Uma publicação, já com centenas de gostos, partilhas e comentários, sugere que a vacinação contra a Covid-19 é a responsável por um aumento do número de mortes súbitas em adultos jovens, com menos de 40 anos.
“Quando algo que costumava ser raro passa a ser frequente, impõe-se uma investigação. Se pelo senso comum a probabilidade de morrer de morte súbita antes dos 40 é sobreponível à probabilidade de ter uma ereção depois dos 90, perante os números que ora vêm a público, e já não se conseguem varrer para debaixo do tapete, a reflexão que se impõe resume-se em duas questões”, começa por escrever o autor da publicação, para depois questionar: “Qual é a nova variável desde dezembro de 2020?”.
Entre as quatro opções enunciadas, estão, com ironia, referências ao “bacalhau à Brás”, às “alterações climáticas”, à “praga dos negacionistas” e ainda àquela que o autor considera ser a hipótese correta e que designa como “inoculações experimentais”, isto é, a vacina contra a Covid-19.
Para suportar a teoria de que o número de mortes súbitas está a aumentar, o autor recorre a um link que mostra o número de visualizações de um artigo (em formato de comentário editorial) sobre os casos de morte súbita cardíaca em atletas profissionais. Ou seja, é apresentada uma teoria suportada em números que se considera representarem o número de mortes súbitas mensais quando, na realidade, correspondem ao número de visualizações mensais do referido artigo, publicado num jornal científico — o Journal of the American College of Cardiology.
Mas será que o número de casos de morte súbita em adultos abaixo dos 40 anos está mesmo a aumentar? “Não tenho conhecimento de que haja um aumento de mortes súbitas em jovens. Existe agora uma maior divulgação das mortes súbitas do que antes, nomeadamente quanto aos atletas que caem inanimados no campo. Mas não é por haver um aumento da incidência”, garante ao Observador a cardiologista Ana Abreu, coordenadora do Grupo de Estudos de Risco Cardiovascular da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
“O número de mortes súbitas em jovens durante a pandemia Covid-19, e com a vacinação, não se alterou, como demonstram dados italianos da região de Veneto. De acordo com estes dados, as causas de morte súbita em jovens, incluindo no 1º mês após vacinação, foram idênticas às causa pré-pandémicas, sem aumento de prevalência de miocardite em dados de autópsia”, diz a médica.
A especialista lembra que “as principais causas da morte súbita são a doença aterosclerótica coronária, com o enfarte do miocárdio (sobretudo em pessoas mais velhas)”, enquanto que, nos mais jovens, a morte súbita “é causada por doenças sobretudo genéticas que levam à arritmia ou no contexto de miocardiopatia hipertrófica e displasia arritmogénica do ventrículo; também pode ser causada por miocardites”, refere.
Já quanto à teoria que relaciona as mortes súbitas com a vacinação contra a Covid-19, Ana Abreu diz que a mesma “não tem fundamento”. “Não há evidência científica que permita afirmar que a vacinação está associada a morte súbita. E a OMS também já declarou isso e já expressou que o benefício de fazer a vacina é muito maior que o risco. Quem não tomar a vacina tem um risco de mortalidade cardiovascular aumentado”, realça a médica, que cita dois estudos, um realizado na Índia e outro na Austrália, e que não encontraram uma relação de causa-efeito entre mortes súbitas e a vacinação contra a Covid-19.
“Há um estudo indiano recente, enorme, feito em 2023, com 47 hospitais envolvidos, e que mostrou que não existe relação de causalidade entre vacinação contra a Covid-19 e morte súbita. Os casos de morte súbita que o estudo identificou, em pessoas jovens, não estavam relacionados com a vacinação, mas sim com outros fatores, como registo de história familiar de morte súbita, doenças genéticas, ingestão aguda de álcool ou drogas”, indica Ana Abreu, que também é cardiologista do Hospital de Santa Maria. Um estudo australiano, publicado também este ano, na revista Circulation, e que avaliou mais de quatro milhões de pessoas, “verificou que não há qualquer associação entre vacinação contra a Covid e morte súbita”.
Ana Abreu lembra que “existem miocardites desde sempre, atribuíveis a outros vírus”. “Quando se começou a vacinar contra a Covid-19, quando morria alguém surgiam sempre alegações de que tinha sido por causa da vacina. O facto de acontecer não quer dizer que exista causalidade”, conclui a especialista.
Conclusão
Não há evidência que aponte para um aumento do número de mortes súbitas em jovens. E, quanto à relação entre a morte súbita e a vacinação contra a Covid-19, os estudos mais robustos feitos até agora não encontraram nenhuma relação de causalidade entre essas duas variáveis, como explica ao Observador a cardiologista Ana Abreu.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.