Infanticídio: morte provocada de uma criança, em especial de um recém-nascido. Corre nas várias redes sociais um vídeo, que se tornou viral, onde se afirma que uma lei do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, irá permitir o assassinato de bebés até aos 28 dias de vida. No vídeo, um homem começa por dizer que a Califórnia “quer matar” o seu próprio filho, enquanto, ao mesmo tempo que fala, se vê a imagem de um recém nascido, alegadamente o filho do interlocutor.

Em causa está a Assembly Bill (AB) n.º 2223 que, na opinião deste norte-americano, “tornará absolutamente legal matar bebés não apenas no útero, mas também fora do útero até 28 dias após o nascimento”.

Na Califórnia, a legislação pode ser proposta quer pelo Senado (Senate Bill) quer pela Assembleia Estatal (Assembly Bill), através de um dos seus membros. Se for aprovada, segue para o governador, que a assina, transformando-a em lei. Foi o que aconteceu neste caso. A 2 de setembro de 2022, a legislatura da Califórnia aprovou 13 propostas de lei relacionadas com saúde reprodutiva, entre elas a AB n.º 2223, e esse pacote legislativo foi assinado pelo governador Gavin Newsom no dia 27 desse mesmo mês.

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O governador democrata é defensor do direito à interrupção voluntária da gravidez e prometeu manter a Califórnia como um porto seguro para quem procura fazer um aborto, já que muitos estados norte-americanos têm proibido ou aumentado as restrições para estas situações, depois de o Supremo Tribunal ter revogado uma lei com meio século (conhecida como a Roe v. Wade), atirando para o nível estatal — e já não federal — a capacidade de legislar sobre esta matéria. Na altura, a resposta da Califórnia foi amplamente noticiada.

O que diz, então, a lei? A CNN explicava que a AB n.º 2223 “removeria a exigência da lei estadual de que um médico legista investigue mortes relacionadas com aborto autoinduzido ou criminoso”. Além disso, “faria com que as declarações de um médico legista sobre uma certificação de óbito fetal não pudessem ser usadas para abrir um processo criminal ou ação civil” e impedia que qualquer pessoa tivesse de responder civil ou criminalmente por fazer ou ajudar alguém a fazer um aborto.

O problema é que o documento inicial falava em “aborto, nado morto e morte perinatal” e esta última situação significa o período após o nascimento (há definições diferentes do termo que variam entre uma semana a um mês depois do nascimento da criança). É devido à expressão perinatal que se alega que a Califórnia permite a morte de crianças fora do útero até 28 dias após o nascimento — o que é falso.

No ano passado, em abril, a deputada Buffy Wicks, autora da lei, falava no Twitter sobre as interpretações abusivas que foram sendo feitas. “Permitam-me ser clara: AB2223 não impede que o estado mantenha as crianças seguras. Este não é um projeto de lei sobre infanticídio. É sobre proteger as californianas que sofrem a perda de uma gravidez de serem investigadas, processadas ou presas injustamente. Ponto final”, escreveu naquela rede social.

Wicks foi mais além e acabou por alterar a proposta de redação da lei. Segundo a sua porta-voz, citada pela AFP, o projeto de lei foi modificado “para deixar perfeitamente claro que se trata da gravidez e do resultado da gravidez”, explicando que a alteração foi feita na sequência de “interpretações falaciosas”. A alteração introduziu, então, a referência a uma “morte perinatal que se deva a uma causa relacionada com a gravidez” (“perinatal death due to a pregnancy-related cause”, na formulação em inglês)

De resto, a Conferência Católica da Califórnia — ou CCC, um organismo que representa os cidadãos católicos daquele estado norte-americano — reagiu às alterações feitas à proposta inicial de Wicks. “Esta alteração fecha definitivamente a porta a possíveis consequências não intencionais de permitir a morte de bebés devido a abuso, negligência ou abandono, suavizando as preocupações que a CCC suscitou junto do autor”, referiu numa nota tornada pública pouco depois de Wicks concretizar as alterações ao seu texto em que também anunciava que ia retirar a sua oposição ao diploma, mantendo-se neutra nessa discussão.

Conclusão

Falso. Não existe uma lei na Califórnia que permita matar recém-nascidos “fora do útero até 28 dias após o nascimento”. A legislação em causa foi criada para proteger mulheres de serem acusadas criminalmente depois de fazerem uma interrupção voluntária da gravidez. Para evitar más interpretações, o projeto de lei acabou por ser redigido de maneira a ficar mais claro.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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