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O que está afinal em causa?

É o tal apoio que a Comissão Europeia lançou no final de maio para tentar mitigar o impacto brutal da pandemia na atividade dos países europeus, relançando as economias dos estados-membros a partir do próximo ano.

Começou com uma proposta de França e Alemanha, no final de maio, e um plano da Comissão Europeia (“New Generation EU”) dias depois; seguiu-se uma reunião dos líderes europeus a 19 de junho — sem acordo — e, há uma semana, uma ligeira emenda do presidente do Conselho Europeu à proposta da Comissão. Sexta-feira e sábado podem agora ser dias decisivos (mas ainda há risco de o acordo resvalar para outras datas).

Estes apoios não se confundem com outros que servem para atacar problemas imediatos. Ao contrário do pacote que será discutido por estes dias no Conselho Europeu, os apoios de emergência, de 540 mil milhões de euros, já estão em marcha, depois de aprovados em abril: um programa que salvaguarda postos de trabalho (SURE); os empréstimos adicionais do Mecanismo Europeu de Estabilidade para gastos com tratamento e prevenção da Covid-19 (até 2% do PIB dos Estados que necessitem); e a duplicação das linhas de crédito do Banco Europeu de Investimento para empresas em dificuldade.

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Quanto dinheiro vai ser distribuído pelos estados-membros desta vez?

A proposta para um Fundo de Recuperação da economia europeia, concentrado nos próximos três anos, prevê 750 mil milhões de euros, mas os países “frugais” estão a tentar baixar o valor definido pela Comissão — que passou incólume na revisão que Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, fez ao documento.

A este dinheiro acresce ainda um orçamento comunitário melhorado para os próximos sete anos (2021-2027), face ao anterior ciclo de fundos europeus. No caso da proposta da Comissão, o orçamento plurianual teria 1,1 biliões de euros (o equivalente ao valor da Apple ou da Microsoft no ano passado). Mas Charles Michel, depois de negociações com líderes europeus, rescreveu o documento, apresentando agora para discussão um orçamento de 1,07 biliões de euros, “largamente baseado na proposta de fevereiro, que tem em conta dois anos de discussões entre estados-membros”.

A diferença, de 30 mil milhões de euros, é o equivalente ao que Portugal gasta em três anos no Serviço Nacional de Saúde, embora no contexto mais alargado da União Europeia não tenha grande significado.

Presidente do Conselho Europeu propõe menos dinheiro para orçamento comunitário, mas mantém fundo de 750 mil milhões

Entre orçamento comunitário (1.074 milhões de euros), Fundo de recuperação (750 mil milhões) e programas de emergência já em marcha para combater efeitos da Covid-19 (540 mil milhões), a UE gastaria — se aprovadas todas as propostas como estão — um total de 2.364 milhões de euros até 2027.

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E que história é essa dos “rebates”?

Além de um ligeiro corte no orçamento que a Comissão tinha apresentado para os próximos sete anos, o presidente do Conselho Europeu — para ir ao encontro das preocupações dos chamados países “frugais” — propõe ainda que se mantenham os polémicos “rebates”  — um mecanismo, sob a forma de descontos, que devolve aos países mais ricos (“contribuintes líquidos” para o orçamento europeu) uma parte do apoio que dão aos restantes estados-membros.

Se esta proposta de Charles Michel for aprovada, Alemanha, Áustria, Dinamarca, Países Baixos e Suécia ficam com descontos fixos.

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O que separa os países “frugais” dos restantes?

Não são os únicos que podem potencialmente criar entraves a um acordo, mas Áustria, Dinamarca, Países Baixos e Suécia lideram a “rebelião” dos chamados estados “frugais”. Estão desalinhados da Alemanha e têm resistido às propostas da Comissão.

Em causa estão sobretudo o tamanho da “bazuca” — os tais 750 mil milhões de euros, que os quatro países “frugais” acham demais; o equilíbrio entre subvenções e empréstimos; a existência ou não de condições para aceder ao dinheiro; e a chave de repartição dos recursos pelos diferentes países.

Um plano europeu que é como uma “garrafa de vinho cara”

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Quanto dinheiro é a fundo perdido? E o que calha a Portugal?

A proposta para o Fundo de Recuperação prevê dois terços em subvenções (500 mil milhões de euros, conforme o acordo entre França e Alemanha) e um terço em empréstimos (250 mil milhões de euros). E o presidente do Conselho Europeu não tocou nesse equilíbrio montado pela Comissão, para “evitar sobrecarregar estados-membros com elevados níveis de dívida”.

Esta tem sido uma discussão incessante e na contraproposta que os quatro países “frugais” fizeram não há qualquer menção a subvenções — toda a ajuda seria concedida através de empréstimos. Apesar disso, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que António Costa acaba de visitar em Haia, já admitiu que até é possível haver subvenções, mas mediante a imposição de condições muito fortes (já lá vamos).

Se o documento da Comissão fosse aprovado, Portugal poderia receber aproximadamente um total de 26 mil milhões de euros, dos quais 15,5 mil milhões a fundo perdido. A restante verba, de 10,8 mil milhões de euros, seria recebida por empréstimo, com juros favoráveis, no caso de Portugal precisar. Mas estes são apenas “ses”, porque os compromissos deste Conselho Europeu podem mudar os números e a forma como eles são aplicados.

Portugal pode obter 15,5 mil milhões de euros a fundo perdido do Fundo de Recuperação da UE

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Para que serve o dinheiro?

Boa parte dos 750 mil milhões de euros previstos estão dedicados ao Fundo de Recuperação e Resiliência, num total de 560 mil milhões (quase três vezes o PIB anual português). Desse valor, 310 mil milhões devem ser entregues em subvenções e 250 mil milhões em empréstimos.

É suposto esse dinheiro ser canalizado para países e setores que tenham sido mais afetados pela crise, com 70% das despesas a serem comprometidas já em 2021 e 2022 e 30% em 2023 (tendo em conta a queda do PIB em 2020 e 2021). Todas as verbas que a UE disponibiliza devem chegar até 2026, altura em que está previsto o início da devolução por parte dos estados-membros.

Os restantes 190 mil milhões de euros são divididos em vários programas específicos. Os apoios aos estados membros para recuperarem contam ainda com cerca de 100 mil milhões de euros adicionais (entre REACT-EU, apoios ao desenvolvimento rural e Fundo para Transição Justa); os apoios ao investimento privado levam mais de 50 mil milhões de euros; e dois mecanismos pós-Covid — para a Saúde e para emergências de larga escala — contam em conjunto com cerca de 10 mil milhões de euros.

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Os governos têm ou não obrigações associadas?

A “condicionalidade” deverá ser uma das “pedras” mais difíceis de tirar do “sapato” deste Conselho Europeu. A proposta que vai a discussão visa enquadrar estas ajudas com as recomendações específicas que os países recebem no âmbito do chamado “Semestre Europeu” — em que os governos alinham políticas económicas e orçamentais com as regras europeias.

Neste sentido, os países devem preparar planos de recuperação nacional e resiliência para os próximos três anos, a serem revistos em 2022. Mas há mais, porque 30% do financiamento só deverá ser concedido mediante a apresentação de projetos relacionados com o ambiente e que estejam em linha com os objetivos climáticos da UE para as próximas décadas.

Finalmente, há ainda uma questão mais delicada — para países como a Hungria ou a Polónia — porque o dinheiro é dado à condição de que sejam salvaguardados o Estado de Direito e os valores europeus.

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Os estados “frugais”, no entanto, não ficam satisfeitos, preferindo um modelo que imponha reformas, um pouco como no tempo da Troika (em que Comissão Europeia, FMI e BCE ditaram as alterações estruturais dos países sob resgate), algo que os países do Sul rejeitam.

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Como é que se decide a distribuição das verbas?

Cada envelope financeiro deverá ser decidido mediante maioria qualificada no Conselho Europeu, o que é diferente da proposta da Comissão, que impunha maioria qualificada para bloquear decisões. Só que para a Holanda, nem um nem outro — exige unanimidade.

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Vêm aí novos impostos?

Além do que cada país possa eventualmente decidir para fazer face ao aumento das suas dívidas, a Comissão relançou a discussão sobre recursos próprios da União Europeia. Estão em causa uma taxa digital e taxas ambientais — que travem o uso de plásticos e sobre emissão de CO2.

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Onde é que a UE vai buscar o dinheiro?

A Comissão vai pedir emprestado aos mercados em nome da União Europeia. Muitos consideram esta operação como uma espécie de mutualização da dívida — uma velha polémica —, mas Ursula von der Leyen,  presidente da Comissão Europeia, já veio descansar os países “frugais”, garantindo que “não é o caso”.

Ursula von der Leyen tranquiliza os países “frugais” — não há mutualização da dívida