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O que é uma doença do comportamento alimentar?

É o nome dado ao conjunto de doenças psiquiátricas que se manifestam através de perturbações graves na autoimagem e no padrão alimentar do doente, com prejuízos para a saúde.

Dulce Bouça, psiquiatra especialista nestas doenças, explica que são condições nas quais há “uma fixação obsessiva no peso e na imagem corporal, bem como uma vivência desconfortável e avaliação negativa do corpo”, que acabam por levar os pacientes a restrições alimentares, comportamentos de eliminação da comida ingerida e/ou alimentação errática que oscila entre a ingestão compulsiva e o jejum.

Afetam até cerca de 4% da população, na sua maioria — quase 90 % — mulheres, sobretudo jovens, já que a idade de início mais habitual é a adolescência.

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Quais são as principais doenças do comportamento alimentar?

A anorexia nervosa caracteriza-se por uma obsessão com o peso corporal e um medo intenso de engordar, que leva a uma ingestão insuficiente de alimentos e uma recusa em manter um peso mínimo normal para a idade e altura. Evolui sempre para baixo peso e desnutrição. Dulce Bouça explica que há duas formas da doença: a restritiva, caracterizada por uma dieta rigorosa e recusa em manter um peso normal, e a purgativa, mais grave, em que “além da restrição alimentar há recurso ao vómito, abuso de laxantes ou anorexígenos [medicamentos que causam falta de apetite]”.

A bulimia nervosa é caracterizada por episódios de ingestão alimentar compulsiva, que são depois seguidos de comportamentos que visam eliminar o que se comeu: a indução de vómito, prática excessiva de excessivo físico, abuso de laxantes e o jejum prolongado. O peso pode ter oscilações, mas mantém-se normal para a idade e altura.

A perturbação de ingestão alimentar compulsiva, também conhecida por binge eating, caracteriza-se por uma alimentação não regular. “Há longos períodos sem ingestão alimentar a que se seguem ingestões excessivas e descontroladas de alimentos de elevado valor calórico, que levam ao aumento progressivo de peso e instalação de humor depressivo”, detalha a psiquiatra.

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Então, qual é a diferença entre a bulimia nervosa e a perturbação de ingestão compulsiva?

A grande diferença é a existência ou não daquilo a que se chamam “manobras compensatórias”, ou seja, de comportamentos como a indução do vómito ou o uso de laxantes, para tentar atenuar — ou compensar — a ingestão excessiva de comida.

“Na bulimia nervosa, a ingestão exagerada de alimentos num curto espaço de tempo é seguida de uma manobra compensatória. Na perturbação de ingestão alimentar compulsiva há apenas os comportamentos de ingestão compulsiva, sem manobras compensatórias associadas”, explica a psicóloga Filipa Cardoso Menezes, que faz acompanhamento psicoterapêutico em contexto hospitalar a adolescentes e adultos com perturbações do comportamento alimentar.

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E o que é a Ortorexia Nervosa?

É uma condição que, apesar de ainda não ser reconhecida como uma doença pelos principais manuais de diagnóstico, também se insere no contexto das perturbações alimentares. Define-se como uma obsessão, não pelo peso e pela imagem corporal, mas por ingerir apenas alimentos considerados saudáveis e bons.

Distingue-se de uma atenção normal e saudável com o que se come, na medida em que é um comportamento obsessivo que controla a vida do paciente. “Quando a preocupação com o que se come interfere com o trabalho e a vida social, ocupa a maior parte dos pensamentos, o prazer na comida é totalmente desconsiderado face ao seu valor nutritivo, há uma enorme culpabilidade em comer um alimento considerado ‘mau’”, detalha a psicóloga clínica Filipa Cardoso Menezes, está-se perante uma situação de doença.

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Quais são as consequências destas doenças?

Na anorexia, além do baixo peso e desnutrição, é vulgar a falta de menstruação (amenorreia) e a perda de densidade óssea. A forma purgativa pode levar a problemas cardíacos. Nos casos mais graves, a anorexia pode levar à morte.

A bulimia nervosa pode causar, entre outros, problemas como insuficiência renal ou cardíaca, problemas digestivos e deterioração nos dentes e gengivas.

Já a perturbação de ingestão alimentar compulsiva conduz frequentemente a excesso de peso ou obesidade, que podem levar a diabetes, colesterol e aumento da tensão arterial.

Todas estas doenças estão associadas também a um grande sofrimento psicológico e emocional.

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Quais são as causas e fatores de risco para estas doenças?

São doenças que não têm uma causa única, mas antes um conjunto de fatores envolvidos, nomeadamente genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais. Alguns dos mais relevantes, de acordo com Filipa Cardoso Menezes, são a história familiar de doença do comportamento alimentar, acontecimentos de vida traumáticos (sobretudo de natureza sexual) e mudanças geradoras de muito stress emocional.  De acordo com a psicóloga, são mais comuns em sociedades industrializadas, com abundância alimentar e pressão social para ter um corpo com uma determinada forma.

Estas doenças, garante a psicóloga, são a ponta do icebergue de um enorme mal-estar psicológico. Estão muitas vezes associadas a uma incapacidade emocional de fazer face às tarefas de uma determinada fase da vida, “por exemplo, tarefas ligadas ao crescimento e à autonomia na adolescência; uma dificuldade em comunicar vontades e afetos pela palavra”, além de “questões ligadas ao corpo e à sexualidade”.

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Há alguma relação entre estas doenças e a personalidade?

Habitualmente, há. Dulce Bouça refere que na anorexia nervosa há uma relação com “traços de personalidade obsessiva, com rigidez de perfeccionismo”; na bulimia nervosa, os traços de personalidade tendem a ser “de instabilidade de humor e impulsividade”; e na perturbação de ingestão compulsiva, “os traços de personalidade são de tendência para humor deprimido e dificuldade de gestão de afetos”.

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Como é que a doença geralmente começa?

A anorexia e bulimia são doenças que se iniciam com uma fixação pelo controlo do corpo em que, frisa Dulce Bouça, o doente procura resolver a sua baixa autoestima e autoconceito com dietas e perda de peso. A médica refere que começam sempre com uma dieta restritiva, sem orientação médica, que leva a uma carência de nutrientes que, por sua vez, conduz a um desequilíbrio do metabolismo, alterando a noção de fome e saciedade.

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A que sinais de alarme devem os pais estar atentos?

A psicóloga Filipa Cardoso Menezes elenca uma lista dos principais sinais de alerta que devem motivar uma preocupação dos pais:

  • marcada perda de peso;
  • ansiedade à volta da comida e das refeições;
  • deixar de querer estar nas refeições em família ou comer a mesma coisa;
  • as idas à casa de banho sempre no fim da refeição;
  • grande aumento da preocupação com a forma do corpo;
  • grande aumento da preocupação em fazer exercício físico.

A psicóloga frisa que é importante as famílias promoverem hábitos de vida e alimentação saudáveis, mas que devem também ter muita atenção a comportamentos alimentares que se vão tornando cada vez mais restritivos e rígidos, mesmo em pessoas com excesso de peso inicial.

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Como se tratam as doenças do comportamento alimentar?

Sendo doenças do foro psiquiátrico, o tratamento deve ser conduzido por um psiquiatra com formação e experiência nestas doenças, que coordena uma equipa multidisciplinar que inclui, pelo menos, um nutricionista e um psicólogo. “O tratamento é sempre médico, com reequilíbrio nutricional e [apoio] psicológico, em articulação com o acompanhamento médico, introduzindo sempre a família no processo terapêutico”, frisa Dulce Bouça.

Pode haver necessidade de recorrer às especialidades de medicina interna ou endocrinologia para abordar problemas ou sintomas específicos.

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É preciso um internamento para fazer o tratamento?

Geralmente, o tratamento pode ser feito em ambulatório ou em hospital de dia, só os casos mais graves requerem internamento, pela gravidade dos sintomas e risco de vida. Os principais motivos para a necessidade de internar, de acordo com Filipa Cardoso Menezes, são a ideação suicida, muito baixo peso, distúrbios eletrolíticos (provocados por diarreias e vómitos intensos) e frequência cardíaca demasiado baixa.

Um estudo de um grupo de investigadores do CINTESIS, publicado em 2018, mostra que, em Portugal, os distúrbios alimentares como a anorexia nervosa e a bulimia estiveram na origem de 4.485 hospitalizações no Serviço Nacional de Saúde entre 2000 e 2014.

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Qual é o prognóstico destas doenças?

O diagnóstico precoce influencia a evolução da doença e o seu prognóstico: quanto mais cedo for iniciado o tratamento, melhor.

São doenças difíceis de tratar, mas é possível uma recuperação completa. Considerando a anorexia e a bulimia, “pensa-se que há uma recuperação total em cerca de 1/3 dos doentes, 1/3 mantém alguns sintomas e 1/3 evolui para uma situação crónica”, aponta Filipa Cardoso Menezes. A psicóloga acrescenta que, por regra, é mais difícil tratar uma anorexia nervosa do que uma bulimia, mas que, como em todas as doenças, há quadros mais graves do que outros e a resposta ao tratamento é variável.