Sou dos que saúdam qualquer redução de impostos, pelo que não serei eu a criticar as medidas recentes para fixação de jovens e combate à emigração, mas importa relembrar o básico: medidas fiscais orientadas a grupos específicos, ainda que com objetivos bem-intencionados e direcionados, têm sempre o condão de criar incentivos perversos distintos daqueles que se visa atingir. Este efeito, conhecido nas políticas públicas como “consequências não desejadas” (em inglês, “unintended consequences”), explica os resultados inesperados e indesejados que ocorrem frequentemente após a implementação de uma política pública mal calibrada.
E por que razão isso acontece? As consequências não desejadas podem ter causas diversas, como falta de previsão, análise insuficiente dos possíveis impactos, ou complexas interações sociais e económicas não consideradas adequadamente. Em matéria fiscal, o que frequentemente ocorre é que este tipo de incentivos mal alinhados leva a efeitos de deslocamento que anulam em larga medida os ganhos gerados.
O problema da emigração jovem não se resolve com medidas direcionadas e diretas, de índole fiscal, até porque a medida, funcionando como um paliativo, se não for acompanhada de outras medidas mais estruturais e permanentes, terá o condão de os esmagar esgotada que esteja a juventude: só medidas consistentes de desagravamento fiscal de todas as classes médias, independentemente da idade, permitirão a verdadeira fixação de pessoas, a prazo, no nosso país. A pressão que os governos hoje têm, porém, para apresentar resultados rápidos e facilmente tangíveis pelos eleitorados tem esvaziado o que verdadeiramente seria necessário: a promoção de políticas públicas que, de forma consistente e estável permitam alterar o estado de coisas, em benefício da sociedade como um todo.
Vejamos o caso da habitação jovem: ela não se resolve desenhando políticas públicas que subsidiem a aquisição, mas criando condições para que surjam novas centralidades e aumente a oferta de casas até um número que limite as altas de preço, por excesso de procura face à oferta. A mera subsidiação da procura jovem, com desagravamentos fiscais, isenções na aquisição, e garantias públicas, vai desviar a oferta, pressionando altas de preços que acabarão por consumir os parcos ganhos gerados pelas políticas públicas.
Ora, numa altura em que a ausência de casas é um problema para jovens – e menos jovens –, como é possível que a prioridade colocada na ferrovia aponte para um TGV ou um aeroporto megalómano, em detrimento da requalificação de linhas suburbanas que permitiriam alargar de forma significativa as áreas metropolitanas para as tornar atrativas, e com qualidade de vida, para as classes médias? Por exemplo, reabilitar as linhas do Oeste, Sintra, e Azambuja, ou melhorar a celeridade, a qualidade e a integração das redes de comboios entre Braga, Guimarães, Porto e Aveiro, e entre Vigo e Porto, tornando-as céleres, circulares, e integradas nas redes do metro de Lisboa e Porto, faria mais pela habitação jovem – e menos jovem – que todos os incentivos juntos agora aprovados, com um custo que seria uma fração das famosas ligações de TGV cujo interesse não discuto mas que terão um impacto bastante menor na vida da maioria das pessoas. Enquanto tivermos áreas metropolitanas onde não é possível ter mobilidade de distâncias de 60 quilómetros, em menos de 45 minutos, não haverá espaço para habitação acessível, nem possibilidade de fixar classes médias em Portugal com um mínimo de qualidade de vida. Para que se perceba o impacto destes investimentos, a ligação da linha do Oeste a Lisboa, em vez de Sintra, permitirá que Torres Vedras passe a distar menos de 40 minutos do centro de Lisboa, e Loures fique a uns meros 15 minutos, tornando-as efetivas centralidades – que hoje não são.
Enquanto as políticas públicas continuarem a focar-se em soluções paliativas motivadas por tentativas de agradar a eleitorados, sem abordar as questões estruturais que afetam a mobilidade social e a qualidade de vida, a erosão das classes médias continuará. A verdadeira solução necessita de um ambiente de estabilidade e oportunidade para todos, através de infraestruturas robustas e políticas coerentes que promovam a igualdade de acesso a serviços essenciais como habitação, transporte, saúde e educação: reforço, para todos, e de forma permanente.