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Só no mês de novembro, o primeiro mês de Elon Musk como dono do Twitter, foi este o número de tweets publicados com a hashtag #climatescam (algo como “fraude climática”) na rede social que agora é propriedade do homem mais rico do mundo. Para ter uma ideia da proporção, no mês anterior a hashtag tinha surgido 10.041 vezes, a difusão desta etiqueta virtual mais do que duplicou em novembro. E já o valor de outubro era um recorde: o uso da hashtag vinha em trajetória ascendente desde o verão, quando a possibilidade de Musk comprar o Twitter começou a ganhar força, e contrasta profundamente com a realidade anterior. Em 2021, por exemplo, aquela hashtag surgia em média entre 1.000 e 1.500 vezes por mês. |
A contabilização foi feita recentemente pelo Centre for Countering Digital Hate a pedido do jornal britânico The Times e junta-se a outras análises publicadas nas últimas semanas, todas com a mesma conclusão: desde que Elon Musk comprou o Twitter, a rede social ganhou mais espaço para a desinformação sobre as alterações climáticas e para o discurso de ódio. É este o tema de um longo artigo publicado esta quarta-feira no Observador. |
Outros dados são igualmente preocupantes. Por exemplo, só este ano já foram feitos 850 mil tweets e retweets com linguagem associada ao negacionismo ou ceticismo das alterações climáticas. E, no que toca ao discurso de ódio, o uso de expressões depreciativas e racistas contra cidadãos afro-americanos triplicou (de 1.282 ocorrências diárias para 3.876), registando-se aumentos significativos também no uso de insultos contra homossexuais e contra judeus. |
Não se pode dizer que estes recordes da desinformação climática e do discurso de ódio no Twitter sejam um reflexo das opiniões pessoais de Elon Musk. O fundador da Tesla — e um dos grandes impulsionadores da mobilidade elétrica — pronuncia-se com frequência sobre as alterações climáticas e já declarou que são uma das principais ameaças existenciais para a humanidade. |
Mas, ao mesmo tempo, Elon Musk autoproclama-se um “absolutista da liberdade de expressão” — ideia na qual baseou toda a sua campanha de compra do Twitter, acusando os antigos donos da rede social de adotarem uma postura excessivamente restrita na moderação de conteúdos, equiparando-a a uma política de censura. Musk prometeu que faria regressar Donald Trump (banido desde o ataque ao Capitólio), reduzir a moderação de conteúdos e passar a vender o visto azul que certifica as contas como verificadas. |
Esta promessa de redução da moderação dos conteúdos teve dois efeitos simultâneos: por um lado, o discurso de ódio e o negacionismo das alterações climáticas disparou na rede social; por outro lado, vários cientistas e académicos começaram a abandonar o Twitter, descontentes com a falta de debate científico e fartos das ameaças diretas que recebiam da parte dos utilizadores mais radicais. Muitos estão a voltar-se para o Mastodon — se quiser saber mais sobre esta nova rede social pode ler este artigo da Cátia Rocha no Observador. |
“Os cientistas estão a sair [do Twitter] como saíram da Rússia depois da invasão da Ucrânia”, resumiu ao Observador o investigador do ISCTE Vania Baldi. “Não querem ser considerados cúmplices de um contexto que está a perder garantias.” |
Depois da COP27, arranca a COP15 (com a China, supostamente, ao volante) |
Começou esta quarta-feira em Montreal, no Canadá, a COP15 sobre a biodiversidade. É a segunda “COP” das últimas semanas — e, embora esta cimeira receba menos atenção mediática a nível global, é igualmente importante e envolve uma diplomacia igualmente complexa. |
Mas vamos por partes. |
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COP é a sigla inglesa para “Conference of the Parties” (conferência das partes) e, na prática, refere-se a qualquer reunião periódica dos países signatários de determinado tratado internacional. Tal como a COP27, no Egito, foi a 27.ª cimeira dos signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, tratado internacional assinado em 1992 no Rio de Janeiro, a COP15 de Montreal é a 15.ª reunião dos países signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica, igualmente assinada em 1992 no Rio de Janeiro, numa grande cimeira organizada pela ONU para debater a situação ambiental do planeta. |
O documento, de que Portugal também é signatário, tem como objetivo garantir que os países do mundo estão na mesma página no que toca à conservação da biodiversidade — e as COPs, que têm acontecido a cada dois anos, servem para cada signatário dar conta do que está a fazer com vista ao cumprimento dos objetivos do tratado. |
A COP15 é especialmente importante. Como explica o The Guardian, no caso da Convenção sobre a Diversidade Biológica, os objetivos concretos são renegociados a cada dez anos. A última atualização destes objetivos aconteceu em 2010, na COP10, no Japão — e a nova negociação devia ter acontecido em 2020, mas a pandemia da Covid-19 obrigou ao adiamento dos trabalhos. Há 12 anos, os signatários da convenção comprometeram-se a reduzir para metade a perda de habitats naturais e a garantir que pelo menos 17% do território mundial está abrangido por reservas naturais. |
Apesar de esta cimeira não ser focada nas questões climáticas, o clima e a biodiversidade estão intrinsecamente ligados — e os compromissos de um tratado contribuem necessariamente para os objetivos do outro. |
O que esperar, então, da COP15? Um dos grandes objetivos em discussão tem sido apelidado, em inglês, de “30 by 30” e traduz-se, na prática, na cobertura de 30% do planeta com reservas naturais até 2030. Além disso, a cimeira servirá também para a negociação de acordos relacionados com o financiamento da proteção da biodiversidade, a limitação das espécies invasivas e ainda a solidariedade global dos países mais ricos em relação aos mais pobres (especialmente àqueles que, sendo mais pobres, têm algumas das maiores reservas naturais do mundo). |
No entanto, a diplomacia da COP15 também poderá ser complexa, à semelhança do que tem ocorrido nas COPs do clima, e os cerca de 10 mil delegados presentes terão vários condicionamentos políticos na negociação. |
Há uma grande exigência por parte dos países mais pobres para que as maiores economias do planeta contribuam para o financiamento da proteção da biodiversidade. Sem os Estados Unidos presentes (uma vez que não ratificaram este tratado), as tensões negociais deverão sentir-se sobretudo em países como o Brasil ou a Argentina, grandes produtores agrícolas com maior resistência a políticas que coloquem a biodiversidade como prioridade, e na Europa, de onde vêm os principais apelos ao aumento da ambição. |
Curiosamente, apesar de a cimeira de realizar fisicamente em Montreal, o Canadá não é o país anfitrião — é a China. |
Pequim assume este ano a presidência rotativa da COP e, após vários adiamentos provocados pela pandemia, foi justamente a política de “Covid zero” (que tem estado na origem de grandes manifestações que obrigaram o país a recuar em algumas medidas) que determinou a mudança geográfica do evento. Como conta o Politico Europe, devido às apertadas restrições anti-Covid, os delegados chineses não puderam viajar pelos vários países signatários da convenção nos meses antes da cimeira para dar início às pré-negociações. |
E, apesar de ser a China a ocupar a presidência da cimeira, o Presidente chinês, Xi Jinping, não deverá estar presente — ao contrário do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, que fez o discurso de abertura da cimeira. |
A COP15 prolonga-se até ao dia 19 de dezembro, altura em que é esperado um novo acordo mundial sobre a biodiversidade. A comitiva portuguesa é liderada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), com vários especialistas e académicos presentes na cimeira, enquanto o secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas, João Paulo Catarino, representará Portugal no segmento de alto nível da cimeira. A associação ambientalista Zero também anunciou que estará presente na reunião. |