Lê-se e ouve-se que Passos Coelho tem como desígnio ideológico aumentar a pobreza e abalar os alicerces do Estado Social. Que, no Governo, se conspira para elevar ao máximo o estrago social de cada medida política sobre os portugueses. Que aquilo que tantos ingénuos qualificam de erro ou incompetência é, na realidade, a mais maligna das mestrias: o objectivo não é andar para a frente, mas voltar para trás. Por isso, o arranque do ano escolar não correu mal – foi sabotado por Nuno Crato para fragilizar a escola pública e elitizar o ensino. Por isso, o caos na plataforma Citius não foi um acidente – foi planeado por Teixeira da Cruz para enfraquecer o sistema judicial. E, por isso, o caos nas urgências durante o pico da gripe não se deveu a condições anormais para a época – foi promovido por Paulo Macedo para fragilizar o serviço nacional de saúde e incentivar o recurso a privados.
Tudo isto é ridículo e soa à alienação característica das ideias conspirativas? Sim, é e soa. Mas, por mais que custe aceitar a nossa sorte, esta tese que converte erros de governação em actos deliberados de demolição do Estado não está limitada às mal frequentadas caixas de comentário no facebook. Está no debate parlamentar, está nos jornais, está nas televisões, é repetida sucessivamente por políticos e comentadores. No último debate do Estado da Nação, Jerónimo de Sousa assegurou: “há quem considere que este Governo é incompetente. Nós consideramos que não, não é uma questão de incompetência: é uma questão de opção. Foi sempre, desde a primeira hora, um objectivo central deste Governo aumentar a exploração e o empobrecimento dos portugueses”. Há tempos, na RTP, Raquel Varela argumentou: “este homem sem qualidades [Passos Coelho] conseguiu – não tem incompetência nenhuma, isso é completamente falso, isso é uma grande desculpa de uma oposição incompetente – fazer tudo o que se tinha proposto fazer; e nós passámos de dois milhões de pobres para três milhões”. E, há dez dias, no Expresso e mais subtil, Pedro Adão e Silva asseverou: “inscrever a desigualdade no tratamento dos cidadãos, seja na relação com o fisco, na protecção social, na educação ou na saúde, é o grande propósito deste Governo. Não nos iludamos, a incompetência e o desleixo com que os membros do Governo se relacionam com os serviços são particularmente eficazes na deslegitimação da acção do Estado.”
Nenhuma das acusações merece discussão. É sempre assim com teorias de conspiração. Dão voz aos medos e preconceitos do povo, são simples de explicar, populares e impossíveis de rebater – quem opta por acreditar no irrazoável não está disponível para aceitar a razão. Mas sendo inútil discuti-las, vale a pena destacar que estas acusações estão generalizadas no debate. Que não são excepção, são a regra. E que isso diz mais acerca do estado do país do que dezenas de estatísticas e relatórios internacionais.
Deixámos de distinguir um argumento sério de uma teoria da conspiração, já não estranhamos o que é estranho, tratamos de modo igual o que é diferente. Assim está o debate político – afastado do conteúdo das medidas, do impacto dos programas, das leis, do que é real, do que deve ser a busca pelo bem-comum. E assim está o debate público – formado por comentadores obedientes a narrativas partidárias e a radicalismos que valem likes e partilhas no facebook. Inevitavelmente, assim estamos nós. A economia pode crescer e o desemprego baixar, mas a única coisa que anima as hostes é que Passos Coelho quer aumentar a pobreza.