A comunicação pode salvar vidas, sim, e também as pode destruir. Comunicar implica sempre um duplo poder: o de matar e o de salvar. Arruinar ou resgatar, através das palavras, está ao alcance de todos. Muitas vezes nem são precisas palavras para ofender ou desacreditar. Basta um olhar letal, um comentariozinho assassino, um silêncio julgador ou uma expressão condenatória para fazer vítimas. Acontece em todas as áreas e cruza todos os universos familiares, profissionais e sociais.
Comunicar não aniquila fisicamente, claro, mas mina a confiança e destrói a segurança. E isso também é matar. Fulminar alguém sem recorrer a armas de fogo é tão fácil como recorrente. Diria que todos já assistimos e muitos já sofreram na pele o tiro dessa bala invisível que atravessa sem deixar rasto nem vestígios. Fica apenas a marca, mais ou menos profunda, mais ou menos indelével, mas como não é uma cicatriz visível a olho nu, nem é detetável com raios X, não há maneira de incriminar os homicidas.
É impossível medir com exatidão o impacto da nossa comunicação nos outros, mas há sinais que podemos ler se estivermos atentos. E há factos incontornáveis que provam o poder da comunicação sempre que ela é pérfida e matadora ou, pelo contrário, salvífica e redentora.
Tomemos, como cúmulo da perversão em matéria de comunicação, os pais que usam os seus filhos como armas de arremesso após as separações. Homens e mulheres que usam as palavras para, sistematicamente, difamarem os “ex” em frente de crianças e jovens que são filhos de ambos e, apesar do divórcio, têm o direito de continuar a gostar da mãe e do pai sem tomar partido. Diria mais, precisamente por causa de um divórcio que eles, filhos, não decidiram nem desejaram, mereciam que cada um dos pais fizesse tudo, absolutamente tudo para os ajudar a curar a ferida.
Acontece com demasiada frequência exatamente o oposto e os tribunais de família transbordam de casos chocantes, alguns com contornos arrepiantes relativamente ao que dizem uns dos outros, ao uso e abuso de argumentos violentos. Os piores e, porventura, os que deixarão traumas para toda a vida, são aqueles em que os perseguidos foram injuriados, maltratados e expostos em praça pública, pois estes são alvo imediato de uma comunicação distorcida e injusta. Ainda mais grave e desumano, quando um dos pais oferece aos media o sacrifício dos seus próprios filhos. Quando chama jornalistas e fotógrafos, convoca cameramen e repórteres para a porta de casa do/a “ex” a tempo de estes poderem montar um circo mediático para cobrir “em direto” acontecimentos supostamente impossíveis de prever. Quem é capaz de agir desta forma com os seus próprios filhos, ou é um psicopata malvado, ou é um grande facínora moral e emocional.
A manipulação de certos media e determinados públicos é bestial porque glorifica as bestas e serve as audiências do momento, mas abafa as dores atrozes provocadas nas vítimas. Toda a comunicação que sucede o “furo” mediático sacia os que gostam de arenas e muito sangue, mas arrasa os que deviam estar mais protegidos. Nestes casos, os filhos. Os inocentes úteis que acabam por ser duplamente, triplamente, vítimas dessa comunicação crua e cruelmente devastadora que os rasga por dentro e deixa para sempre divididos.
Porque a comunicação importa e começa nas famílias, nos antípodas estão os pais que protegem os seus filhos, que os amam e cuidam, que os ensinam a amar e a respeitar igualmente mãe e pai, que não os manipulam com palavras enganadoras e argumentos falaciosos, que os deixam livres para fazerem os seus próprios juízos, que não os induzem em erro ao falar-lhes de “amor” quando praticam o ódio e agem por vingança. Tomando como exemplo estes pais, que aparentemente são muito mais que os outros, vale a pena perceber como a comunicação importa e salva vidas.
Tudo se joga na comunicação e na confiança. Soa a frase feita, bem sei, mas nem por isso deixa de ser certeira, eloquente e intemporal. Não podemos ignorar. A confiança cultiva-se através da comunicação e como não existe comunicação sem relação, está tudo ligado. É na relação interpessoal e na forma como comunicamos uns com os outros que podemos fazer a diferença.
A comunicação destrutiva, destrói; a comunicação construtiva, constrói. Sempre, seja no universo familiar ou profissional. Não há volta a dar. E se a equação é tão simples, porquê duvidar dos resultados? E para quê perpetuar padrões de comunicação agressiva nas famílias, nas empresas e nas organizações a que estamos ligados e às quais dedicamos a maior parte do nosso tempo? Porque é que em certos contextos socais e profissionais encontramos facilmente verdadeiros especialistas em mortificar os outros através de uma comunicação desajustada, negativa, castigadora, demolidora? E que mal fizemos nós, utentes de mil e um serviços públicos e privados, para sermos tantas vezes maltratados no atendimento presencial ou virtual?
A pandemia agravou a solidão e deixou-nos mais sensíveis a uma má comunicação. Estamos todos no fio. Exaustos e fartos de confinamentos. O distanciamento social e a privação de liberdade de movimentos está a conter o vírus, mas também a desocultar realidades dolorosas de depressão e burnout. O abandono em fim de vida tem sido uma constante em muitos hospitais. Pais e filhos não se podem abraçar quando uns ou outros estão no auge da vulnerabilidade e tudo isto nos diz que temos que estar ainda mais atentos à maneira como comunicamos uns com os outros. Ao que dizemos e ao que calamos, mas em particular como o dizemos ou calamos, porque a linguagem não verbal grita mais alto que as nossas palavras.
Precisamos de tratamentos, vacinas e medidas sanitárias eficazes, mas estamos a precisar de uma comunicação compassiva e resgatadora que também salva vidas.