Releia a entrevista de vida do autor Valter Hugo Mãe ao Observador, publicada originalmente a 2 de Outubro de 2016.
No princípio era a poesia. Desde que era um menino de oito anos, de camisola de lã castanha, a viver em Paços de Ferreira. Aos 25 anos, já caxineiro de coração e de morada, Valter Hugo Mãe publicou a sua obra de estreia, Silencioso Corpo de Fuga. Hoje, o autor não gosta do que lê naqueles primeiros poemas editados. Mas foi a materialização desse livro que o fez acreditar que podia ser bom em alguma coisa. Foi há 20 anos.
Antes dessa descoberta, teve de suportar uma adolescência solitária. Jura que destruiu todas as fotografias suas desse tempo, porque era “horroroso”, tinha a cara “cheia de espinhas” e, por baixo delas, um ar desalentado, de quem não era feliz. Aos 17, ainda corava se uma rapariga bonita lhe dirigia a palavra. Quem diria que, em 2007, esse mesmo rapaz teria coragem suficiente para saltar completamente nu de um carro, num domingo à tarde, em plena Avenida da Liberdade de Braga, para uma sessão fotográfica. Os olhos que não se cruzaram com a cena insólita nesse dia podem sempre pousar na capa do livro Pornografia Erudita. Lá está Valter Hugo Mãe, nu, num livro lançado pouco antes de vencer o Prémio José Saramago, que mudaria tudo.
Entre o mais antigo livro e o mais recente, Homens Imprudentemente Poéticos, que a Porto Editora faz sair na segunda-feira, 3 de outubro, muita coisa aconteceu. Valter Hugo Lemos, o homem por detrás do pseudónimo, fez em setembro 45 anos de idade. Nada mau para quem dizia que ia morrer antes dos 40, sem qualquer maleita a justificar o palpite. Ultrapassada a meta, agora diz ao Observador acreditar que “daqui a 20 anos” já está morto. O facto de ter nascido em Angola após a morte de um irmão tornou a morte um tema presente. Ter tido como prenda de aniversário uma gripe também não ajuda. “Não lido nada bem com a ideia de perder capacidades”, assume.
O pai morreu há 16 anos. Não tem problemas em admitir que é um menino da mamã, D. Antónia, com quem passeia de mão dada pelas ruas. No capítulo da família falta-lhe o filho que há já alguns anos não esconde que gostava de ter. “Há coisas que não acontecem”, diz, resignado. Este domingo, a mãe do escritor deverá estar na Casa da Música, no Porto, para assistir a um dia inteiro de programação que pretende celebrar os 45 anos de vida do filho, mais os 20 anos de edições literárias. A apresentação do livro propriamente dita acontece às 17h30, com sessão de autógrafos posterior. As celebrações estendem-se ao Teatro S. Luiz, em Lisboa, no dia 8 de outubro.
Além dos livros, o homem que, em 2012, venceu o Prémio Portugal Telecom para melhor romance do ano, com A Máquina de Fazer Espanhóis, também pinta e canta. Os últimos anos não lhe permitiram continuar com a banda Governo, que formou com dois músicos dos Mão Morta, por causa de uma lesão nas cordas vocais provocada por um grito. Mas Valter está melhor e em breve deverá ser submetido a uma pequena cirurgia, que o obrigará a um voto de silêncio. “Depois desses 30 dias, em princípio volto a ser um rouxinol”.
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Há pouco, nos intervalos entre fotografias, aproveitou cada segundo morto para cantar. Os livros são a sua vida, mas a música também foi e é importante, com uma face mais visível chamada Governo, que formou com dois músicos dos Mão Morta e com quem chegou até a atuar em Paredes de Coura. Tem saudades de cantar?
Tenho. O que aconteceu foi, segundo o otorrino, que terei dado um berro qualquer e fiz uma lesão nas cordas vocais em que desenvolvi um pólipo. A partir desse instante fui enrouquecendo, perdi os meus agudos. Eu estava muito surpreso com a elasticidade vocal que tinha — e que não sabia que tinha, foi com a banda que eu acabei por percebê-lo –, por isso tenho muitas saudades. De vez em quando ainda ensaiamos, mas fazemos uma espécie de versão para velhinho das músicas que temos. Retiramos-lhes o ar mais circense, de funambulista. Neste momento, sou uma espécie de memória de uma voz interessante.
Noto que está muito menos rouco.
Estou muito melhor, fiz terapia da fala, tenho estado a disciplinar a respiração e, sobretudo, nunca mais gritei. Nem chamo por alguém se o vir na rua. Se vir alguém com quem quero muito falar, sou incapaz de gritar neste momento. Vivo com essa dimensão um pouco frustrante porque é incapacitante, no sentido em que parece que nos retiram a liberdade de expressão, até de festa. Enquanto as pessoas cantam todas os parabéns eu canto uma oitava abaixo, fico a fazer de baixo. Pareço aquele indivíduo que veio para assustar [risos].
Disse-me que os Governo têm ensaiado. Faz parte dos vossos planos regressarem ao ativo?
A ideia é, eventualmente durante 2017, gravarmos uma série de canções novas. Por isso, tenho de continuar com esta disciplina, com esta terapia. Devo começar a ser seguido por um novo otorrino porque estou a ser mais ou menos encaminhado para a hipótese de fazer uma operação, que é uma cirurgia mínima em que retiram esse pólipo, digamos assim. Terei de ficar 30 dias sem falar e, depois desses 30 dias, em princípio volto a ser um rouxinol.
Sem falar nem cantar. Como é que se sente em relação a isso?
Pode ser uma disciplina interessante, essa do silêncio obrigatório. Pode ser que eu aprenda… Eu sou um observador, de qualquer maneira. Talvez consiga regressar a um estádio de pura fruição, porque não poderei protagonizar praticamente nada e, por isso, serei um espectador.
É um homem de letras, com vários livros publicados em diferentes géneros literários, mas também letras escritas para canções e para peças de teatro. Há quem diga que uma imagem vale mais do que mil palavras. Talvez seja exagerado, mas há de facto uma imagem icónica na sua carreira: a da capa do livro de poesia Pornografia Erudita, em que surge em nu integral. Como é que isto acontece?
Esse tempo da minha vida é muito mudador. Eu necessitava… Eu fui obrigado a uma mudança e necessitei de mudar ainda mais, ou seja, de reenquadrar a minha vida e de reencontrar as minhas forças. Creio que tomei algumas atitudes que tinham que ver com a manifestação de personalidade, de solidificação da minha individualidade, da minha solidão. Aparecer nu na capa de um livro não deixa de ser agressivo, e se é agressivo talvez seja uma agressão a alguém, mas era uma agressão que eu necessitava, era assim um protesto que eu precisava de fazer. Como se eu me estivesse a reapossar da minha inteireza. Como se eu tivesse decidido: “Pertenço apenas a mim, faço apenas o que eu quiser fazer e, por isso, devo obedecer apenas ao pudor que a minha ética me impõe.”
O livro saiu em 2007, pouco antes de vencer o importante Prémio José Saramago.
É um tempo em que tudo na minha vida entra em convulsões e eu proponho-me estar preparado para entrar em outra fase da minha vida. E de facto outra fase começou. Eu não saberia qual, não poderia estar exatamente à espera que acontecesse assim, mas aconteceu e fiquei muito grato. Foi muito feliz. Eu só gostava de ser mais atlético para estar melhor na fotografia porque, de resto… Talvez se eu fosse mais atlético as pessoas iam tramar-se porque iam ver-me nu mais vezes. Acho que complicamos demasiado coisas que são atributos perfeitamente naturais, aquilo que tem de ver com a pura natureza. Por isso, não devemos permitir que a cultura, por mais esplendorosa que seja, nos destitua da natureza. Eu gosto dessa fotografia. Só gostava de estar mais bonito.
O que é que na sua vida entrou em convulsão?
Eu tinha deixado de ser editor na Quasi, andava meio à deriva. Os meus romances tinham sido publicados [O Nosso Reino, em 2004, e O Remorso de Baltazar Serapião, em 2006] mas sem um sucesso comercial a assinalar. Os livros só começaram a vender mais depois do Prémio Saramago e hoje vão vendendo sempre, mas aquela altura antes do Prémio havia um sucesso na crítica, havia um carinho da crítica inclusive, mas não havia muito público. Eu até compreendia isso, porque não entendo os meus livros como sendo propriamente fáceis, como sendo sucessos óbvios e, por isso, estava perfeitamente apaziguado com o facto de ser um autor menos conhecido, menos bem sucedido no que diz respeito ao aparato das vendas.
Mas, ao mesmo tempo, a minha vida estava meio estagnada. Eu achava que precisava de encontrar um emprego que fosse viável, porque tinha deixado de ser editor fazia já dois anos. Precisava de cair na real. Das duas uma: ou virava um trabalhador convencional, funcionário de alguma coisa, ou então outra coisa qualquer. Exatamente ao mesmo tempo da publicação da Pornografia Erudita, enviei vários currículos, aproximei-me de várias pessoas, deixando saber que estaria à procura de um emprego qualquer. Claro que queria muito estar dentro do universo da cultura mas, na altura, nenhuma porta se abriu, curiosamente. Enquanto fui coeditor na Quasi, publicámos talvez 400 títulos, em quatro ou cinco anos, desde o Caetano Veloso ao Mário Soares, da Adriana Calcanhoto ao António Ramos Rosa. Publicámos mesmo muita gente. E a sensação que se tem quando se ocupa um cargo destes e se trabalha com gente deste nível é a de que temos amigos, e que, se de repente precisarmos de alguma coisa, conhecemos as pessoas, elas sabem como trabalhamos e isso talvez nos abra alguma porta, talvez suscite o interesse de alguém. A verdade é que não. Foi uma coisa que me marcou muito, essa fratura, porque eu lembro-me bem que assinei o contrato de venda da minha parte na Quasi a 14 de dezembro de 2004. O meu primeiro romance tinha saído em setembro.
Saiu para se dedicar à escrita?
Não, eu e o Jorge Reis-Sá é que não nos entendíamos mais. Sobretudo, ele entendeu que não dava mais porque eu, de alguma forma, achava que o projeto era precioso, e era precioso para os dois, por isso eu nunca conseguiria tirar-lhe aquilo.
Tirar-lhe a hipótese de tornar a Quasi mais comercial, é isso?
Eu até aceitei, nós editámos algumas coisas muito mais comerciais, que eram típicas talvez das preferências do Jorge. Talvez não seja justo dizer as preferências, mas tinham que ver com a ansiedade que o Jorge tinha de ter uma empresa de sucesso, o maior sucesso possível. E a minha postura na vida era muito diferente, tinha mais que ver com o poder pagar as minhas contas, que, devo dizer, nunca foram muito diferentes nem naquela altura nem nesta altura, por isso o ganhar mais ou menos dinheiro nunca me levou a ter gastos mirabolantes.
O Jorge queria dar esse passo e, para mim, não era fundamental. Em alguns momentos fomos dando, mas o ponto-chave para a minha saída foi o Jorge ter achado que eu devia sair. Quando, no meio de todas as discussões que nós tínhamos, eu acreditava que seria quase criminoso impor-lhe uma saída. O projeto era tão importante para cada um de nós que eu nunca lho roubaria. E foi tal a desilusão por ele ser capaz de me querer fora, que eu achei que inviabilizava a possibilidade de continuarmos sobretudo a ser amigos.
E saí. Mas saí morto. Absolutamente destruído de desilusão e de tristeza, porque deixava um projeto pelo qual dei tudo, e que em pouco tempo tinha trazido à minha vida uma alegria e uma sensação de realização profundas. E por isso, quando saí, mais trágico se tornou perceber que, a partir do dia 14 de dezembro, praticamente só a minha mãe me ligava. Enquanto até ao dia 13 de dezembro eu por vezes tinha de esconder o telefone, porque não conseguia cinco minutos de uma conversa direta com ninguém, porque a cada cinco minutos tinha alguém a telefonar-me e a dizer que me adorava, e que queria que eu jantasse, ou almoçasse, ou fosse de férias, ou fizesse fosse o que fosse.
Ficou um vazio.
De repente, todas essas pessoas desapareceram. Com o tempo, algumas voltaram. E, quando digo algumas, digo quatro ou cinco. As outras 800 pessoas que faziam parte daquela rotina desapareceram completamente.
Que lição é que fica disso? Neste momento imagino que o seu telefone toque de cinco em cinco minutos. Passou a ficar de pé atrás com as pessoas?
Fiquei só a perceber que… Por exemplo, quando alguma pessoa desocupa um cargo, é despedida de alguma coisa, é nesse momento que eu me aproximo mais. É nesse momento que eu me disponibilizo e agradeço à pessoa o que ela fez por mim. Porque senti que foi isso que talvez me tenha magoado mais, as pessoas não terem percebido que, durante aqueles anos, eu estive profissionalmente ligado a elas mas que também me envolvi de uma forma amiga, fui sobretudo um amigo. E pronto. Passei a ter menos amigos, que é uma coisa que eu acho que qualquer adulto aprende depressa e eu aprendi mais devagar.
Ainda tenho algumas confusões, mas não me arrependo rigorosamente de nada, ou seja, aqueles anos na Quasi parecem-me assim uma encarnação anterior, porque a fratura, o corte com o que vem a seguir na minha vida é tão gigante, o facto de todas aquelas pessoas, gente que eu admirava muito, terem desaparecido substancialmente da minha vida dá a sensação que eu tive de recomeçar a partir de um outro referencial, como se de repente precisasse de gostar de outras pessoas, porque as pessoas de quem eu tinha gostado não souberam, ou não me quiseram, acompanhar. Eu acho que as pessoas têm uma ideia pobrezinha dos outros. Têm tendência para achar que quando alguém falha em algum momento, quando alguém sai de algum projeto que é bem-sucedido, como era naquela altura a Quasi, as pessoas devem ter achado que eu me destruí por algum motivo e que por isso eu seria inválido dali para a frente. Provavelmente muita gente, e uma ou duas pessoas até me disseram isso, achavam que nunca mais se ouviria falar de mim. Hoje em dia é tão engraçado que o que se fala de mim é bastante para a maior parte das pessoas nem sequer saber que eu algum dia fui editor na Quasi. A importância que a Quasi teve na minha vida, comparada com o que os meus livros hoje importam para mim, é uma importância quase residual.
Em 2006 criou outra editora, Objecto Cardíaco, mas faliu. Envolve-se em várias iniciativas mas, retirando tudo isso, consegue viver bem só da escrita dos seus romances e da sua poesia?
Consigo.
Será um caso raro em Portugal.
Sou um caso raro. Mas é como digo, não sou deslumbrado. Uma vez o Herman José perguntou-me: “O menino agora já pode ir jantar ao restaurante sem olhar para a ementa?” Posso. Eu posso entrar no restaurante que quiser, mandar vir o que quiser e não fico preocupado. A questão é que eu vou sempre ao mesmo restaurante. Vou ao mesmo a que ia quando era miúdo. Não mudei de hábitos. Por isso faço, compro e gasto as coisas que gastava quando contava os tostões. E não é uma questão de avareza, é porque, pura e simplesmente, o que me preocupa na vida não é uma espécie de escalada de marcas ou de produtos, ou seja do que for. Se eu conseguir fazer uma boa fotografia com um casaquinho de 35 euros, provavelmente não me vão ver a comprar casacos de 500 ou 600 euros.
Voltando à fotografia, ao seu grito, já antes tinha andado nu pela Avenida da Liberdade em Braga, em plena luz do dia, não foi?
Foi por causa dessa fotografia. Só que as fotografias que eu fiz na Avenida da Liberdade não ficaram bonitas, digamos. Não é que aquela tenha ficado particularmente bonita, mas as de Braga não eram interessantes. Eu fiquei com um andar de pato, porque estava nervoso — eu ando um pouco com os pés à Charlie Chaplin –, e a única fotografia que era minimamente legível e que tinha algum interesse, eu estava com os pés um para cada lado e estava-me a rir. Era ridículo, porque de repente saltei de um carro, completamente nu, para o separador central da Avenida da Liberdade, era domingo, estava tudo em passeio, as pastelarias cheias, as pessoas começaram todas a apontar o dedo e eu comecei-me a rir! Não consegui manter-me sério [risos]. Então a fotografia, enquanto obra de arte, ficou imprestável. Mas foi uma experiência que eu aconselho grandemente às pessoas, a de andarem nuas na Avenida da Liberdade em Braga.
Isso não é atentado ao pudor?
Não. Atentado ao pudor é bater-se nas crianças, roubar e fazer-se mal, essas coisas assim que a gente vê no YouTube. Aquilo que o YouTube normalmente não mostra é que é a natureza. O que o Facebook e o YouTube não gostam é que tenhamos uma dimensão natural, prefere que sejamos todos sinteticamente padronizados.
Cresceu e ainda vive no Norte de Portugal. Mas nasceu em Angola, na cidade de Henrique de Carvalho (atual Saurimo), de onde saiu com dois anos e meio. Tem alguma memória de lá?
Não. O que acontece é que fui criando uma ficção com aquilo que ouvia contar, porque saí de lá com dois anos. Há cerca de três anos voltei lá, fui ver a terra onde nasci. Tirei milhentas fotografias e quis muito incluir uma de Saurimo porque aquilo que muito marcou nesta visita foi a maneira como as pessoas me pediam, ansiosamente, que as fotografasse. A impressão que elas têm é que o visitante que as fotografa, e que transporta as fotografias para fora dali, permite que eles, de algum modo, viajem. É a viagem de que eles são capazes, uma ilusão de serem reconhecidos por outros povos, de serem encontrados por outros povos. Isso é muito impressionante porque é transversal a toda a gente em Saurimo, e que contrasta grandemente com o que acontece depois em Luanda. Na capital já não podemos sequer olhar para as pessoas, que elas ficam ofendidas.
Em Saurimo somos acolhidos, somos celebrados como visitas e, se tivermos uma máquina mão, toda a gente nos pede, da criança ao mais velho, para os fotografar. Fiquei muito impressionado com o mercado, que é muito precário mas, ao mesmo tempo, muito festivo. Em que as pessoas, que não têm praticamente nada, expõem uma boa disposição e uma alegria que é muito difícil para nós descodificarmos. Temos incomensuravelmente melhores condições de vida do que eles e não fazemos aquela festa na rua. Não temos uma autorização para a alegria.
Porquê? Culpa da herança católica?
Culpa de tudo. Desta predação financeira em que vivemos, da necessidade de trabalharmos até velhinhos, da necessidade de tudo ser pago. Tudo quanto poderia ser considerado, e é, vital para a nossa vida devia ser disponibilizado tendencialmente de forma gratuita. E estamos num processo inverso. Tenho pena porque, no fundo, em Angola eles vivem naquela miséria mas procuram e acedem a muita coisa selvagem, digamos assim. Habitam ou, sobretudo, sobrevivem nessa dimensão não comercial. Não é que eu esteja contra a comercialização das alfaces para fazer salada, mas é pena que compremos as alfaces e não consigamos ser felizes. E eles têm de arranjar maneira de andar quilómetros para arranjar as alfaces e conseguem ser felizes com isso.
Qual é a memória mais antiga que tem da sua infância?
É de um dia muito especial. Lembro-me do 25 de Abril de 1974, embora tivesse dois anos e meio.
Então tinha acabado de chegar a Portugal?
Exatamente nessa altura o meu pai estava de férias e tinha vindo passar uma temporada, creio que três meses, a Portugal e a França. Nós tínhamos estado um mês em França e tínhamos chegado cá uma semana antes do 25 de Abril, creio. Nesse dia, o meu pai tinha uma reunião no Banco de Portugal, em Lisboa, porque ele era funcionário bancário em Angola e estava a tratar de um pedido de transferência para Portugal.
Ele já tinha percebido que o clima social e político podia mudar muito em breve?
Nada, nada, não sabíamos de nada. A minha família estava de férias.
Então se foram apanhados cá de férias, nunca mais voltaram à cidade de Henrique de Carvalho, à vossa casa?
Nós nunca regressámos. Ficou tudo lá. A minha relação com Angola tem muito de imaginário porque não havia quase nada, nunca tivemos a casa com bonecos de pau-preto ou marfins, não havia nada. Só pouquíssimas fotografias, um colar da minha mãe e uma moeda, talvez. Coisas que a minha trazia com ela. E as fotografias que existem, raríssimas, foram enviadas pela minha mãe aos meus avós. Como esta que eu trouxe do batizado.
Voltemos então à sua memória do 25 de Abril.
O que acontece nesse dia foi que, como o meu pai tinha a reunião no Banco e eu era muito pequeno, acompanhei os meus pais na viagem de carro. Contam-me que os meus avós maternos também terão ido. Eu não me lembro deles nesse dia mas lembro-me de estar a brincar num parque de diversões ao lado do Banco de Portugal e de o meu pai aparecer subitamente dizendo que ouviu tiros. Fizemos a viagem a noite inteira e não se ouviu rádio, por isso ninguém se apercebeu do que estava a acontecer naquele dia. O meu pai então aparece, e disso eu lembro-me, aflito, gritando que havia uma guerra, e a minha mãe a tomar-me no colo e a correr aflita comigo. Lembro-me de haver um escorrega e um menino com quem eu estava a brincar, e de essa aflição súbita de termos de fugir porque havia uma guerra.
É engraçado que a sua primeira memória seja o início da democracia.
Tenho um certo orgulho, porque com a minha idade ninguém se lembra de onde estava, não é? E eu de alguma forma sei. Uma vez escrevi um texto dizendo que era o dia em que a minha cabeça nasceu, porque a minha memória mede-se desde esse dia para cá. Nasci com a liberdade.
Tem duas irmãs e um irmão mais velho. Houve um irmão que não conheceu, Casimiro, que morreu antes de o Valter nascer. Foi muito mimado por causa disso?
Não, não, não, acho que não. A minha família é unida e presente, mas acho que até esse mito do filho mais novo é um pouco injusto porque muitas das vezes o mais novo é o que está mais distante das urgências da família. O que acontece é que a diferença de nove ou 10 anos que vai de mim para a minha irmã mais velha fez com que ela estivesse muito mais atempada com os assuntos dos meus pais, e que fosse muito mais solicitada do que eu. Os filhos mais novos são deixados a um certo abandono de crescimento, porque se supõem crianças durante muito mais tempo pelos pais, os pais deixam-nas infantis mais tempo.
Teve uma infância e uma adolescência felizes?
Mais ou menos. Na infância as crianças são capazes de ser felizes com qualquer coisa, não é? E eu fui. Acho que encontrava ali uns pontos, umas possibilidades. Mas, pelo facto de ter perdido um irmão antes de nascer, aquela presença dessa ausência, para uma criança, era muito forte. Fazerem-nos visitar um túmulo era muito forte. Eu tive sempre uma certa tendência trágica. Mas como tinha uma prova de que a verdadeira tragédia era outra coisa, como por exemplo a morte concreta do meu irmão, sempre achei um motivo para continuar, ou seja, tive sempre uma visão disfórica, ou desconfiada, da vida, no sentido em que tenho uma certa desconfiança da alegria profunda. Ao mesmo tempo também não fico quieto, não sou nada passivo, não me deixo abater no sentido de entrar em depressão. Posso entristecer com coisas piores que a vida me traz, mas não sou depressivo. Muito pelo contrário, curo-me como uma espécie de lucidez, como um alerta. Por oposição à infância, tive uma adolescência mais estranha. Não gostei da minha adolescência, não aconselho a ninguém.
Numa entrevista à Ler, em 2013, descreve uma adolescência muito insegura até para a idade.
Foi muita insegura.
Disse: “Eu achava que ia morrer virgem, que era tão feio que nunca ninguém me tocaria…”
Era.
“…achava que nunca arranjaria emprego, que levaria milénios para aprender a fazer alguma coisa”. Achava que ia morrer cedo. “A minha vida só começou a fazer sentido mais tarde.” Porquê este sentimento trágico?
Nem sei como é que não morri. Tudo era uma demora, tudo o que eu queria não havia, não se fazia.
O que é que queria, o que é que lhe faltava?
Não tinha dinheiro para comprar as coisas que eu queria, não tinha livros, não podia viajar, eventualmente não tinha amigos, não tinha os amigos certos, não entendia muito bem as pessoas… Eu queria estudar coisas que não se ensinavam na escola, queria falar de coisas mais profundas, achava os miúdos da minha idade muito infantis, não conseguia identificar-me com os da minha idade. Dava-me bem com velhinhos, sempre fui o amigo favorito dos pais e das mães de todos os meus amigos, porque, se calhar, quando ia a casa deles tinha melhores conversas com os pais deles do que com os meus amigos.
Sentia-se deslocado.
Sentia-me completamente desfasado de quem era e de quem era obrigado a ser. Era como se a vida me obrigasse a estudar uma palermice na escola e eu queria ler livros incríveis, muito mais enriquecidos. Aquilo que me propunham parecia-me quase destituído, como se fosse para burros. Então, a minha adolescência foi muito descasada de tudo. Muito solitária. Por isso é que acabou por ser insegura, porque, a dada altura, a gente fica com a sensação de que a culpa é nossa e de que somos imprestáveis. Se o comum dos cidadãos faz qualquer coisa e alegra-se com isso, porque é que eu não conseguia divertir-me com as mesmas coisas? Parecia que estava à espera que começasse outro tipo de Humanidade.
A insegurança física também fazia parte do problema? Das fotografias que me trouxe, passa dos oito anos para a idade adulta.
Sim, destruí tudo, era horroroso, cheio de espinhas!
Não guardou mesmo nenhuma fotografia da sua adolescência?
Não. Infelizmente, há uma amiga que deve ter montes de fotos minhas. Mas eu qualquer dia vou lá e roubo-as. Eu era muito desajeitado, tinha um ar muito desalentado. Não é que hoje tenha um ar mais entusiástico, mas eu hoje sei que sou uma pessoa resolvida e propensa à felicidade. Quando me vejo com 13, 14, 15 anos, vejo-me tão desalentado que acho que são fotografias muito tristes. Não gosto delas.
Quando é que a sua vida começou a fazer sentido?
Talvez ali depois do curso. Durante o curso já comecei a poder encontrar e a poder definir coisas. Um curso universitário já permitia um embate mais ideológico e superior, em que, de repente, mesmo que as pessoas fossem ainda meio imaturas, estavam mais obrigadas à maturidade. Nem que fosse por obrigação, era esperada uma outra conduta, uma outra conversa. Mesmo os próprios estudos, porque estudar Direito é muito aliciante ao nível das teorias. Eu gostava muito de toda a dimensão teórica do Direito.
Como é que a criança e o adolescente que queria ler livros incríveis acaba a ler o código civil? Não teria sido muito mais natural ir logo estudar Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, que foi o que estudou a seguir?
Os livros na sua perspetiva mais processual são chatos. Mas os fundamentos teóricos do Direito são verdadeiramente a grande disciplina humana que é importante estudar. Por isso, a teoria, a filosofia do Direito, o sabermos porque é que é razoável vivermos organizados numa forma de Estado, porque é que é legítimo existir um Estado. Tendencialmente deveríamos ser bichos à solta. Porque é que nascemos subjugados a um determinado sistema? Porque é que aceitamos, ou somos obrigados a aceitar, um determinado sistema? A fundamentação deste tipo de questões é muito interessante.
Ao curso da Universidade Moderna seguiu-se o estágio. Como é que correu?
Eu gostei de fazer o estágio. Mas foi um pouco desconchavado porque eu já não queria muito a prática do Direito. Percebi que mudar o mundo a partir do Direito ser-me-ia muito difícil. Queria muito influir de uma forma benigna na vida das pessoas, mas era complicado porque o aparato, o teatro do Direito, digamos assim, é muito formal. É muito burocrático, cheio de hierarquias que, na maioria das vezes, a verdade é tão cerimoniosa que acaba por ser meio desumana. É como se precisássemos de aceitar a ignorância como fazendo parte da Justiça. E a mim custava-me muito. Aquilo que eu sei, sei, aquilo em que acredito, acredito. Se passar a acreditar noutra coisa, passo a acreditar noutra coisa. Custa-me muito dizer que gosto de alguma coisa que não gosto, ou dizer que foi alguém que roubou quando eu sei que não foi…
Viu-se em situações em que teve de mentir?
Não. Na verdade eu acreditei sempre nas pessoas, as pessoas é que me mentiam muitas vezes. Tive o caso de um senhor que partiu o nariz à vizinha. Apareceu-me a chorar, muito arrependido, eu quase chorei com ele no tribunal, e disse-lhe: “O senhor só precisa de dizer isso ao juiz, que está muito arrependido e vai pedir desculpa à senhora.” E ele só me pedia: “Ajude-me, ajude-me!” Quando chegou lá dentro, admitiu ao juiz que partiu o nariz à vizinha e que partiria outra vez. Não tinha nada cara de choro e eu senti-me completamente defraudado. Senti-me o pior dos advogados porque não sabia nem quem era a pessoa que eu estava a defender, não entendi nada daquilo. Quando o juiz pediu que eu argumentasse, eu disse: “Olhe, peço que se faça justiça.” Apetecia era dizer “peço que você lhe parta o nariz também”, mas era advogado dele e não podia solicitar isso [risos]. Aliás, não podia promover agressões físicas a ninguém.
A fraude foi tão grande, senti-me tão desmontado, que percebi que lidar com um caso concreto nem sempre é para mim. Porque diante das pessoas eu sou muito crédulo. Se as pessoas me disserem uma coisa eu não me gasto a duvidar. Talvez seja a minha postura na vida: como normalmente respondo ao que me perguntam, presumo que me digam também a verdade. Estava condenado a ser um advogado sofredor, sempre a ser enganado pelos seus próprios constituintes. Foi muito melhor começar a publicar poesia.
Quando é que começou a escrever?
Muito cedo, era um menino. Antes de saber o nome das coisas já eu escrevia, já tinha poemas antes que alguém me falasse de poemas. E escrevia pequenas histórias. A partir da publicação do meu primeiro livro de poesia, aos meus 25 anos, há alguma coisa em mim que parece entrar numa categoria de conquista, de realização. Como se eu deixasse de ser aquela espécie de patinho feio à deriva. Como se, de repente, eu pensasse: “Pronto, posso não ser grande coisa, mas um estropício enjeitado por absoluto também não devo ser. Foi aí que eu comecei a perder um bocado a vergonha, deixei de corar quando as meninas falavam comigo — que eu com 17 anos corava. Se fosse uma menina bonita eu ficava atrapalhadíssimo, não sabia o que responder. As miúdas bonitas são terríveis, porque ficamos atrapalhados [risos]. Acho que os livros, as histórias, as ficções, as personagens acabaram por me explicar que toda a gente tem os seus anseios e creio que os livros me ofereceram uma espécie de igualdade.
Como é que se dá a publicação desse primeiro livro?
Isso acontece perto do fim do curso, eu já estava a começar o estágio quando sai o livro, creio. Fui a Coimbra porque tinha lá umas pessoas amigas, alguém sabia que eu gostava muito de poesia e disse-me que havia uma pequena livraria numas galerias da Rua da Sofia que só vendia poesia. Eu fui lá, comprei um livro porque não tinha dinheiro para comprar dois e havia lá uma moça com quem fiquei a falar durante duas horas. No fim da conversa ela perguntou-me se eu escrevia poesia. Eu tinha gostado tanto de conversar com ela, porque ela gostava tanto de poesia, que não tive coragem de lhe mentir e disse que sim. Ela perguntou-me se os podia ler e eu pensei: bom, eu vivo em Vila do Conde e ela em Coimbra, talvez não seja muito perigoso expor-me porque, se ela não gostar, eu não vou ter de a ver todos os dias. Talvez eu nunca mais venha a Coimbra.
Quando cheguei a casa, fiz um esforço suplementar para rever os meus poemas e organizei assim uma espécie de livro, com um título, e enviei-lhe. Em dois dias, ela telefonou-me a dizer que tinha gostado muito e que gostava de publicar. Eu fiquei muito confuso porque não tinha percebido que ela não era só empregada na livraria. Ela era a dona da livraria que também era uma pequena editora de poesia, chamada A Mar Arte. A senhora chama-se Elsa Ligeiro e publicou os meus dois primeiros livros. Dos quais eu hoje não gosto, mas que foram fundamentais para que eu pudesse acreditar que alguma coisa aconteceria na minha vida. Porque eu nunca procuraria uma editora. Eu sonhava com os outros poetas, imaginava como seria incrível a vida deles, mas nunca sonhei isso para mim, porque achava que estava tão distante… Eu era tão improvável para conseguir qualquer coisa que nunca teria a arrogância de sonhar com algo tão grande.
Na primeira Granta Portuguesa afirmou que a nudez física que estampou no livro Pornografia Erudita nunca será tanta quanto a que experienciou na poesia. Porquê?
A poesia é horrível, conta tudo. É malcriada.
Não conta também um bocadinho nos seus romances?
Mas nos romances ninguém percebe nada, eu digo que é a tia não sei das quantas e as pessoas sabem lá se aquilo é uma transfiguração ou se é uma máscara, não é? Agora a poesia, mesmo que nós queiramos inventar uma personagem, as pessoas leem aquilo como sendo autobiográfico. Então, a maior palermice surreal que não significa nada, as pessoas acham que aquilo é o nosso pensamento mais profundo, e por isso é terrível.
Mas para se sentir despido é porque disse verdades…
Claro, porque disse coisas, misturo coisas e, às vezes, as coisas mais terríveis são as verdadeiras e as mais discretinhas só estão ali para confundir. As pessoas normalmente acreditam mais depressa nas discretinhas, porque acham sempre: “Não… Ele nunca diria aquilo.” É interessante esse jogo mas, ao mesmo tempo, ao fim de uns anos é esquisito, porque nós mudamos muito. Eu fiz 45 anos e por isso estou mais velho do que alguma vez achei que algum dia fosse.
Costumava dizer que não chegava aos 40 anos. Por esta altura já leva cinco anos de bónus…
Já estou com cinco anos de bónus para lá de todas as promessas de morte. Com 45 anos uma das coisas que percebo hoje é que o que as pessoas me fizeram há 10 anos, de bom ou de mau, é algo que fica absolutamente no passado. Não corresponde necessariamente a nada do presente. Significa o quê? Que alguém que foi terrível comigo há 20 anos pode ser hoje uma pessoa encantadora.
Chateia-o ter eternizado isso na poesia, é por isso que não gosta?
Exatamente. E aborrece-me de vez em quando olhar para poemas que manifestam uma espécie de culpa minha ou culpa dos outros, ou tristeza minha ou tristeza dos outros, ou alegria minha ou alegria dos outros, que não existe mais, que não faz mais sentido, que eu julgava que fosse uma coisa perene, identitária, e que, afinal, era só uma circunstância de época. Por isso, os poemas parece que se desatualizam e a poesia não se deve desatualizar. Talvez a minha má relação com a minha poesia neste momento tenha que ver com isso, com achar que os poemas se desatualizaram como se estivesse a falar de coisas absurdas que perderam o sentido. Uma das provas, por exemplo, é a montanha de poemas que dediquei a pessoas, eventualmente em 100 dedicatórias que fiz talvez só 10 é que eu mantenha e 90 eu pasmo. Penso assim: “Mas como é que eu dediquei isto a este estafermo?”
Por exemplo?
Pessoas que estão para lá… Algumas sabem, pessoas que se zangaram comigo, que me roubaram dinheiro, que me roubaram coisas, que me roubaram livros, que me agrediram.
Que o agrediram?!
Sim sim… Houve pessoas que me roubaram dinheiro, por exemplo. E que me roubaram livros em casa.
Amigos?
Não, se fossem meus amigos não me tinham roubado livros. Primeiras edições maravilhosas que eu tinha de pessoas que me deram, de autores de sonho, e de repente desaparecem-me de casa porque outras pessoas mos levaram. E eu penso assim: isto é possível que me aconteça?
Tentou resolver essas questões com as pessoas?
Não, envelheci. E tenho outros livros lindos.
Então os poemas afinal podem ser um bom ajuste de contas…
Agora eu devia escrever uns poemas a dizer quem é que me roubou os livros. É triste porque a gente envelhece e… Eu não guardo propriamente rancor. Há aquela tristeza no tempo. Mas muitas vezes sinto uma alegria profunda quando sei — ou porque as reencontro ou porque alguém me conta — que se encontraram na vida, que se apaziguaram com as suas próprias sortes e que hoje têm um papel na sociedade bonito. Porque eu sei que são boas pessoas. Gosto disso, compreendo e, no fundo, fico sempre à espera que o mesmo tenha acontecido a todas as pessoas menos simpáticas que eu conheci.
Falar em agressões é muito forte. Tem algum exemplo concreto?
São coisas normais. Eu quando saí da Quasi, por exemplo, houve um poeta que publicou um livro numa outra editora, de quem eu era amigo, de quem gostava profundamente, eu telefonei-lhe várias vezes. Ele lá me atendeu e eu disse: “Quero muito o teu livro.” Ele prometeu que me enviava e nunca me enviou. O livro era de edição limitada, eu percebi naquele momento que ele não enviou e fiquei estupefacto, porque era alguém que eu tinha na minha vida com alguma intimidade, embora fosse um poeta que eu editasse. Porque é que ele não me enviou o livro e porque é que ele decidiu pura e simplesmente eliminar-me da vida dele? Acho que ele deve ter pensado que eu, tendo saído da editora, morreria 15 dias depois e por isso nunca seria um empecilho na vida dele. Foi o Vasco Gato.
O Vasco Gato é inclusive amigo de muitos meus amigos, tanta gente diz que ele é uma pessoa tão querida, tão querida. Eu fui profundamente amigo do Vasco Gato, na altura ele entrou na Quasi porque tinha um livro na Assírio & Alvim à espera de ser editado há mais de um ano e a notícia que ele tinha é que o livro levaria outro ano para ser editado. Eu conversei que o Jorge Reis-Sá, o Jorge aceitou, liguei ao Vasco e disse: “Vasquinho, como sabes nós gostamos muito de ti, gostamos muito do que tu escreves, se tu me deixares editar o teu livro de poemas novo eu prometo que numa semana o livro está impresso, por isso não vais esperar um ano, esperas uma semana. Ele entusiasmou-se, disse que ia fazer um telefonema e ligou para o Manuel Rosa. O Manuel Rosa lá o desvinculou, eu editei o livro do Vasco Gato numa semana, passando por cima de todos os planos editoriais que pudéssemos ter, passando por cima de todas as pessoas que estariam à espera de ter um livro editado na Quasi e com quem estávamos comprometidos. Em menos de sete dias o livro estava impresso e estava nas mãos do Vasco. O empenho que eu tive com o Vasco, que é um exemplo só, foi mais do que profissional, foi um empenho pessoal, foi um empenho de alguém que se abeirou dele como amigo. E foi um empenho meu, embora fôssemos dois na editora, o que se passou com o Vasco passou-se comigo, foi uma coisa pessoal, minha.
Por isso, quando em 2004 eu saí, ele edita um pequeníssimo livro chamado Lúcifer de edição limitada, talvez de 100 exemplares, não sei, e eu ligo-lhe para o telemóvel várias vezes e ele não me atende. Quando me atende eu digo: “Vasco, como estás?”, porque para todos os efeitos eu tinha dele a imagem de um amigo. Digo-lhe: “Eu quero o teu livro, ainda por cima eu sei que é edição limitada, eu quero um, eu compro, eu isto ou aquilo, seja o que for, mas eu quero ter o teu livro.” Ele disse-me: “Ah sim, mas são poucos exemplares.” E eu percebi. Eu não conseguia acreditar que alguém que supostamente era meu amigo também, e por quem eu tinha tido um gesto pessoal de cuidado e de empenho, não conseguia acreditar que me estivesse a negar um livro. Eu não estava dentro das 100 pessoas a quem ele reconhecia uma importância bastante, e isso é uma coisa…
Eu saí da Quasi há 12 anos, vi o Vasco para aí há 7 anos pelo canto do olho e, claro, fiz de conta que não o vi. Agora toda a gente me diz que ele é um bom rapaz. Mas também é verdade que um amigo nosso sabe desta história e que lha contou e que ele nunca foi capaz de pegar no telemóvel ou escrever um e-mail e dizer assim “olha Valter, tens razão, neguei-te a porcaria de um livro de 7,50 euros”.
E agressões físicas, houve?
Houve casos de uns empurrões porque às vezes confronto as pessoas, se as vejo digo: “Olha, mas tu é que não sei quê, não sei quantos?” O Albano Martins por exemplo era um poeta que eu editava, eu saí da editora e nunca mais me disse nada. Uns anos mais tarde viu-me e começou aos berros comigo, ele e a mulher dele. E ela assim a dar-me no ombro como a quem, “você nunca mais disse nada”, e eu assim “eu é que nunca mais disse nada? Eu escrevi uma carta a dizer que me afastei da Quasi, não me lembro de receber uma resposta”. Eu enviei uma carta às pessoas dizendo “muito obrigado por terem trabalho comigo, não estou mais ao serviço desta editora, continuarei por cá, o meu telefone é este como vocês sabem, qualquer coisa que precisem, avisem”. Não me lembro de o Albano Martins me ter escrito uma carta de resposta.
Talvez ele não tenha recebido, às vezes há mal entendidos.
Recebeu recebeu, pelo correio e recebeu por e-mail. E falou sobre o assunto com o Jorge. Como eu era o editor dele e era eu que tratava dos livros dele, ficou-lhe muito mal não me ter dito assim “olha, espero que estejas bem, e obrigado por me teres aturado e me teres editado os livros”. Que inclusive, só davam prejuízo.
Vem aí um livro com ajustes de contas, como alguns que têm marcado a rentrée literária este ano?
Não, é esta entrevista. Nunca disse isto a ninguém. Mas olha, fica dito, eles estão aí vivos, podem-se defender.
Às vezes são mal-entendidos de simples resolução…
É, mas é o suficiente para, por exemplo, nunca mais ter conseguido pegar num livro do Vasco Gato. Não me sinto bem a pegar, lembro-me daquele desprezo e já não me sinto bem. Tenho pena porque temos muitos amigos em comum, claro, o circuito da poesia é mínimo. Quem gosta de poesia em Portugal são meia dúzia de pessoas e por isso encontramo-nos todos. Ainda no outro dia, comentando com o Pedro Lamares, ele me dizia: “O Vasco Gato é das pessoas que eu mais amo em Lisboa, das pessoas com quem mais estou”. Lamento, e eu adoro o Pedro Lamares, sou muito amigo dele.
Numa entrevista à Actual, em 2011, admitiu que ‘roubou’ a ideia das minúsculas ao Al Berto. E que, quando sonhou ser poeta, sonhou ser como ele. O que é feito desse sonho?
Não deixei de ter o sonho de ser um poeta como o Al Berto. Eventualmente os meus romances dão a poesia que eu faço e até acho que o Al Berto até pudesse gostar dos meus livros e pudesse ter respeito por isso. Ainda conheci muito epifanicamente o Al Berto e ele foi muito cuidadoso comigo, teve muita atenção. Fascinava-me pela sua tragicidade, era um poeta que conversava sobre o que escrevia sobre um desalento profundo, e isso inspirava-me muito, marcava-me muito, identificava-me muito com ele. Claro, a forma como eu digo que, em miúdo, sonhei ser como ele não significa que eu tivesse de ser exatamente o Al Berto, não estaria em causa ser um substituto de ninguém, mas sim ser quem sou.
A crítica literária recebeu muito bem o seu romance de estreia, O Nosso Reino, de 2004. Houve, no entanto, muitas perguntas sobre o porquê de ter abolido as maiúsculas nos seus textos. Ainda há quem reaja ao seu nome exclamando “ah, o escritor das minúsculas”, embora agora elas estejam presentes. Lamenta ter afastado leitores mais puristas da ortografia, que dizem não conseguir lidar com a sua antiga escrita? Ou isso não tem qualquer relevância?
Não, não posso lamentar o que faço por convicção. Seria como lamentar aquilo em que eu acredito. Proporciona-me outras experiências, não significa que tenha deixado de acreditar nas coisas que fiz. Fiz uma tetralogia, o ciclo fechou-se e proporcionou-se começar outra coisa, estar disponível para ser outra pessoa e tanto quanto possível, outro escritor.
Além da confusão das minúsculas, um escritor da sua geração, João Tordo, contou-me que, no princípio, havia quem ficasse confuso com o seu nome. E que houve uma vez que o convidaram para uma conversa e puseram duas cadeiras em palco: uma para o Valter Hugo e outra para a Mãe.
Aconteceu muitas vezes as pessoas acharem que eu ia acompanhado com a minha mãe, bem no inicio, do tempo da poesia. Ate mesmo em reservas de hotel, às vezes eu chegava e tinha dois quartos. Era muito estranho, somos um país tão conservador que nem nos nomes estamos preparados para alguma diversidade. Aconteceram várias peripécias cómicas porque as pessoas não estavam preparadas, mas depois descobri que há uma senhora, uma artista coreógrafa, que nunca cheguei a encontrar, mas que se chamava Rosa Mãe. E julgo que no caso dela o apelido era de família.
O Nosso Reino é uma história muito marcada pela culpa e a fatalidade da religião. O Valter teve uma educação católica. Acredita em Deus? Na vida após a morte?
Não. Já tive convicções, mas agora acho que não. Acho que seria até indecente haver vida após a morte.
Porquê?
Porque se houvesse alguma coisa, devia ser-nos explicada devidamente. O mistério perante algo tão grande é um pouco obsceno, a não ser que Deus tenha criado isso e tenha morrido. Porque se ele anda aí, sabe disso e não diz, é um pouco perverso.
Em 2007 venceu o Prémio José Saramago, com o seu segundo romance, O Remorso de Baltazar Serapião. Contou-me que ele lhe deu um conselho: “não faças o que os outros te pedem”. Tem conseguido segui-lo?
Não. Às vezes faço o que os outros me pedem. Nada que me destitua de ser quem sou, mas algumas coisas que eventualmente vão devorando a minha natureza para tentar corresponder ao que me é pedido. Por exemplo, às vezes tenho de executar tarefas, ou fico comprometido porque tenho de prestar favores e tenho de adiar a escrita dos meus livros, ou vou adiando a imersão do meu mundo porque estou a fazer apresentações de livro ou prefácios a que não consegui dizer que não, ou a compor alguma coisa para uma revista ou um jornal que não consegui negar, ou a fazer uma viagem que não me convinha fazer mas com a qual me comprometi. As pessoas ao longo dos anos vão criando laços connosco e criam laços até de gratidão. Por vezes o facto de estarmos ligados com alguém implica que tenhamos tarefas com isso, tenhamos a agenda completa. Tenho cada vez mais a urgência de desaparecer. Se repararmos, alguns dos autores mais expostos acabam por se tornar autores escassos, fazem duas entrevistas extensas, mas não fazem todas as entrevistas, não fazem senão uma apresentação pública.
É tempo de dar um passo atrás na exposição pública?
Sinto que preciso de disciplinar isso, sim. Que já é fundamental na minha vida o ter de dizer que não, de definir um período no qual estou disponível para conversar e fazer as promoções e corresponder aos pedidos de bibliotecas e imprensa. Preciso depois de me fechar outra vez, de regressar a um quotidiano, de regressar à família, aos amigos, estar em casa e regressar às minhas leituras.
Com um prémio com tanta visibilidade, as solicitações multiplicam-se. Depois do Prémio Saramago veio O Apocalipse dos Trabalhadores, entre a tragédia e a comédia, depois A Máquina de Fazer Espanhóis, carregado de tristeza, depois surge então O Filho de Mil Homens, onde já se nota alguma alegria, em 2013 chega A Desumanização, mais seco. O que esperar agora de Homens Imprudentemente Poéticos?
Para mim, este livro reflete um pouco sobre a ternura da inimizade. Tem que ver com uma certa conquista do convívio com o inimigo, não propriamente derrotar o inimigo, mas aprender a ter o seu convívio, criar um apaziguamento com os nossos antagonistas.
Pode explicar-me o significado do título?
Não gostaria de esgotar o título. Os meus títulos são sempre pistas, ou são formas de criar uma certa curiosidade. Não gosto que o título se explique, gosto que o título seja um patamar de conquista do leitor. Por isso o livro vai fornecer a cada leitor uma completude maior ou menor para cada um. Há pessoas que leem os meus livros e nem sequer encontraram o titulo dentro do livro. Há sempre uma pagina onde eu me dirijo diretamente à expressão do título, mas há pessoas que na vertigem da leitura não deram conta. É como se ele de alguma forma desafiasse o leitor a construir a sua própria definição.
Quando lança um livro novo, há leitores que percorrem as páginas para tentarem estabelecer paralelos entre a ficção que escreve e a sua vida. Que paralelismos prevê que as pessoas possam vir a fazer neste novo livro?
Não tem correspondência. Se quiserem delirar para encontrar-me no meio destes japoneses, tudo bem, mas não tem um traço autobiográfico. Existirão sensibilidades, desde logo sensibilidades poéticas ou estéticas, porque são minhas e o livro tem a minha visão poética. Mas não conta nada sobre a minha vida, não explica a minha biografia, eu não estou factualmente no livro.
Porque escolheu adicionar “Mãe” ao seu nome? Em homenagem à sua mãe?
É um programa literário, um ponto de vista perante a arte, a literatura, que tem que ver com o querer aludir à literatura como um processo de conhecimento do outro. E na extremidade de quem é o outro estão as mães, a mãe é o indivíduo mais distante de quem um homem pode ser. Um homem pode assumir uma infinidade de papéis que possam tanger os papéis da mulher, mas não pode nunca chegar perto, experimentar o papel extremo da maternidade. É uma decisão que a biologia deixou como sendo das mulheres e a maternidade acaba por aludir ao individuo mais distante de quem eu sou. Isso em termos literários define a amplitude da Humanidade, define a universalidade, essa pretensão de universalidade que a literatura ou que a arte tem.
Continua a viver nas Caxinas?
A minha casa é numa espécie de topo das Caxinas, um pouco mais afastada da praia, mas foi o apartamento que eu consegui comprar pelo pouco dinheiro que eu queria gastar [risos]. Por isso, comprei um apartamento baratinho que fica a ver as Caxinas, sim, mas legalmente já não pertence. Eu pus uma placa à entrada de casa a dizer: “Esta casa também fica no coração das Caxinas”. E as minhas janelas dão para as Caxinas todas.
Não teve medo quando saiu de Paços de Ferreira e foi para as Caxinas? Era uma zona com uma fama complicada…
Era e disseram-me que eu ia ser morto e fatiado aos bocadinhos. Cheguei lá cheio de medo, até depois perder as peneiras e perceber que ninguém me fazia mal. Hoje em dia, se tiver de ser frontal como eles são, também sou. É uma excelente escola para vida nas Caxinas, nas Caxinas não há paciência para mariquices. A vida é como é e as pessoas sofrem demasiado, trabalham demasiado e sofrem demasiado. O mínimo que merecem é a dignidade de lhes dizerem a verdade, se forem para lá com muitos rodeiozinhos é que corre logo mal.
Por isso é que continua a viver ali?
Por isso é que continuo a estar ali. Entendo-me bem. Ninguém me chateia, ninguém me bajula, ninguém me pede nada. Gosto de estar ali, reconheço aquilo como uma espécie de normalidade. As pessoas trabalham, saem à rua, divertem-se, falam umas com as outras e pronto, não há jogos. Comigo, pelo menos, não há jogos estranhos, aproximações estranhas, insinuações estranhas. Não sinto nos caxineiros a capacidade de dizerem de mim uma coisa pela frente e dizerem outra por trás. Se eles não gostarem de mim, dizem-me na cara. Não mandam recado nem infernizam a vida da minha mãe, por exemplo. Eu fui para o centro de Vila do Conde, onde tive uma casa durante um tempo, mas pirei-me logo dali. Eu ia com a minha mãe na rua e perguntavam-lhe se ela era minha esposa, quem era ela. Achavam estranhíssimo eu andar de mão dada com a minha mãe na rua.
A propósito do livro: foi ao Japão? Disse-me que gostava das coisas diretas, sem mariquices, à moda das Caxinas. No entanto, essa frontalidade está nos antípodas da cultura e da mitologia japonesas, tão presentes no seu livro. No Japão, raramente se diz não e há que saber ler os silêncios. Evita-se o conflito ao máximo.
Estive no Japão duas vezes, fiz as perguntas que devia fazer, visitei um artesão, visitei uma floresta dos suicidas, fiz uma certa observação, com este livro a acontecer. Nao tenho de viver com essa forma de ser japonesa, mas atrai-me essa distinção. O Japão, o que tem de esplendoroso é um certo esplendor da cordialidade. Acho que a grande lição do Japão é essa, podermos ser antagónicos, contrários ao outro, mas termos aprendido a capacidade de o respeitar. E esse respeito pelo oposto, como o respeito pelo inimigo, para mim é uma lição. de vida.
É frequente vê-lo a si e à D. Antónia a passearem de mão dada aqui pelo Porto. Pode dizer-se que ela é o amor da sua vida?
É, num certo sentido é. A minha mãe fez muito por nós, resistiu muito por nós, conseguiu segurar quatro filhos sem ter estudos, só com a terceira classe. Acho que o que a minha mãe passou, tendo perdido um filho e tudo, merece que nós a protejamos e que a celebremos enquanto ela pode aproveitar as coisas. Eu adoro ir com a minha mãe e oferecer-lhe coisas, por exemplo. Se calhar não compro para mim algo mais caro mas, para a minha mãe, se eu puder, não me custa nada pagar. Talvez seja verdade que eu gaste mais dinheiro com ela do que comigo. Ver a minha mãe bem, protegida, faz-me melhor do que estar eu bem. E, hoje em dia, talvez seja mais eu que tenha de tomar conta dela do que ela conta de mim.
E outros amores, teve muitos?
Não, sou um indivíduo muito rejeitado, solitário, abandonado.
No período da adolescência, acredito. Mas hoje em dia?
Sim, mas as pessoas hoje aproximam-se de mim muito iludidas, têm uma imagem externa de mim. Mas depois se calhar acham que a minha vida é só poeminhas e coisinhas sensíveis. E depois não é.
Há algum sonho que tenha abandonado?
Creio que não. Se o tive, talvez ainda o tenha, se é alguma coisa que não esteja consumada, ainda venha a ser. A menos que seja a vontade de aprender línguas estranhas, adoraria aprender árabe, mas sei que não vou aprender árabe. Vamos tomando consciência de que talvez a vida não nos possa proporcionar esse empenho, não será mais possível que eu possa disponibilizar largos anos a aprender essa língua.
No passado fim de semana completou 45 anos. Lida bem com o passar do tempo, da idade?
Não, não lido nada bem. Não gosto da ideia de ter 45 anos e sentir que não fiz tudo quanto me apetecia ter feito aos 30 ou aos 20, e estar de alguma forma cansado e sentir o corpo alterado, sentir o corpo cada vez mais contra mim, mais exigente, chamando-me a atenção, como se de repente o corpo fosse um assunto quotidiano. Quando se tem 20 anos o corpo não é um assunto, usamo-lo sem respeito, sem necessidade de manutenção e de meditação. Aos 45 anos o corpo já exige atenções profundas, e a tendência será ir piorando. Não lido nada bem com a ideia de perder capacidades e de perder tempo.
Mantém o sonho de ainda vir a ser pai? Há alguns anos que verbaliza esse desejo.
Mantenho.
Porque é que ainda não conseguiu realizá-lo? Percebeu tarde que queria ter um filho?
Não aconteceu, pronto. As coisas são assim. As vidas das pessoas vão passando e há coisas que não acontecem. Como podia ter emigrado e não emigrei, como fui escritor e não funcionário público. Talvez gostasse de ter sido professor, achei sempre que fosse a profissão mais lógica para mim, sentir-me-ia muito bem trabalhando na formação dos alunos, dos mais jovens, sempre achei que teria muita vocação para esse papel, de ajudar na formação das pessoas. Mas a vida vai-nos mostrando outras opções e acabamos por ser quem somos mais do que quem julgávamos que íamos ser.
Se isto fosse uma entrevista de emprego, perguntava-lhe onde se vê daqui a 20 anos.
Acho que daqui a 20 anos já estou morto. Tenho pouca convicção de ser longevo, de vir a ter uma vida muito extensa.