Por coincidência, a recente notícia sobre os bebés nascidos em 2019 em Portugal cruzou-se com um artigo do «Financial Times» sobre a bomba demográfica europeia. Comparando as duas abordagens do envelhecimento populacional, fica à vista uma diferença profunda de atitudes entre os especialistas portugueses e os europeus: enquanto os primeiros confirmam o carácter ideológico da abordagem predominante entre nós, segundo a qual «as mulheres desejam ter mais filhos mas não podem», os segundos abordam a questão com o necessário realismo perante o fenómeno e as suas consequências lógicas.

Os organismos europeus que seguem a evolução demográfica intervêm pois, conforme as situações nacionais, onde é objectivamente possível e desejável fazê-lo e não permanecem, como em Portugal, na expectativa do renascer da fecundidade a partir de um microscópico aumento de 0,6% dos nascimentos observado em 2019 e que se deve provavelmente a um ligeiro aumento de determinados fluxos imigratórios.

No melhor dos casos, em Portugal aponta-se com razão, mas sem eco, para a necessidade urgente de um investimento público maciço nas poucas, senão únicas, reformas susceptíveis de aumentar o número de nascimentos em Portugal ou, pelo menos, não o deixar diminuir, a saber: a criação de uma rede nacional gratuita de creches até aos 3 anos de idade e de jardins infantis dos 3 aos 5 anos. Os efeitos colaterais de uma medida como esta seriam benéficos para todos, excepto o sector dito não-lucrativo, pois a socialização e a pré-escolarização são magníficas para as crianças e permitem às mães continuar a trabalhar. Esta é a medida mais equitativa em que consigo pensar para Portugal!

Com efeito, devido ao enquadramento sócio-cultural predominante entre nós e nos outros países católicos e ortodoxos, em Portugal, o índice de fecundidade de 2.1 por mulher fértil, que assegura a reprodução populacional, começou a cair rapidamente desde o início dos anos ‘80 do século passado, atingiu o mínimo de 1.2 durante a recente crise e mantem-se agora em 1.4. Entretanto, o país está há vários anos a perder população apesar de alguma imigração. Neste momento, porém, o próprio índice de fecundidade mundial já está abaixo do mínimo necessário para a reprodução global!

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Com efeito, todos os indicadores sócio-familiares acerca dos nascimentos ocorridos em Portugal no ano passado vão no sentido contrário às expectativas de aumento da fecundidade, começando pelo disparar dos nascimentos fora do casamento, que são actualmente 56% quando eram ainda 22% no início do século XXI. Este factor esteve sempre associado negativamente por motivos conhecidos à fecundidade dos casais. O perfil da actual população feminina em idade fértil é também adverso à expectativa de aumento da fecundidade, a começar pelo atraso crescente da faixa etária predominante das actuais mães para os 30-40 anos, com o que isso significa em termos de perda de fertilidade natural das mães e dos próprios pais.

Por outro lado, dez por cento dos bebés nascidos em 2019 são filhos de mães estrangeiras, cuja população total em Portugal é apenas 5%, portanto elas possuem um índice duplo de fecundidade que depende de inúmeros factores e tende a diminuir com a integração no país de recepção; a isso acresce a diminuição dos casamentos e o aumento dos divórcios; e finalmente, o aumento manifesto da instrução das mulheres bem como as exigências crescentes dos seus futuros empregos e profissões, etc.. Medidas artificiais como o estabelecimento de quotas para as mulheres podem aumentar o emprego mas não favorecem a fecundidade; antes pelo contrário. Está, pois, tudo armado contra um aumento significativo da fecundidade nas décadas mais próximas, conforme o estudo demográfico definitivo coordenado pelo falecido Mário Leston Bandeira.

São assim as mulheres jovens dos 20 aos 40 anos aquelas que mais resistem e resistirão à equidade de género (e de idade) perante a sua realização como mães e como pessoas em geral, o que tende a reduzir a sua disponibilidade para a maternidade. A profunda iniquidade de género perante a condição de mãe, e não só as diferenças salariais entre homens e mulheres ou a violência doméstica, foi explicada há 20 anos pelo demógrafo Peter Mcdonald, ao mostrar a desigualdade de atitudes e comportamentos intra- e extra-familiares, isto é, na família e no espaço público, como a causa de acentuadas diferenças do índice de fecundidade entre mulheres de diferentes culturas.

A mesma noção de equidade de género é retomada hoje por um dos especialistas internacionais citados pelo FT: «As mulheres do Sul da Europa gozam de igualdade em termos de educação e emprego mas dentro da família persistem os papéis tradicionais de cada género, sendo atribuídas à mulher a maior parte das responsabilidades domésticas». É o mínimo que se pode dizer. Entretanto, o relógio da bomba demográfica continua a bater e os encarregados do assunto, nada!