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Deportações, uma crise humanitária e um quebra-cabeças económico. Quinta paragem: El Paso, o epicentro do problema da imigração |
A Estátua da Liberdade é um dos símbolos mais icónicos dos Estados Unidos da América, para sempre ligado à chegada de imigrantes ao país. Desde 1982, a Ilha Ellis foi o lugar de chegada de mais de 12 milhões de estrangeiros que procuravam “o sonho americano”. Mas é um engano achar que sempre foi fácil emigrar para os EUA. Como nota a revista Time, no ano em que houve mais chegadas a Nova Iorque, 1907, um em cada dez dos imigrantes que ali chegaram passaram dias, semanas ou até meses no centro de detenção. A PBS diz que, ao longo da História, 20% de todos os que ali chegaram estiveram temporariamente detidos: metade por razões de saúde (eram muitas vezes sujeitos a quarentena por suspeita de várias doenças), a outra metade por questões legais. |
Um século depois, há outro movimento de migração em massa em direção aos EUA. Mas, desta vez, não tem como destino a Ilha Ellis, mas sim a fronteira sul do país. A maioria são latino-americanos — uns fogem da fome, outros procuram proteção de situações de violência de gangues, muitos sonham com o tal “sonho americano”. Mas, perante o elevado número de chegadas ao longo dos últimos anos, a política norte-americana tem-se transformado para barrar a entrada em massa de imigrantes. Até porque, como assinala o Pew Research Center, 60% dos norte-americanos veem na imigração uma suas principais preocupações. Para os eleitores de Donald Trump, é mesmo o segundo tema mais relevante, apenas batido pela economia. |
Por ser um tema incontornável nesta eleição, a quinta paragem da viagem do Observador pela Route 66 é a cidade de El Paso, no Texas, um dos principais pontos de entrada de muitos migrantes no país. Em 2023, o presidente da Câmara da cidade, Oscar Leeser, deixou um apelo desesperado: “A cidade de El Paso tem recursos limitados e chegámos a um ponto de rutura”, disse, numa altura em que, em média, duas mil pessoas faziam pedidos de asilo por dia em El Paso. |
Leeser — um imigrante que nasceu no México e chegou aos EUA em criança, sem saber uma palavra de inglês — é democrata e tem-se desdobrado em apelos aos vários governos para que haja uma reforma na questão da imigração. “Pedimos ajuda há muitos anos”, lamentou-se em junho deste ano. |
O autarca alerta para o problema de escassez de recursos em El Paso para lidar com um fluxo de gente tão grande, mas não concorda com as medidas restritivas que o estado do Texas tem tentado impor para lidar com a situação. Para Leeser, a situação terá de se resolver com uma reforma nacional que incluía ajuda das Nações Unidas e de outros países. |
Outros, como o governador republicano Greg Abbott, defendem medidas diferentes. O congresso do Texas, por exemplo, aprovou a lei conhecida como SB4, que prevê que o estado possa assumir competências federais, nomeadamente a de criminalizar a travessia ilegal da fronteira. A proposta tem andado na Justiça, de recurso em recurso; em março, o Supremo Tribunal deu-lhe luz verde, mas pouco depois outro tribunal suspendeu-a, pedindo mais detalhes às autoridades. |
El Paso e o estado do Texas são o símbolo de um debate nacional do tema, que tem dominado a campanha presidencial. De um lado, Donald Trump fala num situação de catástrofe, culpa Kamala Harris (apelidando-a de “czar da fronteira”, uma responsabilidade que oficialmente nunca teve) e quer resolver a situação com deportações em massa. Do outro, a adversária democrata defende a proposta de lei bipartidária que foi chumbada no Congresso pelos republicanos mais próximos de Trump. É uma proposta muito mais securitária do que o Partido Democrata tem defendido nos últimos anos, aumentando o número de agentes na fronteira e dando autorização para fechar a fronteira caso o número de entradas diárias chegue às quatro mil numa semana. |
É uma clara mudança de política dos democratas perante as preocupações dos eleitores — e que não começou com Harris. Em junho, o Presidente Joe Biden assinou uma ordem executiva que suspende automaticamente todos pedidos de asilo no país quando o número de entradas diárias ultrapassa os 2.500. |
Trump — para quem a imigração é uma das principais bandeiras da sua campanha — considera que não é suficiente. Em vez disso, para além do programa de deportação, já anunciou que defende um sistema semelhante ao que o estado do Texas pretende com a SB4, criminalizando efetivamente a imigração ilegal (ou seja, os imigrantes apanhados não seriam apenas deportados, como acontece agora, mas poderiam ser condenados e obrigados a cumprir pena nos EUA). |
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Não é claro se estas propostas resolverão o problema e podem ter até consequências imprevisíveis. Afinal, a imigração (mesmo a ilegal) é um dos grandes motores da economia norte-americana, em particular nos estados do sul como o Texas. A mão-de-obra barata que os imigrantes representam é altamente procurada por empresas de construção civil, por exemplo, como nota um artigo da Texas Monthly que aponta como 74% das empresas desta área naquele estado têm dificuldade em preencher todas as suas vagas de emprego. Foi graças a muitos imigrantes ilegais, nota a revista, que foi possível construir infraestruturas petrolíferas, casas e “reconstruir Houston depois do Furacão Harvey”. Mas muitos eleitores, sobretudo noutros estados do país onde a economia não está em tão bom estado como o Texas, sentem que estão a competir por salários baixos e rendas elevadas com imigrantes ilegais. |
Há ainda a questão humanitária. Para além dos pedidos de asilo estarem consagrados no Direito Internacional Humanitário que os EUA subscrevem, são muitos os migrantes que morrem a tentar atravessar a fronteira, numa zona de deserto onde as temperaturas estão muitas vezes acima dos 30 graus. Segundo os dados da polícia fronteiriça, só no setor da fronteira de El Paso, o número de pessoas resgatadas de situações de risco subiu de 17 em 2018 para 597 em 2023; mas o número de mortes, destaca o El Paso Times, também disparou de seis para 149, nas mesmas datas. |
Independentemente destas variáveis, o problema veio para ficar e os políticos norte-americanos têm de o enfrentar. É certo que o número de travessias tem estado a descer ao longo deste ano — em parte porque o México tem reforçado a sua política de impedir a passagem de migrantes, em parte pela política de Biden de limitação dos pedidos de asilo. De acordo com a WOLA, uma organização de defesa dos direitos humanos no continente americano, o número de chegadas registadas pela polícia fronteiriça norte-americano desceu 52% entre maio e julho deste ano. |
Mas as estatísticas mostram que a tendência de aumento dos que procuram o “sonho americano” através do sul da fronteira é real. Entre 2007 e 2019, o número de imigrantes ilegais nos Estados Unidos reduziu-se, mas, ao longo dos últimos anos, voltou a aumentar consistentemente. Como exemplo, o Pew Research explica que em 2021 existiam 10,5 milhões de imigrantes ilegais no país; no ano seguinte já seriam 11 milhões. |
Perante uma América do Sul e Central onde a instabilidade, violência e falta de oportunidades económicas continuam a crescer, o mais certo é que milhares continuem a fazer o caminho para norte, como outros tantos fizeram em tempos para a Ilha Ellis. “A redução atual é um fenómeno de curto-prazo”, avisa a WOLA. “O mais provável é que se inverta nos próximos meses, já que as condições e as causas de raiz para a migração mantêm-se as mesmas.” |
O que aconteceu esta semana? |
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- Barack Obama faz campanha por Kamala Harris
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O antigo Presidente Barack Obama participou num comício democrata no estado-chave da Pensilvânia e aproveitou para atacar Donald Trump. A retórica foi a de retratar o adversário como tendo uma vida distante da dos americanos comuns: “Acham que alguma vez Donald Trump mudou uma fralda?”, perguntou à audiência. |
Obama também ridicularizou os comícios do republicano, comparando-o a Fidel Castro pelos longos discursos e descrevendo-o como um vendedor de “sapatilhas douradas, relógios de 100 mil dólares e, mais recentemente, uma Bíblia”. “Ninguém conseguia inventar isso”, rematou. |
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- Homem detido nos arredores de comício de Trump
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Vem Miller, de 49 anos, foi detido nos arredores do comício de Donald Trump deste sábado em Coachella, na Califórnia. Numa paragem de trânsito de rotina, a polícia identificou que teria consigo várias armas para as quais não tinha licença de porte (incluindo uma caçadeira e um revólver) e duas credenciais falsas para o evento. |
As autoridades locais detiveram-no por suspeitas de que poderia estar a preparar mais um atentado ao candidato republicano, sustentado pelo facto de que Miller pertenceria a uma organização radical anti-governo de direita. O homem nega todas as acusações, afirmando-se como um apoiante de Trump que ia participar normalmente no evento. Diz que as credenciais são verdadeiras e que as armas estão legalizadas. Saiu em liberdade depois de pagar fiança. |