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O empresário do Bangladesh é a vítima mais jovem do novo coronavírus em Portugal
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O empresário do Bangladesh é a vítima mais jovem do novo coronavírus em Portugal

Ana Martingo

O empresário do Bangladesh é a vítima mais jovem do novo coronavírus em Portugal

Ana Martingo

Zahirul vivia em Portugal há nove anos e estava a preparar-se para trazer a família. Morreu aos 29, sem chegar a conhecer o filho mais novo

Natural do Bangladesh, Zahirul Islam vivia em Portugal há 9 anos. Tinha uma loja, um restaurante e um hostel. Só faltava a família, que traria em breve. Aos 29 anos, foi a vítima mais nova da Covid.

2020 ia ser “o” ano. Casado desde 2014 com Farjana, pai de Ayesha, uma menina de quatro anos, e de Fuadul, o bebé de um ano e oito meses que só conhecia através das vídeochamadas que fazia para Dhaka, Zahirul Islam tinha finalmente começado a tratar da papelada para se reunir, em Lisboa, com a família que foi construindo à distância de mais de 9 mil quilómetros, nas viagens que, ano sim, ano não, fazia ao Bangladesh.

Em Portugal há apenas nove anos, era, aos 29, um empresário de considerável sucesso, patrão de oito funcionários e proprietário de vários negócios, entre os quais uma loja de souvenirs na Rua da Prata; um restaurante, o Masala, onde conjugava as especialidades do país onde nasceu com as dos vizinhos Índia e Paquistão; e ainda um pequeno hostel, o Lisbon Knock, com cinco quartos e duas casas de banho — estes últimos ambos na Rua do Benformoso, na zona do Martim Moniz.

Zahiral Islam chegou a Portugal em 2011. Morreu nove anos depois, com Covid-19

A irmã, Farzana, de 27 anos, tinha sido a primeira a juntar-se-lhe em Portugal; depois, em 2019, chegaram a mãe, Zahanara, e o pai, Tazul, que se desfez da loja que tinha na capital do Bangladesh para se mudar para o país que o filho não se cansava de descrever como o melhor do mundo para morar — “Dizia que o tempo era bom e que as pessoas também eram boas, só queria viver aqui”, conta em inglês ao Observador Humayun Kabir, seu conterrâneo e, desde 2015, ano em que casou em Lisboa com Farzana, seu cunhado.

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“A comunidade está muito chocada e magoada, ele era muito novo, é muito duro aceitar isto”
Rana Taslim Uddin, presidente do Centro Islâmico do Bangladesh

Finalmente, acreditava Zahirul, tinha criado as condições para trazer a mulher e os filhos — e experimentar pela primeira vez a vida em família que só a espaços tinha conhecido. “Em Portugal primeiro quer ficar junto e só depois casar, no Bangladesh não é assim. No Bangladesh, rapaz gosta de rapariga e rapariga gosta de rapaz. Rapaz dá opinião dele e passa informação à família e depois famílias arranjam casamento, e festa e comida. Sem casamento não podem estar juntos”, explica no português que consegue Kamrul Ali, proprietário de um talho halal também na Rua do Benformoso. “Não chegou a ver o bebé pequenino. Queria tratar do visto, já não deu mais tempo”, lamenta o amigo, que esta semana homenageou Zahirul nas redes sociais.

Internado desde o passado 4 de abril, infetado com o novo coronavírus, Zahirul Islam, que teria um historial de hipertensão, não resistiu à doença e morreu exatamente um mês depois, às 6h da madrugada da passada segunda-feira, 4 de maio, no Hospital Curry Cabral em Lisboa. Completaria 30 anos no dia 31 de dezembro de 2020. É oficialmente a vítima mais jovem da Covid-19 em Portugal.

“A comunidade está muito chocada e magoada, ele era muito novo, é muito duro aceitar isto”, diz Rana Taslim Uddin, presidente do Centro Islâmico do Bangladesh, que, em conversa com o Observador, tenta reconstituir o último mês de vida de Zahirul Islam.

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“A 22 de março sentiu-se mal pela primeira vez, voltou para casa e ficou em repouso. Tinha tosse e estava constipado mas depois disso voltou ao trabalho. Até dia 26, dia em que já não conseguiu sair de casa, porque estava muito fraco, esteve a trabalhar. No dia 4 de abril, como a mãe começou a tossir também, começou a pensar que devia ter apanhado Covid e foi ao Hospital de São José, onde ficou internado. Até dia 7 de abril ninguém soube dele, a família não conseguiu contactá-lo. Acabou por ser encontrado pela contabilista no Hospital Curry Cabral”, relata Rana Taslim Uddin.

Com a irmã e o pai de férias no Bangladesh desde fevereiro, Zahirul, descrito por todos quantos o conheciam como um homem calmo e de poucas falas, muito reservado, só tinha dois elos de ligação à realidade em Portugal: a mãe e o cunhado. O facto de nenhum deles falar senão inglês terá feito com que durante quatro longos dias sem nada saberem dele, uma vez que ainda por cima tinha dado entrada num hospital e transferido para outro, tivessem temido o pior desfecho — apenas para um mês mais tarde o verem finalmente confirmado.

“O Curry Cabral disse que ele estava recuperado do vírus, mas que estava com um problema no cérebro, o vírus entrou-lhe na cabeça e deixou danos. Voltou para São José outra vez e quatro dias depois voltou para o Curry Cabral, onde acabou por morrer”, conclui o presidente do Centro Islâmico do Bangladesh.

"Tenho a certeza de que o Zahirul está com Alá no paraíso, era muito gentil, educado, era um bom homem. Ajudava qualquer pessoa que lhe pedisse auxílio ou lhe dissesse que tinha fome”
Humayun Kabir, cunhado de Zahirul Islam

Contactado pelo Observador, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, a que pertencem ambos os hospitais, recusou por motivos de privacidade divulgar quaisquer detalhes sobre o historial clínico do paciente.

“Há um mês e meio tinha feito uma pequena cirurgia, às hemorroidas, e às vezes andava nervoso e sob pressão, se por acaso algumas pessoas não pagavam a renda, mas não tinha mais problemas de saúde”, garante contudo o cunhado, ao telefone e em inglês, a partir do apartamento na Rua da Prata onde Zahirul vivia com o resto da família.

Apesar de não estar doente, Humayun está confinado com a sogra, já assintomática mas ainda infetada com o SARS-COV-2: “Ela está bem, mas está muito triste. Tinha um filho e uma filha e agora só tem uma filha. Tenho a certeza de que o Zahirul está com Alá no paraíso, era muito gentil, educado, era um bom homem. Ajudava qualquer pessoa que lhe pedisse auxílio ou lhe dissesse que tinha fome”.

Falava várias línguas, adorava ir ao McDonald’s e vivia para trabalhar

Natural de Feni, cidade 160 quilómetros a sul de Dhaka, Muhammed Zahirul Islam, fez aquilo que hoje em dia todos os bangladeshianos com possibilidades fazem, assim que atingem a maioridade: estudou o que conseguiu — “qualquer coisa relacionada com computadores”, não é capaz de precisar o cunhado — e emigrou. “O Bangladesh não é bom para trabalhar, quem pode estuda e depois sai para a Arábia Saudita ou para a Europa. A maioria agora gosta de Portugal, porque o tempo, as pessoas e a hortaliça é tudo igual a Bangladesh”, explica o amigo e talhante Kamrul Ali.

“Quando chegou cá trabalhou na minha loja durante dois anos, depois arranjou a sua própria loja. Era uma boa pessoa, uma pessoa séria, que respeita o trabalho e respeita as pessoas. Vendeu as coisas que tinha no Bangladesh para ter dinheiro para vir”
Touhidul Islam Rana, primeiro patrão de Zahirul Islam em Portugal

Em Portugal desde 2011, onde chegou com apenas 20 anos, Zahirul começou por ser funcionário de uma loja de artesanato na Rua Augusta, propriedade de um conterrâneo, e rapidamente concretizou o sonho de se transformar num “businessman”. Dizem os que o conhecem, viveu os últimos nove anos apenas para trabalhar. “Era um homem muito inteligente. E era muito bom em línguas, falava inglês, português, espanhol, italiano e um pouco de grego também”, realça Humayun Kabir.

Parte do dinheiro que ganhava enviava para Farjana, de apenas 26 anos, e para os filhos, o resto investia nos negócios. “Normalmente as mulheres no Bangladesh não trabalham, dependem do marido”, explica ao Observador Touhidul Islam Rana, o seu primeiro e único patrão em Portugal. “Quando chegou cá trabalhou na minha loja durante dois anos, depois arranjou a sua própria loja. Era uma boa pessoa, uma pessoa séria, que respeita o trabalho e respeita as pessoas. Vendeu as coisas que tinha no Bangladesh para ter dinheiro para vir.”

"Era um rapaz muito calmo, pouco falava, pouco passeava, só via trabalho na vida dele"
Kamrul Ali, amigo de Zahirul Islam

Quando questionados sobre aquilo de que Zahirul mais gostava de fazer, para além de trabalhar, cunhado, primeiro patrão e amigo ficam confusos, esbarram naquela que será mais uma barreira cultural: fora do trabalho Zahirul talvez existisse para ir à Mesquita Baitul Mukarram, no Martim Moniz, nada mais do que isso.

Não gostava particularmente de desporto e também não era homem de contar histórias ou de viver rodeado de amigos. “Sei que ele gostava de Portugal e de trabalhar. E adorava a irmã”, enumera o cunhado, Humayun, antes de acrescentar: “Também gostava de comida, adorava ir ao McDonald’s”.  “Era um rapaz muito calmo, pouco falava, pouco passeava, só via trabalho na vida dele”, diz Kamrul Ali.

Nos últimos meses só um objetivo o movia: trazer para junto de si a mulher e os filhos. “No ano passado tinha pedido a nacionalidade, mas ainda não tinha tido resposta, e agora estava a tratar da documentação para trazer a família”, conta Rana Taslim Uddin.

Acabou por morrer sem o conseguir. E sem conhecer pessoalmente o pequeno Fuadul, nascido a milhares de quilómetros de distância do pai, no dia 9 de setembro de 2018. Vítima da Covid-19, Muhammed Zahirul Islam foi sepultado na passada terça-feira no talhão muçulmano do cemitério do Lumiar, em Lisboa. Tinha 29 anos.

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