Ainda não foi desta que os segredos da Caixa Geral de Depósitos (CGD) se desvendaram totalmente, mas foi quebrada a conspiração do silêncio. Há bem mais de seis meses que o actual governo anunciou que a CGD não era para privatizar, como chegou a ser falado. Adicionando a CGD e os restos do antigo BES, estes poderiam ter sido saldados em conjunto, tentando limpar de vez a chamada banca portuguesa. Entretanto, nem o chamado «Novo Banco» se consegue vender nem a CGD sai dos títulos dos jornais, ao mesmo tempo que o Montepio se junta às instituições em perigo.

Enquanto a anunciada recapitalização da CGD continua por fazer, tendo o governo aproveitado para minimizar o défice orçamental do ano passado e amortizar um bocadinho da galopante dívida externa, veio finalmente ao de cima aquilo que já se suspeitava acerca da contratação de António Domingues e da sua equipa. Como era evidente, dados os laços entre o governo sustentado pela extrema-esquerda e o actual Presidente da República (PR), o qual anuncia diariamente a duvidosa mensagem de que o problema da banca está resolvido, todos eles estavam obviamente ao corrente do que se passava. Domingues e a sua equipa haviam exigido ser dispensados de declarar publicamente os seus rendimentos e, quando o governo se revelou incapaz de cumprir a promessa, a nova administração, já empossada, demitiu-se.

O governo e o PR, para não perderem a face, juraram a pés juntos que jamais tal coisa fôra prometida até que Domingues fez saber, por intermédio do advogado Lobo Xavier, conselheiro de Estado e «residente» da «Quadratura do Círculo», que possuía os SMS onde a promessa lhe era feita preto no branco. Entretanto, o Governo, com o apoio dos seus aliados da extrema-esquerda e a cobertura do presidente da Assembleia da República, fecharam para todos os efeitos práticos a comissão de inquérito sobre a CGD que o PSD e o CDS tentavam levar por diante.

Para além dos segredos que já se adivinhavam, tanto sobre os milhares de milhões de euros em «calotes» consentidos pelas sucessivas administrações da Caixa aos especuladores no tempo de Sócrates, como sobre o atraso da redução de sucursais e de funcionários perante uma concorrência cada vez mais cerrada, conforme escrevi há quinze dias, desvendava-se agora o segredo da participação activa do ministro Centeno, com óbvio conhecimento do primeiro-ministro e do próprio PR, na tentativa de evitar a demissão da tal nova administração que iria fazer o milagre de salvar a CGD. Afinal, devido ao Governo e aos seus aliados, todo este cortejo de mentiras e falsas promessas não fez senão aprofundar a crise de confiança que reina no sector da banca!

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Não admira, pois, que praticamente todos os responsáveis pela tragi-comédia da CGD começassem a meter os pés pelas mãos. O mais caricato deles foi o porta-voz do governo, João Galamba, outrora apresentado pelo deputado europeu Francisco Assis como «um “bloquista” infiltrado no PS», ao atirar-se a Centeno e ao PR para salvaguardar a reputação do PM, mas dando rapidamente o dito por não dito quando o PS lhe puxou as orelhas: aqui e aqui. Curiosamente, todos repetem, na linha do PR, que não há crise e ninguém pagará pelo que fez…

Duas coisas espantam. Uma é o esquecimento total, por parte do PS e da extrema-esquerda, agora secundados pelo PR, da vociferação contra toda e qualquer medida tomada pelo governo anterior (PSD+CDS) no seguimento, aliás, do compromisso assumido em 2011 por Sócrates e o seu governo com a «troika» a fim de evitar a bancarrota iminente do país. Agora, o PS e os seus aliados desresponsabilizam-se de tudo quanto fizeram durante seis anos seguidos. Mas isto cabe dentro da habitual demagogia do PS, que hoje se gaba de um possível crescimento de 1,4% em 2016 quando o governo de Passos Coelho já tinha feito o país crescer 1,5% em 2015 logo após a saída da «troika»!

O que é deveras preocupante é o comportamento do BE e do PCP perante a crise da CGD. Em quaisquer outras condições, a extrema-esquerda teria sido contra a promessa feita à administração Domingues assim como seria contra a reestruturação que o governo PS anuncia para a CGD com o dinheiro dos contribuintes. Mas não! Hoje mais do que nunca se percebe que, se o PS está prisioneiro da sua aliança com os dois partidos da extrema-esquerda, também estes estão prisioneiros daquilo que o PS for obrigado a fazer para adiar o ajuste de contas com a União Europeia e, em especial, com a Zona Euro!

Se é certo que tanto o BE como o PCP têm como objectivo sair do euro, isso faz parte do mesmo projecto: não sair do poder, seja qual fôr o motivo! É bom não esquecer – e o caso da Caixa exemplifica-o melhor do que qualquer outro – que partidos de tradição leninista como são ambos, um sénior outro júnior, são daqueles que não saem do poder às boas. Será necessário afastá-los e, na presente conjuntura, só a aliança do «bloco central» o poderia garantir. Ora, dada a crescente acrimónia entre «esquerda» e «direita», tal não parece estar nas cartas do PS. A desordem internacional já cá chegou e não creio que seja o actual PR a esconjurará.