Rui Rio ainda não desistiu da ideia de fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS. Antes pelo contrário. Depois de ter visto a sua direção alargada torcer o nariz à hipótese, a verdade é que a vitória nas últimas diretas lhe deu legitimidade reforçada para voltar a levar o tema à discussão. E os sinais públicos e privados que vão surgindo do e no núcleo duro de Rio parecem apontar nesse sentido: a aliança pré-legislativa com Francisco Rodrigues dos Santos pode estar a ganhar força.
Tal como escreveu o Observador a 16 de novembro, na última reunião da Comissão Política Nacional (CPN) do partido, ainda antes das eleições diretas, Rui Rio apresentou-se na reunião defendendo, entre outras coisas, que uma pré-coligação eleitoral com CDS salvaria o partido liderado por Francisco Rodrigues dos Santos — o que, em última análise, seria bom para os equilíbrios políticos à direita — e seria útil às ambições eleitorais do PSD.
Os argumentos de Rio acabaram por não colher a simpatia de grande parte dos dirigentes sociais-democratas. A direção do partido foi apenas convidada a pronunciar-se sobre a hipótese, mas uma maioria expressiva — onde se incluíam três vices de Rio — rejeitou a ideia.
Houve, aliás, quem considerasse que seria apenas “caridade” fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS nesta altura do campeonato, um gesto de “misericórdia” para com um partido em profunda crise. Daí para cá, não se pode dizer que a leitura tenha mudado — o que mudou foi o contexto.
Trazer os problemas para dentro de casa?
Na direção de Rio, continua a existir a convicção de que o CDS vale hoje muito pouco e que uma coligação com Francisco Rodrigues dos Santos até pode ter o efeito pernicioso de afastar uma parte do eleitorado do centro.
De resto, a vitória de Rio é interpretada pelos mais próximos do líder social-democrata como uma vitória da pulsão centrista do partido contra o caminho mais à direita protagonizado por Paulo Rangel e suportado por várias figuras associadas ao passado recente do partido que o apoiavam.
Aos olhos dos conselheiros do presidente social-democrata, o triunfo de Rio terá sido bem-recebido até por uma parte do eleitorado de centro-esquerda, o que pode ser determinante para as hipóteses de o PSD derrotar António Costa a 30 de janeiro. Integrar um partido que se quer afirmar como parte uma direita mais conservadora pode fragilizar esse esforço.
Por isso, na cabeça de alguns dos mais próximos de Rio, seria como arrastar um náufrago para dentro do barco sem grandes certezas do que é que isso pode acrescentar às pretensões do PSD. Pior: poderia dar um sinal contraditório aos eleitores de centro e prejudicar a narrativa e a estratégia política de Rui Rio.
Além disso, subsistem dúvidas sobre a estabilidade interna do CDS. É verdade que, depois de um período particularmente turbulento, Francisco Rodrigues dos Santos parece ter arrumado em definitivo os críticos internos. Mas a imagem pública do partido, sobretudo depois de o CDS ter adiado as eleições internas, ficando isolado como único partido que suspendeu o seu ato eleitoral, pode ter tornado o CDS um ativo (ainda mais) tóxico.
Mais: ninguém oferece garantias de que os adversários de Rodrigues dos Santos não venham a ressurgir e em força. Afinal, em entrevista ao Observador, Nuno Melo garantiu que iria a votos em qualquer circunstância mesmo que o Congresso do CDS acontecesse depois das legislativas — como se veio a confirmar. A concretizar-se, o partido pode entrar novamente em convulsão interna, tudo o que os sociais-democratas não querem.
O apelo do Método de Hondt
Em contrapartida, dar força aos democratas-cristãos pode ajudar a conter o crescimento do Chega. Ninguém tem dúvidas de que um CDS vivo e de boa saúde é um obstáculo ao crescimento dos partidos emergentes, em particular do Chega. Desaparecendo o CDS, esse eleitor potencial — que pode oscilar entre um e outro partido — tenderá a refugiar-se em André Ventura. Resta saber se há ainda hipótese de salvar e fortalecer o CDS para conter esse crescimento do Chega ou se esse comboio já partiu.
Depois existe também a questão pragmática: uma coligação pré-eleitoral com CDS teria como consequência imediata a otimização do efeito do método de Hondt, o que pode significar a eleição de alguns deputados em círculos eleitorais que, noutras condições, poderiam fugir para o PS, por exemplo.
Entre os adeptos da coligação, há quem aponte para os dados objetivos e acrescente uns pózinhos. Se há dois anos PSD e CDS tivessem ido juntos, teriam eleito seis deputados. Se conseguissem mais 35 mil votos, teriam mais 13 deputados. E, num cenário ainda mais positivo, com mais 105 mil votos conseguiriam mais 16 votos.
Ao mesmo tempo, a ideia de uma nova Aliança Democrática pode ter um efeito positivo nos eleitores e tem protagonizado bons resultados, como aconteceu nos Açores, Madeira e em quase 50 autarquias. Reeditá-la no país pode ter um efeito tentador para Rui Rio.
Em termos de governabilidade, acreditam os defensores desta aliança, teria outra vantagem: com a frente PSD/CDS já formada, em caso de vitória nas legislativas, seria mais fácil a Rui Rio negociar numa posição de força com a Iniciativa Liberal e isolar ainda mais o Chega.
Sem coligação, o líder social-democrata teria depois de negociar à peça com cada um dos potenciais parceiros e esperar que entrassem no barco — sendo que o CDS estaria, em teoria, numa situação mais frágil.
Rui Rio decide
Entre o deve e o haver, a balança pode inclinar-se para qualquer um dos lados. Mas se há coisa que Rio conseguiu com vitória frente a Paulo Rangel foi o direito reconhecido de ter a última palavra a dizer: se quiser ir em frente com uma coligação com o CDS, não há grande margem política para contrariar o líder social-democrata.
Rui Rio não tem uma posição fechada. E não o esconde. Na segunda-feira, em entrevista à SIC, desafiado a falar sobre uma eventual pré-coligação com o CDS, o social-democrata deixou tudo em aberto, assumindo que uma e outra solução tem vantagens e desvantagens.
Antes disso, no entanto, o líder social-democrata já tinha deixado bem claro qual era a sua posição de princípio, admitindo que “tendencialmente” estaria mais inclinado para concorrer às legislativas em coligação com o CDS e mesmo reconhecendo que o CDS “não está num período fácil”.
Quando o Observador deu conta do desfecho da reunião da CPN, Rio teve o cuidado de contextualizar o que ali foi debatido. “Na situação presente, uma das coisas que é importante é se o PSD vai sozinho ou não vai sozinho. Fizemos um ‘brainstorming’ para toda a gente dar a sua opinião”. O líder social-democrata explicou ainda que colocou o assunto na reunião da CPN de uma forma “informal” e não ainda “do ponto de vista formal”.
A 7 dezembro, quando reunir o Conselho Nacional para discutir e aprovar a lista de candidatos a deputados, Rio vai também ouvir o partido sobre uma eventual coligação com o CDS. Antes disso, deve voltar a reunir a CPN do partido para auscultar mais uma vez os dirigentes sociais-democratas.
Há, ainda assim, alguns sinais públicos de uma certa aproximação da direção do partido à ideia de uma aliança pré-eleitoral. No domingo, em entrevista à SIC Notícias, André Coelho Lima, vice-presidente do partido, preferiu não se comprometer com uma resposta sobre eventuais coligações — ele que, por duas vezes, em entrevista ao Observador e depois dentro de portas, defendeu exatamente o contrário.
Na ressaca da reeleição de Rui Rio, Francisco Rodrigues dos Santos saudou a vitória do presidente do PSD, deixou claro que não ia “pedinchar” qualquer “coligação” aos sociais-democratas, mas defendeu as “vantagens” de uma coligação com Rio.
Aos olhos da direção do CDS, as coisas estão bem encaminhadas para que se possa concretizar uma coligação pré-eleitoral até porque sentem em Rui Rio essa vontade. A leitura que se faz no Largo do Caldas é de que se o líder quiser — e ele já a defendeu no passado — ninguém terá coragem ou margem de se opor à coligação pré-eleitoral com os democratas-cristãos.