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O Colégio Eleitoral é mais importante do que o número de votos no total? |
Já passavam 1.454 dias das eleições de 8 de novembro de 2016 e faltavam apenas dois para as de 3 de novembro de 2020, mas, mesmo assim, Casey (não me deu apelido, por ser voluntário da equipa de Joe Biden) parecia mais focado naquela data distante do que nesta que é já ao virar da esquina. Isto aconteceu no Franklin Delano Roosevelt Park, em Filadélfia, pouco antes de começar o comício drive-in de Joe Biden — se o conceito lhe parece estranho, leia a reportagem que fiz com o João Porfírio e que será publicada ainda esta segunda-feira, ao final da noite, no Observador. |
Ora mas então o que é que Casey me dizia? Que em 2016 Hillary Clinton ganhou. “Ela ganhou o voto popular!”, insistia. Nisto, uma voluntária chamada Jana, que é amiga de Casey, sentiu que tinha de intervir. Não lhe via a cara, mas os olhos denunciavam o enfado de quem já ouviu aquilo muitas vezes. “Tudo bem, Casey, mas não é assim que as eleições são. O Colégio Eleitoral existe e não é agora que isto vai mudar de regras…”, disse, cansada. |
Então, afinal, em que é que ficamos? Precisamente aqui: nos EUA, ter mais votos no total nacional não é o mais importante para vencer as eleições. Bem mais importante do que isso é ficar em primeiro em partes estratégicas do país. |
Esta foi a prova de 2016 — e de outros casos, como veremos mais à frente. Há quatro anos, Hillary Clinton teve 65.853.514 votos no total nacional, contra os 62.984.828 de Donald Trump. Porém, Trump acabou por sair vitorioso porque ganhou o somatório dos votos do Colégio Eleitoral — com uma vantagem de 304 sobre a 227. |
O que é, então, o Colégio Eleitoral? |
Trata-se de um grupo de 538 pessoas de todos os estados que têm a responsabilidade de eleger diretamente o Presidente e o vice-Presidente dos EUA — vencendo quem conseguir mais de metade, ou seja, 270 ou mais. A distribuição do número de membros do Colégio Eleitoral procura ser o mais proporcional possível com a população de cada estado: por isso, a gigante e muito populosa Califórnia tem 55 lugares; e estados com poucas pessoas, como o Montana ou o Idaho, têm apenas 3. Depois, há os estados que decidem as eleições — os chamados swing-states, dos quais já vos falei aqui — como a Flórida (29 lugares) e a Pensilvânia (20), entre muitos outros. |
Por norma, o sistema funciona desta forma: quando um candidato vence as eleições num estado, todos os votos no Colégio Eleitoral vão para o candidato vencedor, quer ele ganhe por 79.646 ou por 4.269.978 votos. O primeiro número foi a soma da vantagem de Donald Trump sobre Hillary Clinton nos swing-states do Wisconsin, Michigan e Pensilvânia; o segundo aponta para os votos da democrata sobre o republicano na Califórnia. |
E o que há a retirar desses números? |
É que Donald Trump ganhou à justa o Wisconsin (ganhando assim os seus 10 votos do Colégio Eleitoral), tal como o Michigan (16 votos) e a Pensilvânia (20 votos) — o que, olhando só para estes três estados, significa 56 lugares no Colégio Eleitoral. E Hillary Clinton venceu por mais de 4 milhões contra Donald Trump no estado da Califórnia e ficou com 55 lugares no Colégio Eleitoral. |
O que se passou nestes quatro estados (um para Hillary Clinton por muitos; três para Donald Trump por poucos) é comparável, a uma escala mais pequena, ao que se passou no resto do país. E por isso é que, no final de contas, mesmo tendo quase 2,9 milhões de votos a mais do que Trump na contagem nacional, Clinton foi derrotada no Colégio Eleitoral. |
Moral da história? A que qualquer equipa vencedora tem, obrigatoriamente, de saber para ser campeã: de nada vale ganhar com grandes goleadas os dérbis e os clássicos quando, por desleixo, se perdem vários jogos contra as equipas pequenas. |
E embora 2016 seja o caso mais fresco na memória, o facto é que este filme não é novo. |
A primeira vez que um candidato venceu as eleições no Colégio Eleitoral sem vencer o voto popular foi em 1876, com o republicano Rutherford B. Hayes a sair por cima do democrata Samuel J. Tilden, a quem nada serviu uma vantagem de 3 pontos percentuais no sistema nacional. Depois, houve 1888. Dessa vez, o democrata Grover Cleveland teve mais 0,8 pontos percentuais, mas o republicano Benjamin Harrison trocou-lhe as voltas no Colégio Eleitoral e venceu ali por 233 contra 168. E sobram ainda outras eleições bem mais próximas: em 2000, quando o republicano George W. Bush foi eleito com menos 543.895 votos do que Al Gore. Tudo porque, no Colégio Eleitoral, ficou 5 pontos acima do candidato democrata. |
Notou aqui algum padrão? Ora nem mais: sempre que isto acontece, são os republicanos que ganham e os democratas que perdem. E até lhe digo mais: nas previsões do FiveThirtyEight (o nome deste site especializado na análise de sondagens é nada mais nada menos do que o número de lugares que há no Colégio Eleitoral), admite-se que isso volte a acontecer, já que Donald Trump tem 10% de probabilidade de vencer — e há também 8% de probabilidade de o Presidente vencer o Colégio Eleitoral sem conquistar o voto popular. |
O que é que isto quer dizer? Que, quer Casey queira ou não, o filme de há 1.455 dias pode muito bem ter uma sequela já esta terça-feira, 3 de novembro de 2020. |
O que aconteceu esta semana |
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- Ambas as candidaturas aceleram e centram-se na Pensilvânia
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Na reta final da campanha, as equipas de Donald Trump e de Joe Biden aumentaram o número de eventos em todo o país. Do lado republicano, Donald Trump colocou na agenda um total de 26 comícios entre segunda-feira da semana passada e esta — dos quais oito foram na Pensilvânia, incluindo um em Scranton, terra onde nasceu Joe Biden. Do lado democrata, Joe Biden fez consideravelmente menos comícios e chamou a atenção com outros nomes de peso, como a sua candidata a vice-Presidente, Kamala Harris, ou o ex-Presidente Barack Obama. Os democratas marcaram presença na Pensilvânia e noutros estados que Hillary Clinton não conseguiu manter do seu lado em 2016, como o Wisconsin e o Michigan. |
Joe Biden vai terminar a campanha em Pittsburgh, na Pensilvânia, um dia depois de ter estado em Filadélfia, maior cidade daquele estado. Já Donald Trump repete a manobra de há quatro anos: cinco comícios em cada um dos últimos dois dias da campanha, com o último de todos a ser em Grand Rapids, no Michigan. |
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- Estudo atribui 700 mortes por Covid-19 a comícios de Trump
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Um grupo de investigadores da Universidade de Stanford divulgou esta terça-feira um estudo onde, através de um modelo matemático, ficou estimado que 18 comícios de Donald Trump, entre junho e setembro, levaram a um excesso de 30 mil casos de Covid-19 e 700 mortes por aquela doença infecciosa. O cálculo é uma estimativa e não um número definitivo e foi atingido através da análise dos dados epidemiológicos dos condados por onde Donald Trump passou. |
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- Morte de afro-americano durante ação policial leva a manifestações e motins em Filadélfia
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Na cidade de Filadélfia, a maior cidade da Pensilvânia, os primeiros dias da semana foram marcados pela morte de uma afro-americano durante uma ação policial e pela agitação que se seguiu. Na origem dos acontecimentos esteve a morte de Walter Wallace, de 27 anos, abatido na segunda-feira a tiro por dois polícias enquanto empunhava uma faca. A mãe de Wallace, que estava atrás dele a pedir-lhe para largar aquela arma branca, disse mais tarde que o filho tinha problemas mentais e estava no meio de uma crise. |
Na sequência daquele incidente, os dois polícias foram retirados das ruas e vão ficar a fazer trabalho de secretária enquanto durar a investigação do caso. Esta medida não foi suficiente para os manifestantes anti-racistas, que se juntaram na segunda e na terça-feira em protestos tensos contra a polícia. Noutras partes da cidade, sem que fossem gritadas palavras de ordem e na ausência de uma aparente razão política, milhares de jovens partiram montras de lojas e roubaram os seus recheios. Na quarta-feira, com a chamada da guarda nacional e com o decretar de um recolher obrigatório, a situação foi controlada. |