho, Salomão, iria construir o Primeiro Templo, o centro espiritual do povo judeu, bem como o principal símbolo nacional.

O templo duraria até por volta do século VI a.C., quando o reino de Judá foi conquistado pelos babilónios. Os judeus foram deportados em massa para Babilónia e o Primeiro Templo foi destruído. Anos mais tarde, regressados do cativeiro, os judeus voltaram a erguer ali um templo — o Segundo Templo. Era este o templo que existia no tempo de Jesus Cristo, que, de acordo com os relatos bíblicos, o frequentou. Quando os romanos conquistaram Jerusalém, o templo ficou danificado, mas foi restaurado por Herodes. Seria definitivamente destruído no ano 70 pelo Império Romano, numa ofensiva destinada a esmagar a revolta judaica contra os romanos.

A destruição de Jerusalém e do Segundo Templo pelos romanos é o derradeiro símbolo da expulsão dos judeus da sua terra. A partir daquele momento, o povo judeu dispersou-se pelo mundo, deslocando-se essencialmente para a Europa, num movimento de diáspora alimentado pela ideia de um regresso ao lugar de origem e ao local do templo sagrado. A ideia desse regresso ao Monte Sião (monte em Jerusalém que simboliza todo o povo judeu) foi intensificada por séculos de perseguição aos judeus em vários pontos do mundo — e traduziu-se a partir do século XIX na formalização do movimento sionista e na origem da criação do Estado de Israel em 1948.

Depois da expulsão dos judeus, o Monte do Templo teve várias vidas. Nos primeiros séculos da era comum, aquele monte — e Jerusalém no geral — era já um lugar central para os judeus e para os cristãos. A partir do século VI, vai tornar-se também num lugar de culto para os muçulmanos: ainda é, atualmente, o terceiro lugar mais sagrado para o Islão, após Meca (lugar de nascimento de Maomé) e Medina (onde está sepultado). De acordo com a tradição muçulmana, Maomé foi certa noite visitado pelo anjo Gabriel, que o levou até Jerusalém montado numa criatura mítica. Chegado a Jerusalém, Maomé ter-se-ia encontrado com Abraão, Moisés e Jesus, visitou o céu e o inferno e esteve cara a cara com Deus, para depois regressar a Meca.

Para os judeus, a história do Monte do Templo perde-se no tempo. De acordo com a tradição judaica, aquele teria sido o lugar onde Deus criou Adão a partir do pó.

Já depois da morte de Maomé, os califas apostaram em expandir o território de influência do Islão. Depois de conquistarem a totalidade da península arábica, os muçulmanos chegaram a Jerusalém e, sob o comando do califa Omar, forçaram a rendição dos bizantinos (que mantinham o controlo de Jerusalém) e ocuparam a cidade. Os muçulmanos controlariam Jerusalém durante vários séculos, até às cruzadas do século XI — e, depois disso, o domínio islâmico voltaria com o Império Otomano, até aos alvores do século XX. No Monte do Templo foi erguida a Cúpula da Rocha (a famosa cúpula dourada que é possível ver na maioria das imagens de Jerusalém) e a mesquita de Al-Aqsa.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, surgiriam as condições perfeitas para o conflito israelo-palestiniano: de um lado, uma afirmação crescente do nacionalismo palestiniano, um povo árabe que viveu sempre integrado em grandes impérios, dentro do domínio otomano; do outro lado, as ambições do movimento sionista que buscava mais um regresso à Terra Prometida. No centro, um único lugar que simbolizava as aspirações de ambos. Para os israelitas, aquele é o lugar do antigo templo, duas vezes destruído, de que restava ainda um muro (o Muro das Lamentações), que aponta para um novo regresso dos judeus à terra que dizem sua; para os palestinianos, o Nobre Santuário com a sua cúpula dourada é um símbolo das aspirações daquele povo árabe, que anseia pela independência como estado com capital em Jerusalém. Mas a imagem também tem sido aproveitada por grupos extremistas palestinianos, como o Hamas, para dar um significado religioso às suas ações terroristas: o ataque contra Israel em 7 de outubro foi batizado pelo Hamas como “Operação Al-Aqsa”.

Depois da partição da Palestina em dois estados, em 1948, a cidade de Jerusalém também foi dividida ao meio — com a parte velha da cidade e o Monte do Templo a ficarem do lado oriental, ocupado pela Jordânia. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel ocupou e anexou Jerusalém Oriental, ficando efetivamente com o Monte do Templo no seu território, apesar de este lugar religioso ser há séculos gerido por um fundo islâmico, o Waqf. Contudo, a sensibilidade daquele lugar levou o governo israelita da altura a estabelecer um entendimento com o Waqf para manter a administração muçulmana da Esplanada das Mesquitas. Mais tarde, este acordo seria formalizado através de um tratado com a Jordânia, país islâmico que tem até hoje o papel de administrar aquele lugar religioso.

O entendimento dura até hoje e assenta em várias premissas: o interior do complexo religioso é integralmente gerido pelo Waqf islâmico, a partir da Jordânia; os acessos são controlados pelas autoridades israelitas; a lei israelita permite a entrada de fiéis de todas as religiões no Monte do Templo, mas apenas autoriza os muçulmanos a rezarem lá. Este equilíbrio sensível tem sido mantido assim por sucessivos governos israelitas. A posição de Netanyahu sintetiza-se assim: “Os muçulmanos rezam no Monte do Templo, os não muçulmanos visitam o Monte do Templo.”

Mas, além de a sensibilidade política daquele lugar obrigar a um complexo equilíbrio diplomático, há ainda um problema adicional de ordem religiosa: as autoridades judaicas israelitas proíbem todos os judeus, não só de rezar, mas mesmo de entrar no Monte do Templo. De acordo com a posição do Grão-Rabinato de Israel, aquele lugar é absolutamente sagrado — pelo que não pode ser pisado pelos judeus. Em causa está a tradição bíblica de que o Primeiro Templo continha uma pequena divisão, o Santo dos Santos, que albergava a Arca da Aliança, o recipiente onde estavam guardadas as tábuas originais de Moisés com os Dez Mandamentos. O acesso a esse compartimento era totalmente vedado aos judeus: só o sumo sacerdote lá podia entrar, uma vez por ano, para um ritual de expiação. Entrar ali era estar, na prática, na presença de Deus. Na altura do Segundo Templo, a arca já se tinha perdido, mas continuava a haver um lugar especialmente dedicado a este ritual.

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Ben-Gvir entrou no complexo da mesquita de Al-Aqsa escoltado pela polícia israelita

Anadolu via Getty Images

Atualmente, sendo impossível identificar a localização concreta, todo o complexo do Monte do Templo é considerado pelo Grão-Rabinato como sagrado e, por isso, vedado aos judeus — que devem rezar no Muro das Lamentações, no exterior do complexo. Trata-se de um muro exterior que se acredita ser a única estrutura que restou do Segundo Templo e é o local fisicamente mais perto do interior do lugar do templo a que os judeus acedem, sem pisar o complexo. Durante séculos, o Muro das Lamentações representou justamente o desejo coletivo do povo judaico de um dia regressar à nação de onde foi expulso — e ao templo que os une às suas raízes históricas.

14 hectares no centro do conflito

No próprio dia em que o ministro ultra-ortodoxo Itamar Ben-Gvir visitou o Monte do Templo, o Grão-Rabino de Israel Yitzhak Yosef não poupou nas críticas ao governante: “Como ministro representando o governo de Israel, deveria agir de acordo com as instruções do Grão-Rabinato, que há muito proíbem as visitas ao Monte do Templo.” Yitzhak Yosef apelou mesmo a Ben-Gvir que parasse com as visitas “de modo a não induzir o público em erro”.

Contudo, esta posição das autoridades religiosas está longe de ser unânime entre a comunidade judaica. Nos últimos anos, têm-se intensificado em Israel as vozes dos adeptos de um nacionalismo judaico, ultra-ortodoxo e extremista, que discordam da regra e defendem o direito dos judeus não só a visitar como a rezar no Monte do Templo.

Ben-Gvir é atualmente uma das mais audíveis dessas vozes: anteriormente associado de forma mais visível ao movimento anti-árabe, Ben-Gvir pertenceu a várias organizações nacionalistas radicais e chegou mesmo a ser condenado em tribunal por incitamento ao racismo e por apoiar uma organização terrorista. Parte da sua carreira profissional como advogado foi dedicada a defender terroristas judeus acusados de crimes contra árabes palestinianos.

Em maio de 2022, uma sondagem dava conta de que 50% dos israelitas judeus defendiam uma reversão do status quo, de modo a que passasse a ser permitido aos judeus rezarem dentro do Monte do Templo. A sondagem dava ainda conta de que 38% dos judeus israelitas tinham essa opinião por considerarem que era importante passar a mensagem de que é Israel que tem a soberania sobre Jerusalém, enquanto 12% o consideravam por motivos religiosos. Como escrevia a revista Time, aquilo que antes era apenas um movimento marginal composto por alguns radicais que defendiam a autorização para os judeus rezarem no Monte do Templo está a tornar-se num movimento mainstream — o que é especialmente visível no facto de Israel ter apertado, nos últimos anos, a malha nos acessos dos palestinianos ao lugar religioso.

Apesar de, em teoria, o Monte do Templo ser um santuário muçulmano administrado por uma organização islâmica, é Israel quem controla os acessos — e os palestinianos queixam-se de ser cada vez mais difícil entrar lá, havendo crescentes relatos de tensões entre palestinianos e polícia israelita.

Segundo uma sondagem, 50% dos israelitas judeus defendiam uma reversão do status quo, de modo a que passasse a ser permitido aos judeus rezarem dentro do Monte do Templo: 38% por considerarem que era importante passar a mensagem de que é Israel que tem a soberania sobre Jerusalém, 12% por motivos religiosos.

Em março deste ano, no início do Ramadão, a Al Jazeera dava conta de como Israel se preparava para bloquear a entrada de milhares de palestinianos na mesquita de Al-Aqsa. Além de reforçar a presença de forças de segurança e policiais nos acessos ao Monte do Templo, Israel implementou restrições ainda mais apertadas do que as habituais: só era permitida a entrada no complexo a homens acima dos 55 anos e mulheres acima dos 50, todos com uma autorização válida. Responsáveis palestinianos vieram dizer que, com estas restrições todas, cerca de 95% dos palestinianos ficavam impedidos de entrar na mesquita.

“A parte da comunidade que está autorizada é muito pequena”, lamentou à Al Jazeera Mustafa Barghouti, o secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestiniana, um partido político de centro que se apresenta como terceira via democrática à Fatah e ao Hamas. “Em primeiro lugar, têm de obter um cartão de segurança magnético especial da parte dos israelitas, que demora muito tempo a adquirir. Nem todos o conseguem e muitos estão privados. Têm também de obter uma autorização especial diretamente da parte dos israelitas. Estas complicações impedem muitas pessoas [de ir].”

Estas restrições adicionais, adotadas já no contexto da guerra em curso entre Israel e o Hamas, acarretavam o potencial para aumentar ainda mais a tensão entre a polícia israelita e os palestinianos em Jerusalém Oriental, disse Barghouti, relembrando que “muitas pessoas estão zangadas” e que “a tensão dentro da mesquita é muito elevada, por causa das restrições israelitas, do espancamento de pessoas e das provocações”. Alguns palestinianos impedidos de entrar na mesquita chegaram mesmo a dizer à estação televisiva que o número de soldados e polícias israelitas era superior ao número de fiéis muçulmanos — e que muitos nem sequer sabiam que tinham de obter aqueles documentos para entrar na mesquita.

O pequeno complexo religioso continua no epicentro de um dos mais sensíveis conflitos armados do mundo — e goza de um delicado estatuto especial que, se for rompido, pode fazer escalar significativamente a tensão no Médio Oriente.

Ainda assim, tanto para israelitas como palestinianos, o Monte do Templo, Haram al-Sharif ou Esplanada das Mesquitas já não é só um lugar religioso: é um símbolo eminentemente político e politizado por ambos os lados.

Historicamente, os governos israelitas procuraram sempre manter o status quo, mantendo o complexo equilíbrio com o mundo muçulmano mesmo depois da ocupação de Jerusalém Oriental por Israel. Nos últimos anos, contudo — e especialmente depois do escalar da guerra a 7 de outubro de 2023 —, Israel tem lentamente começado a dar sinais de que o status quo pode estar em risco. A contribuir para este fator tem estado o crescimento das forças de extrema-direita em Israel, que promovem o nacionalismo judaico, rejeitam a solução dos dois estados e defendem a saída dos árabes do território israelita.

Como escrevia sobre este assunto a revista Time, “o lugar sagrado transformou-se num proxy para quem controla Jerusalém (cuja parte oriental continua ocupada, à luz do direito internacional, e que tanto israelitas e palestinianos reivindicam como sua capital) e para o conflito israelo-palestiniano em grande escala”. A Esplanada das Mesquitas tem sido, de resto, um dos lugares onde mais frequentemente eclodem confrontos violentos entre a polícia israelita e palestinianos — e aumentar a presença israelita e judaica naquele local é visto pela extrema-direita israelita como uma forma de afirmar a soberania de Israel sobre a totalidade da Terra Santa. Por essa razão, figuras políticas como Ben-Gvir opõem-se frontalmente até às instruções rabínicas que proíbem a oração judaica no Monte do Templo.

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O ministro de extrema-direita Ben-Gvir é uma das vozes mais audíveis da extrema-direita e do nacionalismo judaico

AFP via Getty Images

“A política no Monte do Templo permite a oração. Ponto final”, disse recentemente Ben-Gvir a uma rádio israelita. “O primeiro-ministro sabia, quando eu me juntei ao governo, que não haveria qualquer discriminação. Os muçulmanos podem rezar lá e um judeu não pode?” O entrevistador perguntou-lhe até se pretendia construir uma sinagoga no local: “Sim, sim.”

As declarações foram tão controversas que obrigaram o gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, a vir a público garantir que “não há qualquer alteração ao status quo do Monte do Templo”. As divisões dentro do governo israelita não são novas e têm ficado cada vez mais evidentes desde o início da guerra com o Hamas, em 7 de outubro de 2023 — com os ministros da extrema-direita a exigir uma posição de maior força de Israel contra os palestinianos e a pedir, na prática, a aniquilação das aspirações palestinianas à criação de um estado. O crescimento da extrema-direita e dos ultra-nacionalistas nas últimas eleições legislativas deixou, porém, Netanyahu dependente destas forças radicais para a manutenção da coligação governamental que o mantém no poder.

É nesse contexto que se podem ler as visitas provocatórias de Ben-Gvir ao Monte do Templo. “A visita de Ben-Gvir não teve nada a ver com piedade religiosa”, disse em 2023 à Time o advogado israelita Daniel Seidemann, um especialista nas relações israelo-palestinianas na cidade de Jerusalém. “Tem tudo a ver com esfregá-lo na cara dos árabes e dos palestinianos, mostrar-lhes quem manda e agradar à sua base.”

“Praticamente todos os focos de violência em Jerusalém de que me consigo lembrar eclodiram, de alguma forma, como resultado de uma ameaça real ou percecionada contra a viabilidade do espaço sagrado de Al-Aqsa”, acrescentava Seidemann, lembrando que ao contrário de situações anteriores provocadas por grupos marginais e relativamente pequenos de judeus ultra-ortodoxos e nacionalistas, agora há uma atitude que vem “do interior do governo”.

“O que é novo nesta situação é a afirmação, sem rodeios, de um triunfalismo ultra-nacional”, continua, destacando que esta atitude vem do interior do executivo e ocorre “com o conhecimento e o consentimento de Netanyahu” ao mesmo tempo que, do lado palestiniano, há um “cenário de desesperança” relativamente às aspirações de criação de um estado e um “barril de pólvora na Cisjordânia”. Depois destas declarações, a situação só se agravaria com os acontecimentos de 7 de outubro.

À mesma revista, o investigador norte-americano Khaled Elgindy, especialista em questões palestinianas no Middle East Institute, comparou a política de aumento gradual do controlo israelita sobre o Monte do Templo à expansão dos colonatos na Cisjordânia. “O empreendimento dos colonatos não se tornou, da noite para o dia, em 700 mil colonos. Foi construído tijolo a tijolo, casa a casa, estrada a estrada. É assim que a erosão do status quo está a acontecer”, disse, lembrando que “Ben-Gvir disse explicitamente que a sua prioridade é mudar o status quo sobre os lugares sagrados de Jerusalém”. O resultado final não será necessariamente uma catástrofe violenta, mas uma normalização da entrada dos israelitas no Monte do Templo, que passa a ser vista como normal, refletindo mais um avanço de Israel e um recuo da presença islâmica na Terra Santa.

Quando o status quo atual foi implementado, na década de 1960, o então ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, responsável pela anexação de Jerusalém Oriental, procurou manter um equilíbrio naquele ponto especialmente sensível do território. “Regressámos ao mais sagrado dos nossos lugares, para nunca mais sermos separados dele. Não viemos para conquistar os lugares sagrados dos outros ou para restringir os seus direitos religiosos, mas para assegurar a integridade da cidade e para viver nela com outros em fraternidade”, disse Dayan na altura em que Israel capturou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental à Jordânia.

Do lado palestiniano, também há uma crescente politização dos lugares sagrados de Jerusalém, sobretudo por parte de grupos terroristas como o Hamas ou a Jihad Islâmica Palestiniana. O Comité Judaico Americano (AJC) — histórica organização de defesa dos direitos dos judeus que defende o estado de Israel, mas critica as ideias ultra-nacionalistas de partidos como o de Ben-Gvir, levando até a cabo iniciativas conjuntas com organizações islâmicas — reconhece que, de modo geral, “os palestinianos veem o Haram al-Sharif como um símbolo-chave da sua identidade nacional e das suas aspirações à criação de um estado”.

O complexo religioso está no centro do conflito israelo-palestiniano, mas é inacessível a arqueólogos

Getty Images

“O lugar é visto por muitos palestinianos como um símbolo dos seus laços históricos e culturais a Jerusalém, e como uma componente central de qualquer futuro estado palestiniano”, diz ainda o AJC. Contudo, acrescenta a organização judaica, “grupos terroristas palestinianos, como o Hamas, a Jihad Islâmica Palestiniana e outros como a brigada dos mártires Al-Aqsa, abusaram do significado espirital do lugar sagrado como forma de incitar à violência contra Israel”.

Na perspetiva do AJC, “estes grupos terroristas usam uma linguagem e retórica inflamada que se dissemina pelos media palestinianos, especialmente nas redes sociais”. “Podem espalhar rumores falsos ou teorias da conspiração sobre as intenções israelitas de danificar ou destruir lugares sagrados islâmicos no Monte do Templo, ou podem apelar à ‘defesa’ do lugar contra ameaças israelitas percecionadas”, diz a organização judaica.

“Os grupos terroristas usam ações violentas como atirar pedras, bombas incendiárias e outros projéteis contra a polícia israelita ou contra visitantes judeus, numa tentativa de provocar uma resposta e escalar as tensões. Em alguns casos, usaram armas de fogo e outras armas para levar a cabo ataques contra a polícia israelita ou civis na área”, destaca o AJC, que diz mesmo que grupos terroristas palestinianos usam também as tensões no Monte do Templo como justificação para ataques de grande escala a Israel.

Um lugar inacessível a arqueólogos

Ao longo de três mil anos, os 14 hectares que compõem o Monte do Templo já passaram por muitas mãos, foram conquistados e reconquistados, destruídos e reconstruídos e até já tiveram muitos nomes. Por essa razão, é em teoria um tesouro inestimável para os arqueólogos, escondendo no seu solo respostas para muitas das questões fundamentais da história do Médio Oriente e sobre a veracidade (ou não) das escrituras sagradas que formam a base das três maiores religiões do mundo.

Contudo, um lugar que poderia ser, por excelência, o palco central do diálogo inter-religioso, vive permanentemente sob polémicas e tensões — e as escavações arqueológicas são proibidas. Como explica a Smithsonian Magazine, o Waqf islâmico que gere o interior do complexo considera que as escavações arqueológicas representariam uma dessacralização daquele terreno sagrado, pelo que as camadas de solo por baixo do Monte do Templo estão inacessíveis aos cientistas.

Eventuais vestígios do templo original construído por Salomão ou do segundo templo erguido após o cativeiro de Babilónia podem estar no subsolo sem que seja possível aceder-lhes.

A única janela que permite espreitar para o possível tesouro daquele subsolo são os pequenos e clandestinos trabalhos arqueológicos realizados no último século. Um dos de maior destaque aconteceu no final da década de 1990, quando o Waqf realizou obras para a abertura de uma nova saída de emergência para a mesquita de El-Marwani, escavando vários metros de terreno — e alguns arqueólogos recuperaram o entulho resultante das obras. “Aquela terra estava saturada com a história de Jerusalém”, disse à Smithsonian o historiador israelita Eyal Meiron.

No meio do entulho retirado para as obras foram encontrados múltiplos objetos de grande interesse arqueológico, incluindo, por exemplo, uma moeda de bronze com a expressão “Liberdade para Sião”, que terá sido cunhada durante a revolta dos judeus contra o Império Romano, antes da expulsão no ano 70, e uma moeda de prata da época em que os Cruzados governaram Jerusalém.

Contudo, até na arqueologia as tensões políticas se fazem sentir: quando Israel avançou com planos para construir uma ponte para o acesso dos não-muçulmanos ao Monte do Templo, o mundo islâmico opôs-se, dizendo que a construção serviria como pretexto para escavações arqueológicas destinadas a encontrar vestígios do Templo de Salomão e consolidar a sua reivindicação da soberania sobre o lugar. Nos últimos anos, até a real existência do antigo templo judaico (que era relativamente unânime) foi posta em causa pelo lado palestiniano. Por isso, continuou a ser usada uma rampa de madeira temporária para aceder à entrada do complexo.

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