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Donald Trump esta quarta-feira durante a conferência de imprensa em que reagiu ao ataque iraniano contra bases dos EUA no Iraque
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Donald Trump esta quarta-feira durante a conferência de imprensa em que reagiu ao ataque iraniano contra bases dos EUA no Iraque

AFP via Getty Images

Donald Trump esta quarta-feira durante a conferência de imprensa em que reagiu ao ataque iraniano contra bases dos EUA no Iraque

AFP via Getty Images

Vem aí uma guerra EUA-Irão? A tensão diminuiu, mas o perigo mantém-se

Ao decidir não responder militarmente ao ataque iraniano, Trump acalmou o conflito no terreno e focou-se na negociação do acordo nuclear. Mas os especialistas avisam que o confronto ainda não acabou.

O ataque iraniano a duas bases aéreas no Iraque onde estão aquarteladas forças militares norte-americanas fez soar os alarmes: estava em curso a prometida retaliação pela morte do general Qassem Soleimani, um dos principais líderes militares iranianos, num ataque aéreo levado a cabo na semana passada pelas forças armadas dos EUA. A vingança seria “implacável”, assegurou na altura o líder supremo do Irão, Ali Khamenei.

No fim, a resposta foi essencialmente simbólica, um ataque sem mortos que muitos especialistas leram como um primeiro passo iraniano rumo à diminuição da tensão no Médio Oriente. Na manhã desta quarta-feira, já meio da tarde em Lisboa, Donald Trump reagiu com um discurso apaziguador. Anunciou novas sanções económicas sobre o Irão, mas nenhuma retaliação militar ao ataque iraniano. Como antecipado por vários analistas, Trump aproveitou a oportunidade dada pelo regime iraniano e os dois países saíram da crise satisfeitos: os EUA não sentiram necessidade de responder militarmente ao ataque devido às consequências limitadas do bombardeamento; e o regime iraniano agradou à opinião pública interna com uma retórica forte sobre a retaliação contra a América — que foi, nas palavras de Khamenei, “esmagadora”.

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Para já, a crise militar parece arrefecer — mas regressa a pressão em torno do acordo nuclear. Se Teerão quer que os EUA levantem as sanções acordadas em troca do desmantelamento de instalações nucleares, Washington quer renegociar o acordo que considera ruinoso (e voltou a apelar ao Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China para que também abandonem o acordo).

No centro deste pico de tensão, a morte de Qassem Soleimani, num ataque com um drone no dia 3 de janeiro. O ataque foi justificado pelos Estados Unidos como necessário para impedir ataques contra cidadãos norte-americanos que o general estaria a preparar — e surgiu como pico numa escalada de tensão que já vem desde o momento em que o presidente dos EUA rasgou o acordo nuclear com o Irão. Nesta quarta-feira, Donald Trump chamou a Soleimani “o maior terrorista do mundo”, que devia ter sido “abatido há muito tempo”.

Milhares de pessoas marcaram presença no funeral do general Qasem Soleimani, morto pelas forças dos EUA

STR/EPA

No Irão, o estratega militar Soleimani era uma das figuras mais amadas, um herói do regime. Prova disso foi o funeral do general, presidido por Khamenei e com a presença de milhares de iranianos nas ruas, que choraram a morte de um líder.

Ataque iraniano. Retaliação ou estratégia?

“A nossa vingança contra a América será terrível”, advertiu o presidente iraniano, Hassan Rouhani, depois da morte de Soleimani. “A vingança será severa”, tinha dito o líder religioso do país, Khamenei. Durante alguns dias, discutiram-se as formas como o Irão poderia vingar a morte do general. Os especialistas multiplicaram-se em teorias. Das mais previsíveis — o ataque a instalações americanas no Médio Oriente — às mais rebuscadas, como um ciberataque aos Estados Unidos ou uma guerra nuclear, tudo foi equacionado.

Na noite de terça-feira, as forças iranianas dispararam uma sequência de mísseis balísticos contra duas bases militares utilizadas pelos EUA no Iraque. Uma em Erbil, na região do Curdistão iraquiano, e outra na província de Anabar. O ataque não provocou nenhuma morte e causou danos estruturais limitados nas instalações.

Ainda assim, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Javad Zarif, assegurou através do Twitter que “o Irão tomou medidas proporcionais de auto-defesa”, cumprindo as normas internacionais e atacando “a base a partir de onde foram lançados ataques cobardes armados contra os nossos cidadãos e oficiais”. Já o líder Khamenei descreveu o ataque como “uma chapada na cara” dos EUA e sublinhou que “o povo do Irão deu uma resposta esmagadora” — embora tenha admitido que “isso não é equivalente ao que eles nos fizeram”.

Em entrevista por telefone ao Observador a partir de Washington, o diretor para estudos iranianos do think-tank norte-americano Center for Strategic and International Studies, Ali Vaez, considera que o ataque “não foi proporcional, no sentido em que os EUA mataram um dos mais importantes líderes militares iranianos e o Irão não matou um único americano”. Para este académico, a resposta iraniana foi essencialmente “simbólica”.

Com efeito, como tem notado a imprensa internacional, há um caráter simbólico no ataque iraniano. Por um lado, os mísseis do Irão foram lançados por volta da 1h30 da manhã — a mesma hora do ataque de drone contra o general Soleimani. Vídeos do lançamento do drone foram divulgados pela imprensa iraniana àquela hora e até no Twitter o ataque foi relacionado com os EUA. Pouco depois do ataque, Saeed Jalili, um dos principais líderes políticos iranianos e negociador do país em questões nucleares, publicou na rede social uma bandeira do Irão — tal e qual o que Trump tinha feito no seu Twitter, com uma bandeira norte-americana, poucos minutos depois do ataque contra Soleimani.

"[O ataque iraniano] não foi proporcional, no sentido em que os EUA mataram um dos mais importantes líderes militares iranianos e o Irão não matou um único americano"
Ali Vaez, diretor para estudos iranianos do think-tank norte-americano Center for Strategic and International Studies

Na estação televisiva norte-americana CNN, o editor diplomático Nic Robertson sublinhava na manhã desta quarta-feira que, se o Irão “quisesse matar muitos soldados americanos no Iraque, havia bases mais fáceis de atingir”. Na base de al-Asad, para onde foram lançados a maioria dos mísseis, o risco de danos colaterais contra civis era diminuto e os militares podiam abrigar-se facilmente caso recebessem o aviso atempadamente — como foi o caso.

No jornal britânico The Guardian, o correspondente no Médio Oriente Michael Safi destacava como “o ataque iraniano às bases americanas no Iraque pode satisfazer os dois lados”. Isto porque o regime iraniano adotou duas retóricas diferentes. Uma a nível interno — com Khamenei a dirigir-se às multidões exultantes com gritos de vitória sobre a América — e outra para fora das fronteiras: “Não procuramos uma escalada ou uma guerra, mas vamos defender-nos de qualquer agressão”, como disse Javad Zarif no mesmo tweet.

Dalia Dassa Kaye, diretora do think-thank norte-americano Center for Middle East Public Policy, afirma que “a resposta iraniana parece ter sido calculada de modo a evitar uma escalada maior”. Em comentários enviados por correio eletrónico ao Observador, a especialista norte-americana adverte, porém, que o ataque iraniano “representou uma escalada significativa, uma vez que foi um ataque direto de um míssil lançado pelo próprio Irão contra forças norte-americanas”.

"A resposta iraniana parece ter sido calculada de modo a evitar uma escalada"
Dalia Dassa Kaye, diretora do think-thank norte-americano Center for Middle East Public Policy

A resposta do Irão abre a porta à redução da tensão. Assim, o Irão pode satisfazer a opinião pública em casa ao mesmo tempo que deu a Trump uma oportunidade de reduzir a tensão na região”, concorda Ali Vaez. Na noite de terça-feira, Trump já tinha dado sinais de que iria aproveitar a oportunidade, ao escrever no Twitter: “Está tudo bem!”

Trump focado no acordo nuclear

A inexistência de resposta militar norte-americana ao ataque iraniano — que causou apenas “danos limitados” nas estruturas das bases — pode ser considerado um sucesso diplomático que evitou uma escalada de tensão que se previa catastrófica: “Um conflito regional seria devastador”, comentava Ali Vaez, que falou com o Observador ainda antes do discurso de Donald Trump.

De facto, soube-se já depois da intervenção do presidente norte-americano que o Irão e os EUA têm usado um canal diplomático da Suíça para comunicar nos últimos dias. “O canal comunicacional diplomático entre os EUA e o Irão que é fornecido pela Suíça no contexto do mandato do poder protetor continua a operar. A Suíça confirma que várias mensagens foram transmitidas através deste canal”, confirmou o Governo suíço num comunicado citado pela CNN.

No discurso que fez nesta tarde na Casa Branca — que começou com meia hora de atraso —, Donald Trump desfez as dúvidas de quem temia a possibilidade de uma escalada de tensão tão grande que redundasse numa guerra na região: “O Irão parece estar a recuar, o que é uma coisa boa para todas as partes envolvidas e uma coisa muito boa para o mundo”.

Começando o discurso por confirmar que nem os EUA nem o Iraque sofreram baixas com o ataque iraniano, Donald Trump deixou claro que não iria ordenar ações militares de retaliação. “Os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz com todos aqueles que a procurem”, assegurou mesmo, lembrando depois como o Estado Islâmico é um “inimigo natural” do Irão — e que, por isso, os dois países têm objetivos em comum que devem nortear um processo de paz.

https://observador.pt/2020/01/07/irao-lanca-misseis-a-bases-dos-eua-no-iraque/

Depois de dedicar grande parte do discurso a justificar a necessidade de matar Soleimani — “era o maior terrorista do mundo”; “estava a planear novos ataques a alvos norte-americanos”; “devia ter sido abatido há muito tempo” —, o presidente norte-americano focou-se na questão do acordo nuclear, tema na base de toda esta crise entre os EUA e o Irão.

Assinado em 2015, durante a administração de Barack Obama, o acordo nuclear obriga o Irão a levar a cabo um processo de desnuclearização em troca do levantamento das pesadas sanções económicas impostas pelos EUA — um processo acompanhado por inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica.

Em 2018, Donald Trump — que sempre se mostrou contra o acordo por permitir que o Irão retomasse em 2030 o seu programa nuclear e reabrisse as centrais em 2040 — decidiu retirar unilateralmente os EUA do acordo. Desde então e até recentemente, o Irão continuou a cumprir as obrigações decorrentes do acordo. Mais de um ano depois, o regime iraniano começou uma série de ações militares destinadas a provocar os EUA e a trazer Donald Trump de novo para o acordo nuclear, levantando novamente as sanções económicas. O ataque a duas refinarias sauditas por parte de rebeldes ligados ao Irão, em setembro de 2019, impediu o entendimento entre os dois países.

Trump rasgou o acordo com Irão. Qual é a crise?

Foi neste contexto que Irão e EUA chegaram a dezembro de 2019 — mês em que uma milícia ligada ao regime iraniano lançou um ataque contra instalações militares no Iraque que matou um civil norte-americano que trabalhava com as forças armadas. Em retaliação, os EUA bombardearam bases ligadas a essa milícia na Síria e no Iraque. A 3 de janeiro, atacaram o general Qasem Soleimani — que conduziu ao pico da tensão entre os dois países.

Nesta quarta-feira, Donald Trump voltou a colocar o foco no acordo nuclear. Tanto que, antes sequer de cumprimentar os presentes na sala, afirmou: “Enquanto eu for Presidente dos Estados Unidos, o Irão nunca terá uma arma nuclear”. Só depois disse “bom dia”. Trump anunciou que os EUA vão impor, com efeitos imediatos, novas sanções económicas ao regime iraniano e apelou à Rússia, à China, ao Reino Unido, à França e a Alemanha para que também rasgassem o documento.

Para Dalia Dassa Kaye, a estratégia de Donald Trump não deverá ter o resultado que o presidente norte-americano espera. “Enquanto os EUA não aliviarem a pressão económica contra o Irão — e não há indicações de que isso esteja a acontecer — penso que podemos esperar que o Irão continue a não cumprir os seus compromissos nucleares. O acordo nuclear tem vindo a desfazer-se desde a retirada unilateral dos EUA, mas até agora o Irão ainda não o abandonou completamente”, explica a académica norte-americana ao Observador.

"Enquanto os EUA não aliviarem a pressão económica contra o Irão — e não há indicações de que isso esteja a acontecer — penso que podemos esperar que o Irão continue a não cumprir os seus compromissos nucleares"
Dalia Dassa Kaye, diretora do think-thank norte-americano Center for Middle East Public Policy

“Além disso, ainda temos o regime de inspeções em vigor. Sem um processo diplomático substancial, que significa mais do que falar em negociações, é improvável que o acordo nuclear de 2015 sobreviva”, reconhece Kaye.

Porém, não é com mais sanções que Trump terá sucesso, acredita a especialista. As sanções, defende, são “mais da mesma pressão económica que nos trouxe a este ponto de fricção” entre os países. “A expectativa é a de que a pausa no conflito possa levar-nos a repensar a política norte-americana e o que estamos a tentar alcançar. Se o objetivo é um acordo melhor, não é claro que duplicar as políticas de pressão máxima nos leve lá.”

E, embora o conflito militar tenha chegado a uma pausa, os dois especialistas ouvidos pelo Observador fecha a porta à possibilidade de o confronto continuar.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, esta quarta-feira durante o discurso que fez na Casa Branca

AFP via Getty Images

“O risco para uma escalada maior mantêm-se. E as condições que nos trouxeram a este ponto continuam. Por isso, ao mesmo tempo que esta pausa é positiva, não acredito que nos possamos sentar e esperar que as tensões entre os EUA e o Irão se resolvam sozinhas. A possibilidade de um conflito prolongado e de novas crises mantém-se”, considera Dalia Dassa Kaye

Também Ali Vaez sustenta que as condições do jogo não mudaram. “O problema é que a dinâmica que nos trouxe a este ponto não mudou. O Irão continua sob sanções americanas, os EUA continuam comprometidos com a sua estratégia, e a tensão que nos trouxe a este risco de confronto vai-se manter”, diz o académico a partir de Washington.

Além disso, o conflito não ficará limitado aos EUA e ao Irão, uma vez que “o Irão organizou a sua defesa de forma a poder alargar a guerra, com as milícias que apoia, na Síria, no Iraque, no Iémen e no Afeganistão”, acrescenta Ali Vaez, antes de sublinhar que Trump precisa de alguém mais sensível a esta questão na sua equipa. “Precisa de pessoas que possam implementar essa estratégia. O secretário de Estado, Mike Pompeo, tem atuado mais como um secretário da Guerra. O Presidente precisa de um enviado especial para negociar com o Irão.”

"O Irão continua sob sanções americanas, os EUA continuam comprometidos com a sua estratégia, e a tensão que nos trouxe a este risco de confronto vai-se manter"
Ali Vaez, diretor para estudos iranianos do think-tank norte-americano Center for Strategic and International Studies

Os dois acreditam que o Irão ainda pode — e deverá — retaliar pela morte de Soleimani. “É difícil imaginar que fiquem satisfeitos com uma retaliação que seja apenas simbólica”, assinala Ali Vaez, destacando que “é possível que o Irão tente assinar um líder militar norte-americano, na região ou fora”. Porém, “isto pode não acontecer agora”, já que “os iranianos pensam a longo prazo”.

Também Dalia Dassa Kaye alerta para a mesma possibilidade: “Penso que devemos estar preparados para novas retaliações que podem ocorrer ao longo de meses e até anos, sob outras formas que não confrontos diretos entre os EUA e o Irão. Continua a haver uma atmosfera muito perigosa naquela região”.

 
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