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epa10072815 Italian Prime Minister Mario Draghi arrives to pay his respects to late Italian journalist Eugenio Scalfari as the coffin lies in state at the City Hall in Rome, Italy, 15 July 2022. Scalfari, who died on 14 July at the age of 98, founded two of Italy's most important news publications, daily newspaper La Repubblica and investigative journalism weekly 'L'Espresso'.  EPA/ANGELO CARCONI
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ANGELO CARCONI/EPA

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Uma semana entre a demissão e a queda do governo. Como o governo de Mario Draghi chegou ao fim após 18 meses

Draghi vai manter-se em funções para a gestão corrente do país até às eleições legislativas, que já estão agendadas para o dia 25 de setembro. O filme de uma semana caótica na política italiana.

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Foi uma morte lenta, que durou exatamente sete dias e foi consumada esta quinta-feira. Uma semana depois de ter pedido a demissão — e depois de um conjunto de tentativas falhadas para, a pedido do Presidente italiano, ressuscitar a coligação que suportava o seu governo tecnocrático — o primeiro-ministro de Itália, Mario Draghi, demitiu-se definitivamente esta quinta-feira. Vai manter-se em funções para a gestão corrente do país até às eleições legislativas, que já estão agendadas para o dia 25 de setembro, mas a ordem do Presidente Sergio Mattarella já foi dada: o parlamento italiano foi dissolvido e o governo de Draghi morre após um ano e meio em funções.

A semana de crise política que se viveu em Itália foi marcada pela confusão e imprevisibilidade: um pedido de demissão que não foi aceite; um parceiro de coligação que rompeu com a aliança; exigências governativas inconciliáveis com os desejos dos vários parceiros de coligação; uma moção de confiança aprovada tecnicamente, mas sem força política; e, finalmente, um segundo pedido de demissão, agora aceite. Eis o filme dos acontecimentos de uma semana de crise política em Itália.

Crise em Itália. Draghi já apresentou a demissão, Presidente assina decreto para a dissolução do parlamento

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14 de julho. O primeiro pedido de demissão de Draghi

A crise política em curso em Itália foi aberta há exatamente uma semana, no dia 14 de julho, quando o primeiro-ministro, Mario Draghi, apresentou a sua demissão do cargo ao Presidente da República, Sergio Mattarella, e este não a aceitou. Na origem do pedido de demissão, esteve a convicção clara, por parte de Draghi, de que a ampla e diversa coligação que suportava o seu governo estava a colapsar — e que já não era possível manter o governo a funcionar como até ali.

Mario Draghi é primeiro-ministro de Itália desde fevereiro de 2021, altura em que foi convidado pelo Presidente italiano, Sergio Mattarella, para reunir amplo apoio parlamentar em todo o espectro político e liderar um governo tecnocrático de unidade nacional, destinado a colocar um ponto final na crise política que se vivia em Itália no início de 2021, em grande parte motivada pelas profundas discórdias dentro da coligação governamental da altura a propósito da resposta económica à pandemia da Covid-19.

Draghi conseguiu reunir o apoio de uma grande parte das forças políticas italianas, em todos os pontos do espectro político, e lidera desde essa altura um governo de unidade nacional, que reúne o Partido Democrático (centro-esquerda), o Itália Viva (centro, de Matteo Renzi), o Livres e Iguais (esquerda), o Força Itália (centro-direita, de Silvio Berlusconi), a Liga (extrema-direita, de Matteo Salvini) e o Movimento 5 Estrelas (de Giuseppe Conte), entre outros partidos mais pequenos. Ao longo dos últimos meses, contudo, começaram a surgir dentro da ampla coligação fortes divisões, traduzidas sobretudo num crescente afastamento do Movimento 5 Estrelas.

A tensão culminou, na semana passada, com a abstenção do Movimento 5 Estrelas (M5S)  numa votação no Senado sobre a aprovação de um pacote de ajuda financeira às famílias e às empresas italianas para fazer frente à inflação crescente. A abstenção do M5S, sob o argumento de que as medidas não são suficientes para apoiar os italianos, não contribuiu para o chumbo do pacote, que foi aprovado na mesma, mas foi decisiva para Mario Draghi: não era possível que um partido que faz parte da coligação governamental não apoiasse uma medida do governo.

De imediato, Mario Draghi apresentou a demissão ao Presidente da República, Sergio Mattarella, que não a aceitou. Antes, pediu ao primeiro-ministro que se apresentasse perante o parlamento italiano e explicasse aos senadores aquilo que se passa dentro do seu governo.

De imediato, Mario Draghi apresentou a demissão ao Presidente da República, Sergio Mattarella, que não a aceitou. Antes, pediu ao primeiro-ministro que se apresentasse perante o parlamento italiano e explicasse aos senadores aquilo que se passa dentro do seu governo. Só depois de um pronunciamento parlamentar poderia ser tomada uma decisão relativa à continuidade ou não do governo Draghi.

20 de julho. A moção de confiança aprovada sem o apoio dos parceiros

A presença de Mario Draghi no parlamento italiano foi marcada para uma semana depois do pedido de demissão recusado. Na quarta-feira, dia 20 de julho, deveria comparecer no Senado — a câmara alta do parlamento —, e no dia seguinte perante a Câmara dos Deputados, a câmara baixa. Perante os parlamentares, Mario Draghi deveria explicar aquilo que o seu governo fez e perguntar aos membros de ambas as câmaras se continuavam a confiar nele para conduzir os destinos do país. Sergio Mattarella queria esgotar todas as hipóteses de continuidade para evitar que o país entrasse em nova convulsão política num período crítico da atualidade mundial — a guerra na Ucrânia e a crise económica subsequente, que se soma à já difícil recuperação económica do pós-pandemia, marcada pela aplicação do plano de recuperação europeu.

Mario Draghi chegou ao Senado com um longo discurso preparado. “O Presidente da República confiou-me a tarefa de formar um governo para lidar com as três emergências que Itália enfrentava: a pandémica, a económica e a social. Um governo — e isto foram as suas palavras — de alto perfil, que não se deveria identificar com nenhuma fórmula política. Um governo que enfrente rapidamente as emergências graves que não podem ser adiadas. Todos os partidos, à exceção de um, decidiram responder positivamente a este apelo. No discurso inaugural que fiz nesta câmara, referi explicitamente o ‘espírito republicano’ do governo, que seria baseado na premissa da unidade nacional”, começou por dizer.

“Nos últimos meses, a unidade nacional tem sido a melhor garantia da legitimidade democrática deste executivo e da sua eficácia. Acredito que um primeiro-ministro que nunca se apresentou perante os eleitores tem de ter o maior apoio possível no parlamento. Esta assunção é ainda mais importante num contexto de emergência, no qual o governo tem de tomar decisões que afetam profundamente as vidas dos italianos“, acrescentou o governante italiano, prosseguindo com uma longa apresentação daquilo que o governo fez nos últimos meses, incluindo no que toca às medidas de combate à pandemia, de crescimento económico, de apoio à Ucrânia e de aplicação dos fundos europeus.

Porém, Draghi lembrou também os momentos em que o apoio ao seu governo começou a fraquejar — não apenas no que respeita a reformas internas, mas também nas “tentativas de enfraquecer o apoio do governo à Ucrânia e de enfraquecer a nossa oposição ao plano do Presidente Putin“.

No entender de Draghi, “o voto da última quinta-feira”, ou seja, a já referida abstenção do M5S, “certificou o fim do pacto de confiança que mantinha esta maioria unida. Não votar favoravelmente à confiança num governo de que se faz parte é um gesto político claro, que tem um significado óbvio. Não pode ser ignorado, porque seria equivalente a ignorar o parlamento. Não é possível contê-lo, porque isso significaria que qualquer pessoa o poderia repetir. Não é possível minimizá-lo, porque surge ao fim de meses de ultimatos”. Assim, acrescentou: “a única forma, se queremos continuar juntos, é reconstruir este pacto do zero, com coragem, altruísmo, credibilidade. São, na sua maioria, os italianos quem o pede.”

O primeiro-ministro salientou que é “impossível ignorar” os apelos da opinião pública e de vários setores para que o atual governo continue. Por isso, o seu discurso apresentou um autêntico programa de governo, descrevendo com detalhe as suas prioridades para os próximos anos, e deixou o desafio aos membros do parlamento: “Precisamos de um novo pacto de confiança, sincero e concreto, como aquele que nos permitiu até agora mudar o país para melhor. Aos partidos e a vocês, parlamentares: estão prontos para reconstruir este pacto? Estão prontos para confirmar o esforço que fizemos nos primeiros meses, e que depois se desvaneceu? Aqui, nesta câmara, estamos hoje neste ponto da discussão, apenas e só porque os italianos o pediram. A resposta a estas perguntas não deve ser dada a mim, mas a todos os italianos.”

O antigo líder do BCE não queria um "Draghi bis", ou seja, um segundo governo liderado por si, mas a continuação deste primeiro governo, com as mesmas linhas orientadoras, as mesmas prioridades e as mesmas figuras-chave.

Draghi apresentava, assim, as suas condições para governar. O antigo líder do BCE não queria um “Draghi bis”, ou seja, um segundo governo liderado por si, mas a continuação deste primeiro governo, com as mesmas linhas orientadoras, as mesmas prioridades e as mesmas figuras-chave.

Ao discurso de Draghi seguiu-se um longo período de debate, com os vários partidos a pronunciarem-se sobre a sua visão para o futuro do país. A favor de Draghi, o Partido Democrático, liderado por Enrico Letta, defendeu a continuidade do governo. Por outro lado, a Liga, de Matteo Salvini, e o Força Itália, de Silvio Berlusconi, deixaram bem claro que não votariam a favor da continuidade deste governo. Pelo contrário, queriam um novo governo Draghi, assente numa renegociação dos apoios parlamentares que deixasse de fora o Movimento 5 Estrelas, cuja abstenção uma semana antes fizera precipitar a crise política — algo que Draghi não pretendia.

Itália deverá ir a eleições antecipadas. Mario Draghi ganha voto de confiança, mas sem apoio dos principais partidos da coligação

Para o fim, ficaram reservadas as votações. Em cima da mesa foram colocadas duas resoluções parlamentares. Uma delas, apresentada unicamente pelo senador Pier Ferdinando Casini, incluía apenas uma frase: “O Senado, tendo ouvido a comunicação do presidente do Conselho de Ministros, aprova-a.” A outra, apresentada pela Liga e subscrita pelo Força Itália e pela UDC, era mais extensa e expressava o apoio a um novo governo Draghi, mas sem o M5S. Sem disponibilidade para ceder nas suas condições de governação, Mario Draghi pediu que fosse feita uma votação de confiança em relação à primeira resolução, apresentada por Casini.

Perante a decisão de Draghi, a Liga e o Força Itália anunciaram que não estariam presentes na votação daquela moção, sustentando que apenas estavam disponíveis para votar na sua própria resolução. O M5S também anunciou que não quereria votar aquela moção, o que chegou a ameaçar a própria votação por falta de quórum. Para resolver o problema, os senadores do M5S mantiveram-se na sala do Senado, mas recusaram participar na votação. No final, e feitas as contas, a moção de confiança recebeu apenas 95 votos a favor e 38 contra, num universo de 192 senadores presentes no momento da votação. Formalmente, a moção de confiança foi aprovada e Mario Draghi continuou a ter plenos poderes para se manter como primeiro-ministro do governo que liderava até aqui — mas a falta de força política daquele voto (o Senado é composto por 321 elementos) tornou praticamente inevitável a demissão do primeiro-ministro.

Ainda na quarta-feira, a imprensa italiana começou a avançar que Draghi planeava reunir-se com o Presidente Sergio Mattarella já na manhã desta quinta-feira para lhe apresentar a demissão depois de não ter conseguido cumprir aquilo que Mattarella lhe tinha pedido: voltar a unir os partidos da coligação. Contudo, a verdade é que Draghi continuava, em termos formais, a ter legitimidade governativa, pelo que deveria apresentar-se esta quinta-feira na Câmara dos Deputados para uma eventual nova moção de confiança que lhe garantisse a manutenção no governo. A previsão da maioria dos analistas era a de que Draghi usaria essa breve aparição perante os deputados para lhes comunicar, simplesmente, que se iria demitir.

21 de julho. A demissão, a dissolução do parlamento e a marcação de novas eleições

Itália acordou esta quinta-feira com uma certeza: o governo de unidade nacional que Draghi liderou durante ano e meio já não existia. Por isso, tudo apontava para uma demissão iminente. O próprio Presidente Mattarella sabia que esse era o cenário mais provável. No dia anterior, tinha mantido contactos telefónicos com Salvini e Berlusconi, que lhe haviam sinalizado o seu apoio a um governo “Draghi 2”, com novos ministros e um novo programa, como explica o jornal italiano Corriere della Sera — e isso estava fora da equação para Draghi.

epa10083584 A handout photo made available by the Quirinale Press Office shows Italian Prime Minister Mario Draghi (R) during the meeting with Italian President Sergio Mattarella (L) at the Quirinale Palace in Rome, Italy, 21 July 2022. The Prime Minister announced in the House chamber at the beginning of the general debate his intention to go to the Quirinal Palace to resign. The previous day, three parties in Draghi's ruling coalition failed to take part in a confidence vote in the Senate on a resolution backing Premier Draghi. The previous week, Italian President Mattarella refused to accept Draghi's resignations following the failure of ruling coalition partner M5S to back the government in a confidence vote.  EPA/QUIRINALE PRESS OFFICE/PAOLO GIANDOTTI HANDOUT  HANDOUT EDITORIAL USE ONLY/NO SALES

Mario Draghi esteve reunido com Sergio Mattarella esta tarde

QUIRINALE PRESS OFFICE/PAOLO GIANDOTTI HANDOUT/EPA

As expectativas dos analistas cumpriram-se quando Mario Draghi surgiu perante a Câmara dos Deputados pelas 9h desta quinta-feira para lhes comunicar, com brevidade, que iria dali direto ao palácio presidencial para apresentar a Sergio Mattarella a sua demissão. O anúncio foi aplaudido por praticamente toda a câmara, o que levou a Draghi a emocionar-se. “Os banqueiros também usam o coração, de vez em quando“, brincou.

Na sequência do anúncio, os vários partidos começaram a convocar reuniões das suas comissões políticas, com vista a decidir o seu posicionamento numa futura campanha eleitoral em que o sistema de alianças será, sem dúvida, marcado pelo modo como o governo Draghi terminou.

Draghi e Mattarella estiveram reunidos durante cerca de meia hora antes de o Presidente aceitar a renúncia do primeiro-ministro. Seguiram-se múltiplas reuniões institucionais para determinar os passos seguintes num país que volta agora a mergulhar na convulsão política e terá de ir a novas eleições. O anúncio foi remetido para o final da tarde, com os presidentes de ambas as câmaras do parlamento a serem chamados para reuniões no palácio presidencial.

Finalmente, depois das 17h30, Sergio Mattarella anunciou a decisão esperada: as duas câmaras do parlamento foram dissolvidas por decisão do Presidente. Numa breve comunicação ao país, Mattarella explicou que a dissolução do parlamento “é sempre uma decisão de último recurso“.

"Agora, temos de manter a mesma determinação na atividade que vamos poder levar a cabo nas próximas semanas, dentro dos limites do perímetro que foi desenhado [...] Ainda vai haver tempo para os cumprimentos. Agora, de volta ao trabalho"
Mario Draghi na reunião do conselho de ministros

“O governo apresentou a sua renúncia e, ao reconhecê-lo, agradeci a Mario Draghi e aos ministros pelo seu empenho nestes 18 meses. O governo encontrou limitações à sua atividade, mas continua a ter as ferramentas para operar nestes meses enquanto não chega o novo executivo”, disse Mattarella, explicando que Draghi se mantém no cargo para a gestão dos assuntos correntes até às próximas eleições, marcadas para 25 de setembro. “Não é possível haver pausas neste momento pelo qual estamos a passar. Os custos da energia têm consequências para famílias e empresas, há que lidar com as dificuldades económicas.”

Ao final da tarde desta quinta-feira, Mario Draghi reuniu-se com os membros do governo em conselho de ministros para começar a discutir como é que o governo em funções irá lidar com os problemas de gestão corrente nos próximos meses. “Agora, temos de manter a mesma determinação na atividade que vamos poder levar a cabo nas próximas semanas, dentro dos limites do perímetro que foi desenhado“, disse Draghi aos ministros. “Ainda vai haver tempo para os cumprimentos. Agora, de volta ao trabalho.”

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