775kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a visita à livraria Barata, durante o estado de calamidade devido à pandemia da covid-19, no âmbito de sensibilização e as medidas de desconfinamento no comércio de rua, em Lisboa, 29 de maio de 2020. NUNO FOX/LUSA
i

Governo não seguiu alegadas indicações do Presidente da República

NUNO FOX/LUSA

Governo não seguiu alegadas indicações do Presidente da República

NUNO FOX/LUSA

Venda de livros proibida. APEL fala em “política da terra queimada”, livrarias independentes apoiam e há quem compre na loja via smartphone

Novo Estado de Emergência continua a impedir pontos de venda de livros. Profissionais ora pedem que os deixem trabalhar, ora reclamam apoios. Nas FNAC é possível comprar via online e levantar em loja.

Na semana passada, quando o Presidente da República ouviu os partidos com assento parlamentar acerca da renovação do Estado de Emergência, pelo menos dois deputados — Mariana Silva do PEV e Cotrim de Figueiredo do Iniciativa Liberal — declararam à saída do encontro que Marcelo Rebelo de Sousa estaria interessado em ver revertida a regra que desde 15 de janeiro impede as livrarias de abrir portas e veda o comércio de livros em hipermercados, estações dos CTT ou papelarias. Mas a nova declaração de Estado de Emergência foi entretanto aprovada pela Assembleia da República para entrar em vigor esta segunda-feira, por mais duas semanas, e a respetiva regulamentação por parte do Governo mantém os livros fora do alcance dos consumidores em lojas físicas.

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) não se conforma. Considera que o Governo deveria autorizar a venda de livros em todas as lojas físicas habituais, ou pelo menos permitir às livrarias a venda ao postigo, e certamente nos hipermercados. “Poderíamos aceitar o fecho das livrarias em nome da situação catastrófica da pandemia, mas então o argumento do Governo não pode ser o argumento sanitário, porque as livrarias não são focos de contágio. As livrarias infelizmente nunca se enchem de multidões e não geram filas”, explica ao Observador o vice-presidente da APEL. Pedro Sobral carrega nos adjetivos e acusa o executivo de António Costa de ter uma “visão censória” ao “mandar cobrir os livros de plásticos” nos hipermercados e outras lojas autorizadas a funcionar.

A posição da APEL é partilhada pela APIGRAF (Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel), cujas 400 gráficas associadas — cerca de 80% das que operam em Portugal — têm um volume de negócios que ronda 300 milhões de euros na impressão de livros, de acordo com números internos. “Estamos perante um erro do Governo, como já tínhamos dito no início deste confinamento, e tem de ser corrigido rapidamente”, entende Lopes de Castro, presidente da APIGRAF.

Quem se coloca à margem das críticas da APEL é a RELI – Rede de Livrarias Independentes, criada em abril do ano passado e composta por quase uma centena de livrarias de pequena e média dimensão de norte a sul do país. José Pinho, presidente da RELI, não se considera resignado mas entende que “mais importante do que a questão das livrarias é a situação do país” perante a pandemia, sugerindo que faz mais sentido reclamar apoios do Estado do que querer abrir as portas. “É uma situação trágica. Temos de impedir a evolução da doença. Não posso pensar apenas na minha livraria no meio desta pandemia. Primeiro vamos ver como é que se acaba de vez com a pandemia.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com alguma ambiguidade, José Pinho — também proprietário da Ler Devagar, uma das principais livrarias independentes de Lisboa, e de mais três livrarias de pequena dimensão em Lisboa e Óbidos — pretende dizer esta terça-feira, quando se reunir com a ministra da Cultura, numa reunião agendada pelo gabinete de Graça Fonseca para falarem do acesso aos apoios anunciados a 14 de janeiro, que “se os especialistas de saúde apontarem no sentido de se poder abrir as livrarias, e se o livro for considerado um bem essencial, então as livrarias devem abrir e os livros devem poder ser vendidos nos hipermercados.”

Aparentemente, muitos livreiros independentes são levados a preferir estar de portas fechadas e manter os postos de trabalho através do regime de lay-off simplificado que paga salários a 100%. José Pinho nota que, caso as livrarias fossem já amanhã autorizadas a abrir ou a fazer vendas ao postigo, como no primeiro confinamento, isso significaria que os empregados teriam de deixar o lay-off. “Aí teríamos uma perversão, porque o volume de negócios não seria à partida suficiente para pagar aos empregados”, afirma o porta-voz da RELI.

O argumento não colhe junto da APEL, que acena com liberdade de escolha. “Se há quem ache que tem maior capacidade de cobrir custos com o apoio do Estado, muito bem. Não pode é querer obrigar os outros a fazer o mesmo”, contrapõe Pedro Sobral, que é também diretor-geral da LeYa — um dos dois maiores grupos editoriais em Portugal, ao lado da Porto Editora.

"As vendas online de livros representam no máximo 10% das vendas em Portugal e concentram-se na Grande Lisboa e no Grande Porto. Além disso, 90 a 95% das livrarias estão situadas nas capitais de distrito. Neste momento, o resto do país está sem acesso ao livro.”
Pedro Sobral, vice-presidente da APEL

Concorrência desleal?

No primeiro confinamento geral, em março e abril do ano passado, o Governo autorizou a “venda ao postigo” de livros em lojas físicas — e a ministra da Cultura justificou na ocasião que os livros são bens de primeira necessidade. Desta vez, presumivelmente por recear que a deslocação de pessoas fomentasse o contágio por coronavírus, o executivo obrigou as livrarias ao encerramento total (o que, em rigor, só se verifica desde 20 de janeiro, quando o Governo restringiu ainda mais o confinamento iniciado cinco dias antes).

Ao mesmo tempo, um despacho do ministro da Economia ordenou que as grandes superfícies vedassem a área de exposição de livros, para que não se criasse uma situação de concorrência desleal face às livrarias, ou “um certo desequilíbrio de mercado”, na expressão daquele diploma legal. Neste momento, o comércio só pode funcionar se vender bens ou serviços “de primeira necessidade” ou “considerados essenciais” e as livrarias não estão incluídas no rol. Pedro Sobral não tem dúvidas de que os livros são bens essenciais, o que fica demonstrado, diz, pelo facto de beneficiarem da taxa reduzida de IVA de 6%.

42 milhões a fundo perdido, 438 euros por trabalhador e quotas de rádio: as medidas anunciadas pela ministra da Cultura

“O argumento utilizado pelo Governo é falso”, acusa Pedro Sobral. “O desequilíbrio de mercado é causado, sim, por esta proibição. Ao proibir o acesso ao livro nas lojas, e ao remeter para as vendas online, o Governo deixa cerca de 80% da população portuguesa sem acesso. As vendas online de livros representam no máximo 10% das vendas em Portugal e concentram-se na Grande Lisboa e no Grande Porto. Além disso, 90 a 95% das livrarias estão situadas nas capitais de distrito. Neste momento, o resto do país está sem acesso ao livro.”

Para o vice-presidente da APEL, “é igualmente falso” que a venda de livros nos hipermercados, caso fosse permitida, representasse uma concorrência desleal para com as livrarias. “Se o Ministério da Economia tivesse falado connosco sobre esta decisão, que não falou, teríamos mostrado os dados que entretanto enviámos ao Governo. No primeiro confinamento, as livrarias ao postigo e os hipermercados, ambos tiveram quebra de vendas. Depois do confinamento, as quotas de mercado de ambos os canais reequilibrou-se. Não houve nenhum lado a ganhar ao outro”, argumenta Pedro Sobral.

O ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, durante a conferência de imprensa  onde apresentaram as medidas de apoio à economia e ao setor da cultura para mitigar os efeitos económicos do confinamento, Lisboa, 14 de janeiro 2021. Com os votos favoráveis dos deputados das bancadas do PSD, PS e CDS, o parlamento  aprovou a renovação do estado de emergência  a partir das 0h00 do próximo dia 15 voltando a vigorar em Portugal, de uma forma generalizada, o dever de recolhimento domiciliário até ao dia 30. Portugal ultrapassou já os 500 mil casos de infeção com o novo coronavirus registados desde o início da pandemia, em março de 2020, segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS). ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Associação Portuguesa de Editores e Livreiros recusa-se a ter mais reuniões com a ministra Graça Fonseca por considerar que os encontros anteriores não deram em "absolutamente nada”

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mas mesmo que o tema da concorrência desleal não se pusesse, se uns vendessem (hipermercados) e outros não (livrarias), o Governo poderia ou não ser acusado de iniquidade? “Não”, responde o mesmo responsável. “O tipo de livros à venda em hipermercados, papelarias ou lojas dos CTT é diferente do que se vende nas livrarias. São livros e clientes diferentes, por isso é que há complementaridade entre os vários canais de vendas. Onde a equidade falha é quando não se permite que os pontos de venda autorizados a funcionar durante este Estado de Emergência não possam vender livros”, acrescenta.

“Se há canais de venda que podem estar abertos e habitualmente já vendiam livros, faz algum sentido que não possam continuar a fazê-lo?”, pergunta o responsável da APEL. “Além disso, se o Governo acha que os hipermercados iriam estar a concorrer deslealmente com as livrarias fechadas, então só teria que apoiar financeiramente as livrarias e as editoras, permitindo aos autores, aos revisores, aos designers e às gráficas continuar a trabalhar. O que temos por enquanto é a política da terra queimada: se uns não vendem, os outros não podem vender.”

José Pinho vê como “razoável e lógica à partida” a decisão e vedar livros em hipermercados perante o encerramento compulsivo das livrarias. “Dito isto, acrescento que a medida não é boa, é dramática para a Ler Devagar, para as livrarias da RELI, para os editores, para a APEL.” Segundo o empresário, o dilema atual é este: “Ou os livros são considerados bens essenciais, como o pão e o arroz, e então as livrarias e outros estabelecimentos com venda de livros devem poder abrir, ou então não são bens essenciais e tem de estar tudo fechado: livrarias e área de hipermercados que vendem livros.”

Acontece que, apesar de terem a zona dos livros vedada ao público, vários hipermercados estão a vender dicionários, livros exercícios e manuais escolares, testemunhou o Observador em Lisboa. “Um exemplo de esperteza saloia”, no dizer de José Pinho.

Além disso, comenta-se nas redes socias da internet que nas lojas FNAC — autorizadas a abrir por prestarem serviços de assistência técnica e venderem eletromésticos, considerados bens essenciais — o cliente pode até comprar um livro através da plataforma online da FNAC e levantá-lo na loja física, o que também pode acontecer em hipermercados mas está vedado a todos os outros espaços comerciais com livros.

Fonte oficial da FNAC transmitiu ao Observador que o serviço click and collect, assim se chama, já permitiu, e agora não permite, que o cliente comprasse livros online e os levantasse nos minutos a seguir. Neste momento, segundo a FNAC, o click and collect aplicado a livros só funciona com “algum tempo” de diferença entre a compra online e o levantamento físico. O serviço “é permitido, pelo que a FNAC está o cumprir a legislação sobre este tema”, sublinhou fonte oficial da empresa.

Venda de livros em Portugal teve em 2020 uma quebra de quase 18%, segundo dados da APEL

CARLOS BARROSO/LUSA

Apoios do Ministério da Cultura “são insignificantes”

Segundo a APEL, a venda de livros em Portugal teve em 2020 uma quebra de quase 18%, em contraciclo com a generalidade dos países da União Europeia, alguns dos quais registaram crescimento. Pedro Sobral acredita que nos próximos dois meses, se a situação atual de mantiver, “haverá falências nas pequenas, médias e grandes estruturas editoriais”.

Numa coisa a APEL e a RELI parece estarem de acordo: na crítica aos apoios específicos ao setor livreiro. “São insignificantes”, classifica José Pinho. “As autarquias, nomeadamente a Câmara de Lisboa, têm dado apoios muito mais substanciais do que o próprio Ministério da Cultura”, refere.

Aqueles apoios específicos, ao que anunciou a 14 de janeiro a ministra Graça Fonseca, vão ser constituídos por um total de 600 mil euros para “aquisição de livros a pequenas e médias livrarias” e para uma “linha de apoio para editoras portuguesas”. Os pormenores devem ser divulgados nas próximas horas.

O presidente da RELI faz contas: “Se os 300 mil euros de aquisição de livros forem divididos por 100 livrarias, dá três mil euros a cada. Ora, a livraria terá no máximo um desconto de 35% sobre o preço do editor do livro. Temos, portanto, mil euros por livraria. Isto serve para? Para nada. Só na Ler Devagar temos 21 empregados”, lamenta.

Os chamados “apoios transversais”, criados pelo Ministério da Economia para os diversos setores de atividade afetados pelas restrições, “são essencialmente aqueles com que neste momento as livrarias contam”, segundo José Pinho, e “permitem que se continue de portas fechadas mas com vida”. “Esses apoios a fundo perdido é que podem salvar as empresas por detrás das livrarias, apesar de serem insuficientes. Depois temos os lay-off simplificados, que aliviam as contas. No nosso caso [Ler Devagar] também recorremos a um empréstimo bancário, que deveríamos começar a pagar daqui a uns meses, mas se não houver receitas nas próximas semanas como é que vamos pagar o empréstimo? Não sei.”

"Sou levado a pensar que a proibição não é um erro, é resultado de um princípio instalado na mente dos nossos governantes de que o livro em papel não é um bem essencial e está a mais perante os dispositivos eletrónicos. Uma coisa é a digitalização, outra coisa é os nossos governantes estarem deslumbrados perante a digitalização."
Lopes de Castro, presidente da associação que representa a indústria gráfica

A APEL, que tem sede em Lisboa e representa 191 editoras e 21 livreiros, de acordo com números internos do ano passado, queixa-se de que “o setor editorial e livreiro recebeu apenas 500 mil euros” do Ministério da Cultura no confinamento do ano passado e “apenas para apoio a pequenas e microempresas”. “Agora são 600 mil euros também para pequenas e microempresas, com a agravante de ser um valor que já estava inscrito no Orçamento do Estado para 2021, não é um apoio extra”, aponta Pedro Sobral.

O mesmo responsável diz que o sector editorial e livreiro “já está habituado a um Ministério da Cultura sem política, sem estratégia e sem apoios”, razão pela qual, já em corte, a APEL não pondera reunir-se esta semana com Graça Fonseca para tratar do tema dos apoios ao setor do livro. “Enquanto não houver o levantamento da proibição, ou não se pensar fazê-lo com a nossa participação, não vamos a mais reuniões. A APEL teve duas ou três conversas com o Ministério da Cultura no primeiro confinamento e daí não resultou absolutamente nada”, justifica.

A APIGRAF, cujo interlocutor é o Ministério da Economia, queixa-se igualmente. Diz que pediu uma reunião há vários meses e não obteve resposta. “Isto é uma indústria, não estamos a falar de uma empresa. E somos fundamentais até durante o período da pandemia: para fazer caixas para produtos alimentares ou caixas para medicamentos, por exemplo. Não podemos ser tratados desta maneira”, aponta Lopes de Castro.

“Se o Governo já foi alertado e persiste no erro de proibir a venda de livros, sou levado a pensar que a proibição não é um erro, é resultado de um princípio instalado na mente dos nossos governantes de que o livro em papel não é um bem essencial e está a mais perante os dispositivos eletrónicos. Uma coisa é a digitalização, e a indústria gráfica adere fortemente a isso, outra coisa é os nossos governantes estarem deslumbrados perante a digitalização e esquecerem que o digital complementa o papel, cada qual com a sua função”, destaca o líder da APIGRAF.

A APEL não acredita que os motivos pelos quais os livros estão vedados sejam apenas aqueles que o Governo apresenta publicamente, mas diz não ter elementos para tirar conclusões. “O único argumento racional que encontro é que esta política da terra queimada serve para que o Ministério da Cultura e o da Economia não tenham de apresentar uma solução específica e financeiramente capaz para apoiar as livrarias”, interpreta Pedro Sobral.

O Observador procurou obter comentários, sem êxito, junto da Associação Portuguesa de Escritores e da Sociedade Portuguesa de Autores.

Notícia alterada às 12h38 com pormenores sobre a indisponibilidade imediata do serviço click and collect da FNAC, em função de novas informações transmitidas ao Observador depois de uma primeira resposta da empresa.

Assine a partir de 0,10€/ dia

Nesta Páscoa, torne-se assinante e poupe 42€.

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver oferta

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine a partir
de 0,10€ /dia

Nesta Páscoa, torne-se
assinante e poupe 42€.

Assinar agora