No Portugal moderno sempre tivemos duas dimensões geográficas. Uma delas, natural, é a europeia. Este é o nosso continente, e estes são os nossos vizinhos mais próximos. A juntar a isso, entrámos num projeto Europeu em 1986 que tem sido de grande ajuda para o desenvolvimento do país e da afirmação de Portugal numa Europa cada vez mais interligada. Ao mesmo tempo há uma dimensão Atlântica, em particular com o Atlântico Norte e com os Estados Unidos da América. Seja por questões culturais com gerações de portugueses a apreciar entretenimento e desporto americano, mas também por questões geoestratégicas, onde a importância de Portugal na Organização do Tratado do Atlântico Norte está ligada à utilização da Base das Lajes pelo gigante militar americano.
No entanto, existem outros pontos de ligação aos Estados Unidos, sendo um deles a ajuda deste país, particularmente através de Frank Carlucci no período do “Verão Quente de 75”. E, igualmente nas duas direções, há a relação com todos aqueles que saíram de Portugal à procura de uma vida melhor, seja em Düsseldorf, Paris, Londres, Newark ou Hartford.
À medida que nos aproximamos de duas eleições cruciais para os consequentes quatro anos da União Europeia e dos Estados Unidos, com as eleições Europeias em junho e as Presidências em novembro de 2024, é importante saber quais são as crenças e expectativas para com os dois blocos pelos Portugueses. Recentemente a organização German Marshall Fund, um grupo apartidário, sem fins lucrativos, e que trabalha na promoção do desenvolvimento de laços fortes entre os Estados Unidos e a Europa, publicou o relatório Transatlantic Trends 2023 que apresenta esse tipo de dados. Um estudo subcontratado à empresa Kantar Public (ajudados em Portugal pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento), com uma amostra significativa de 1500 respondentes, e realizada entre 15 a 27 de junho, produziu resultados que convidam a uma reflexão.
Quando se trata da União Europeia (EU), 85% dos portugueses inquiridos dizem ter uma opinião positiva de qual a influência da União em “assuntos globais”, num acumulado entre 17% que acha que é “muito positiva” e 68% geralmente positiva. Dos 30 países incluídos no estudo, o nosso é aquele que têm a percentagem mais elevada daqueles que têm opinião positiva, seguido da Lituânia com 79%. Relativamente aos Estados Unidos (USA), 70% dos mesmos inquiridos dizem sentir o mesmo, que têm uma opinião positiva sobre a influência dos USA em assuntos globais, com 11% de uma forma muito positiva e 59% geralmente positiva. Relativamente a projetar para os próximos cinco anos qual será o ator na ordem mundial mais influente, 21% dos portugueses inquiridos acha que será a EU (menos 3% do que o ano passado), 40% acredita que será os USA (igualmente menos 3% relativamente a 2022). De notar que a China aparece entre os dois, com 28% de repostas, um aumento de 7% no inquérito em relação ao ano transato.
Os leitores destas crónicas já descortinaram a forte posição europeísta e transatlântica do seu autor. E também a preocupação que advém de estar a ver, em ambos os lados do Atlântico, o futuro político e de governação seriamente ameaçado por forças iliberais, regressivas e autoritárias. As perspetivas para o resultado das eleições Europeias faz temer um crescimento notável dos partidos de extrema-direita que se encontram no Grupo da Identidade e Democracia – ID (não se deixem enganar pelo nome), onde temos extremistas como o Reagrupamento Nacional (França), a Alternativa para Alemanha, o Partido da Liberdade da Áustria, ou o Interesse Flamengo (Vlaams Belang) da Flandres (Bélgica), e onde o Chega será, seguramente, recebido de “braços abertos”. E o mesmo acontecerá com o Grupo dos Conservadores e Reformistas, com o VOX (Espanha), os Irmãos de Itália, o Partido da Lei e Ordem (Polónia), entre outros. Também aqui Ventura pode encontrar uma “casa” para o receber. Seja qual for a margem de crescimento, principalmente para o ID, o resultado será óbvio: a destruição progressiva do projeto Europeu como uma união de democracias liberais, internacionalistas, inclusivas e tolerantes.
Já nos USA, o facto de o presumível candidato pelos Republicanos estar, na maior parte das sondagens, empatado num possível embate com o Presidente Biden é difícil de aceitar, mas fácil de compreender. O eleitorado base dos conservadores, o que pode ser classificado como um novo conservadorismo radical, não acredita em democracia, ou liberalismo, ou na posição dos Estados Unidos no mundo. Pró-autoritarismo, pró-Putin, pró-isolacionismo, estes americanos querem destruir o sistema liberal só pelo prazer de ver as instituições e órgãos de soberania queimados até às fundações. Para ter um vislumbre desse futuro, basta ver o que os Republicanos na Casa dos Representantes pensam e fazem. Trump pode, possivelmente, ganhar as eleições, apesar de estar indiciado por 91 crimes, fomentar ódio pelo “outro”, violência política para seu aproveitamento, e caos para gerar dissensão. Para muitos que querem e vão votar nele, talvez por causa disso.
O que significa isto então para aqueles, como o autor destas linhas, que quer uma União Europeia e uns Estados Unidos, democráticos, pluralistas, integrados, protetores de uma ordem mundial liberal? Trabalhar. Individualmente. Em grupos. Na Europa. Digitalmente através do Atlântico. Escrever, agir, debater, estrategiar, ligar, suportar. No grande evento político em Lódz, Polónia, onde tive a privilégio de ser convidado para dar uma pequena contribuição, na cerimónia de abertura, com centenas de pessoas na audiência, reparei na idade média das pessoas que se encontravam na sala de congressos do complexo EC1. A média de idade era elevada. Diria que estaria perto dos sessenta anos. Porquê? Porque estas pessoas sabem o que é perder direitos, liberdades, expectativas. E não querem ver a Polónia a continuar esse caminho. Sentado numa das últimas filas também eu senti esse receio. De isso acontecer na União Europeia e nos Estados Unidos. E, como tal, para os portugueses que acreditam nesses dois projetos, mãos à obra para o evitar.
