Javier Milei venceu na Argentina com 55% dos votos. Geert Wilders e o seu Partido pela Liberdade foram os mais votados nos Países Baixos com 23% nas legislativas. Donald Trump lidera as sondagens das primárias Republicanas, sempre com mais de 50%, e aparece com uma vantagem de alguns pontos em Estados decisivos face a Joe Biden nas preferências dos norte-americanos para as presidenciais de novembro de 2024. Nas Filipinas, Bonbong Marcos, filho do anterior presidente Ferdinand Marcos, venceu as presidenciais em 2022, sucedendo a outro populista de direita, Rodrigo Duterte. Em Portugal, a confirmarem-se as intenções expressas nas sondagens, o Chega será o terceiro partido mais votado nas legislativas de março de 2024. Será que estamos a assistir a uma vaga global da Direita populista? E com que consequências? É um tema a que já me referi, mas a que vale a pena voltar.

Uma Direita populista?

Chega… de falarmos de populismo? Populista é o nome que se dá a um líder popular de que não gostamos? Sim, o termo populismo pode ser reduzido a um mero insulto político. Mas também pode ser um conceito útil. Serve, com propriedade, para designar um movimento centrado no ataque a toda uma elite supostamente corrupta, com um líder carismático que reclama ter uma relação direta com o verdadeiro povo de quem seria a única voz autorizada. É claro que movimentos deste tipo não existem apenas à Direita. Há uma Esquerda populista, por exemplo, o Chavismo na Venezuela. E pode haver traços populistas em qualquer movimento político que procura conquistar o poder a partir da oposição. O que distingue o populismo é a centralidade desta retórica anti-elites. É o reclamar do monopólio da representação do verdadeiro povo. É a rejeição iliberal de limitações legais e institucionais ao poder conquistado pela vontade popular.

O populismo de Direita distingue-se por uma forte dimensão identitária, etnocêntrica ou mesmo racista. O povo verdadeiro é associado a uma etnia concebida em termos de um tradicionalismo que ignora que a história é tradição, mas também é evolução, muita mistura e apropriação cultural. Os ataques às elites passam por apelidá-la de globalista e atribuir-lhe delirantes teorias da conspiração, como a da chamada “grande substituição”, que alega haver um objetivo deliberado de substituir a população local por novas maiorias imigrantes. Claro, há variantes e diferenças em todos estes movimentos populistas. O facto de o populismo ser um movimento também hostil às elites intelectuais e assente no culto da personalidade dá muita margem para variações. Sim entre Milei e Marcos, entre Trump e Wilders há diferenças importantes, mas também convergência relevantes. Mas também há variações importantes no tempo e no espaço no campo da social-democracia, do liberalismo ou da democracia cristã.

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Uma vaga trumpista?

A passagem do tempo tem mostrado que, como defendi no passado, a eleição de Trump nos EUA foi um momento de viragem com impacto global, ajudando a uma maior normalização e difusão do populismo iliberal de Direita. Os EUA não são um país qualquer. São a mais poderosa das democracias liberais e uma das mais antigas. O que lá se passa tem influência no resto do Mundo, mesmo que na vida política de qualquer país os fatores internos sejam sempre fundamentais. É natural que noutras democracias liberais se diga: se os EUA podem eleger Trump, porque não podemos nós eleger Wilders, Milei, Bolsonaro ou Ventura?

Parece-me, portanto, fazer sentido falar de uma vaga populista reforçada pelo trumpismo, embora evidentemente não se deva apenas a Trump, que nem é o primeiro exemplo desta tendência. Deve-se, sobretudo, ao acumular de crises que minaram a credibilidade de elites políticas tradicionais. Foi assim precocemente na Itália com Berlusconi ou na Turquia com Erdogan. Foi assim em cada vez mais países depois de choques sucessivos. Tivemos as crises financeiras a partir de 2008. Tivemos a crise sanitária e económica resultante da pandemia, prolongada pela crise provocada pela invasão russa da Ucrânia. Todos estes choques reforçaram a perceção de uma crise do Estado Providência e das economias desenvolvidas, associadas à híper-globalização desregulada e uma avaria na mobilidade social. Em vários países, seja na América do Norte ou na Europa, há também a perceção de alguns – certa ou errada – de que se vive uma crise migratória e de integração.

Afirmar que esta vaga existe, ou seja, que há uma tendência para o surgimento e fortalecimento de movimentos populistas identitários de Direita, não quer dizer que seja a única tendência relevante na política interna e externa de todos os Estados. Também não quer dizer que tenha vitória garantida. O próprio Donald Trump perdeu as eleições de 2020, apesar de afirmar o contrário. Mas ignorar a importância e resiliência desta tendência seria enterrar a cabeça na areia.

Algumas consequências dos Açores ao Mundo

Reforçaram a tendência mais ampla para uma parcial desglobalização, com o reforço do nacionalismo económico e de restrições às migrações. Contribuíram para uma tendência para uma maior fragmentação da vida política e uma certa demonização dos compromissos e negociações indispensáveis ao bom funcionamento de uma democracia pluralista, ou de uma organização de 27 Estados como a União Europeia (EU). Veja-se as dificuldades de manter a coligação de Direitas nos Açores. Veja-se os bloqueios criados por Órban na UE. Veja-se a afirmação de Marine Le Pen, na sua visita recente a Lisboa, de que “somos contra a UE”. O que, aliás, parece ter gerado algum embaraço no seu anfitrião, André Ventura, que deverá temer o facto de que grande parte do verdadeiro povo português não parece partilhar dessa opinião, segundo as sondagens, pelo contrário, aprecia muito a nossa pertença à UE.

Dito isto, sendo o populismo pouco estruturado e muito centrado no culto do líder, se isso muitas vezes leva ao unilateralismo, também pode, ocasionalmente, permitir grande pragmatismo, sobretudo se forem forçados a uma coligação. Veja-se o caso de Giorgia Meloni na Itália. Aliás, na retórica populista, se o líder decide mudar de posição isso passa a ser automaticamente no interesse do povo.

Em suma, esta vaga populista contribui sobretudo para aumentar a imprevisibilidade da política global. E, paradoxalmente, para quem geralmente se diz grande defensor do Ocidente, mina a coesão do bloco Euro-Atlântico em torno da defesa de regimes pluralistas. O que se pode fazer? Apostar que o verdadeiro povo é sereno, ou pelo menos sensato. Apostar que os liberais, no sentido amplo e original do termo, aqueles que à esquerda e à direita dão primazia à defesa das liberdades e do pluralismo, não irão abandonar as suas convicções por conveniências. Numa conferência recente, na FLAD, em Lisboa, Walter Russell Mead mostrou alguma esperança de que Trump pudesse ser derrotado por uma versão mais liberal da direita norte-americana. E embora tenha reconhecido uma tendência preocupante para a afirmação do iliberalismo e de ditaduras que parecem muito fortes face a democracias que comparou a jangadas num mar revolto, também afirmou que estas últimas teriam a vantagem de serem mais resilientes. Poderá ser otimismo excessivo, mas é verdade que as ditaduras aparentam sempre grande força até caírem com estrondo, e que as democracias liberais têm válvulas de escape e uma adaptabilidade que os regimes de força não possuem. Resta saber se o pluralismo democrático conseguiria sobreviver num Mundo cada vez mais conflituoso se os EUA deixassem de estar comprometidos com a sua defesa. Hoje, a União Europeia não estaria à altura dessa tarefa, como vários conflitos recentes deixaram claro.