Passado o período da Páscoa, é altura para um balanço das novidades que o governo de António Costa introduziu este ano em termos de tradições pascais. A primeira novidade foi a substituição do já estafado jogo da Caça aos Ovos pelo jogo da Caça aos Combustíveis: consiste em percorrer o país à procura do posto de abastecimento que ainda tem gasóleo suficiente para, na melhor das hipóteses, conseguir voltar ao sítio de onde se partiu. Diversão bastante superior à original, porque envolve os pais numa brincadeira que tradicionalmente é só para os miúdos. Miúdos que desta forma, em vez de andarem desenfreadamente de um lado para o outro correndo o risco de caírem, magoarem-se e ainda apanharem por cima, vão também no automóvel a indagar, com a relaxante cadência de um pisca, “Já chegámos?”
A outra novidade levada a cabo por este governo foi a substituição do ancião Coelhinho da Páscoa pelo novel Camelinho da Páscoa. Se o obsoleto coelho era o símbolo da fertilidade e da esperança na vida, o moderno camelo é o símbolo da autonomia que permite percorrer grandes distância sem reabastecer e da capacidade de circular com o depósito na reserva. Talvez ligeiramente menos poético, o camelo, mas sem dúvida mais útil para dias de greve dos motoristas de matérias perigosas. Além de ter as duas bossas, que são muito engraçadas na medida em que parecem uma espécie de acrescento feito à pressa no bicho. Aliás, se a geringonça fosse um animal seria um camelo. O grosso do quadrúpede era o PS, e o PCP e o Bloco de Esquerda eram as bossas, coladas ao lombo socialista meio às três pancadas.
Entretanto, amanhã comemora-se o 25 de Abril. Tempo para celebrar mais uma grande conquista da democracia portuguesa: a proposta para legalizar os convites para viagens feitos por entidades privadas a titulares de cargos públicos, elaborada pela Comissão Eventual para o Reforço da Transparência. A partir de agora é tudo à balda em termos de ofertas de empresas privadas aos políticos. Tanto é que depois da paralisação dos motoristas de matérias perigosas, os próximos a avançar para a greve vão ser os testas-de-ferro: não tarda deixa de haver trabalho para estes clássicos intermediários de negociatas obscuras. A ideia que dá é que esta nova lei é uma espécie de Simplex para a aldrabice. É um Trafulhex. Ou um Moscambilhex, vá.
Já para não falar do azar na escolha do nome para a dita Comissão: ”Comissão Eventual para o Reforço da Transparência” é mesmo a única ordem pela qual estas palavras não fazem sentido. A Comissão podia chamar-se “Eventual Comissão para o Reforço da Transparência”, ou “Comissão para o Eventual Reforço da Transparência”, ou mesmo “Comissão para o Reforço Eventual da Transparência” ou, no limite, “Comissão para o Reforço da Transparência Eventual”. O “Eventual” podia estar em qualquer sítio menos onde o puseram! Mas claro que os deputados não estão nada preocupados em saber onde está o “Eventual”. E muito menos lhes interessa que empresa privada lhe pagou a viagem, obviamente.
Mas atenção. Uma consulta mais atenta a esta proposta revela grande visão dos nossos parlamentares. Hoje em dia quando uma empresa paga a um político está a fazer lobby. À medida que o Estado toma conta de uma parte cada vez maior da economia o lobbying aumenta porque as empresas ficam mais dependentes do Estado para fazer negócios. Com as empresas mais dependentes do Estado para fazer negócios só as que têm capacidade financeira para fazer lobby sobrevivem. Resta pois um Estado gigante e meia dúzia de empresas que fazem lobby. Ao fim de algum tempo as relações entre o Estado e estas empresas são tão intrincadas que já só se vive de lobbying. Na prática, deixa de haver lobbying. É só tudo o Estado. Calhando está-se a legislar com este cenário em perspectiva.
Ao que parece, esta proposta de lei vai contar com a abstenção do PSD e com o voto favorável do PS e PCP. O que no caso do PCP é bastante compreensível. O partido tem mesmo de aceitar todas as viagens que lhe forem oferecidas. Caso os comunistas tivessem de pagar do próprio bolso cada vez que revisitam a União Soviética estalinista não conseguiam financiar o partido nem com uma Festa do Avante bi-diária. É que parecendo que não estas viagens dos comunistas ao reino da utopia acabam por sair bem caras. E ironicamente quem paga o preço mais alto é quem não embarca nelas.
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