Em 2016, escrevi no Observador que, mais do que saber quem seria o líder a ter a difícil tarefa de substituir Paulo Portas, importava que o CDS discutisse ideias e políticas e reflectisse sobre a sua razão de ser no sistema político-partidário português (isto num contexto em que não existiam ainda Iniciativa Liberal nem Chega). Mais recentemente, no início deste ano (e já com Iniciativa Liberal e Chega representados na Assembleia da República e à frente do CDS em todas as sondagens), procurei explicar por que me parecia que os dilemas e dificuldades do CDS poderiam não ser passíveis de resolução por via interna, independentemente de quem controle o partido. Creio que os desenvolvimentos das últimas semanas têm vindo a confirmar (ou pelo menos a não refutar) esta hipótese. Acrescento agora um outro elemento à análise: nas actuais circunstâncias, o cenário de fusão do CDS com o PSD ganha cada vez maior plausibilidade como caminho a seguir no contexto da reconfiguração da direita em Portugal.
A experiência e os resultados das recentes eleições autárquicas sugerem que o CDS tem cada vez menos condições para se apresentar a votos isoladamente mas que pode ainda, pelo menos em algumas circunstâncias, contribuir com relevância para candidaturas lideradas pelo PSD, com benefícios para ambos os partidos. O exemplo de Lisboa foi a este propósito o mais evidente: sendo inegável que o mérito principal da vitória cabe a Carlos Moedas e aos estrategas da sua campanha, é também verdade que o CDS forneceu um amplo número de candidatos e que, considerando a escassa margem de vitória, a existência da coligação foi provavelmente importante. É certo que há também um legado menos favorável das autárquicas para o CDS: ao apresentar-se a votos em coligação com o PSD em muitos dos principais municípios do país, o partido contribuiu para o apagamento da sua própria marca junto dos eleitores. Mas esta realidade, ainda que negativa para o CDS, só reforça a plausibilidade de um cenário de fusão com o PSD.
Um outro factor a ter em conta é que o CDS sempre foi em larga medida aquilo que se tipificou designar como partido de quadros. Ao contrário da realidade mais catch-all do PSD, o CDS foi sempre mais marcado e definido pelos seus quadros do que pelas suas bases. Ora, com a exiguidade eleitoral do CDS e os desenvolvimentos das últimas semanas, há um conjunto relevante de quadros do partido que faria todo o sentido – a prazo – poderem ser integrados no PSD. Este não é o momento para elencar nomes – até para não ferir sensibilidades muito acesas – mas qualquer observador imparcial e atento conseguirá facilmente construir uma lista de quadros que teriam excelente enquadramento no PSD.
O cenário de uma possível fusão do CDS com o PSD é adicionalmente reforçado pelo facto de ambos integrarem – já há bastantes anos – o Partido Popular Europeu (PPE). Sendo certo que nada impede que haja dois (ou até mais) partidos do mesmo país que façam parte do mesmo grupo político europeu, a verdade é que esse é mais um factor de proximidade e semelhança a ter em conta. Proximidade que é reforçada pelo contraste com as filiações europeias dos dois novos partidos à direita com representação parlamentar em Portugal: a Iniciativa Liberal integra a Alliance of Liberals and Democrats for Europe Party (ALDE), enquanto o Chega optou por se juntar ao Identity and Democracy (ID).
De facto, parece cada vez mais claro que o surgimento de Iniciativa Liberal e Chega retirou espaço e razão de ser a um CDS que foi incapaz de se reinventar e reabilitar depois da saída de Paulo Portas. Uma eventual fusão evitaria um (cada vez mais provável) desastre eleitoral do CDS e possibilitaria ao PSD consolidar-se no centro-direita e reforçar a sua capacidade para enfrentar e limitar o crescimento da Iniciativa Liberal e do Chega.
A tudo isto acresce que as legítimas e naturais ambições presidenciais de Paulo Portas ficariam reforçadas com essa fusão. No actual contexto, a sobrevivência do CDS é um ónus para essa ambições uma vez que seria sempre um obstáculo difícil de superar conseguir que o PSD apoiasse o ex-líder de um partido muito minoritário à sua direita. Num cenário de fusão esse obstáculo fica francamente minimizado e, caso Pedro Passos Coelho opte por não avançar, é perfeitamente plausível que Paulo Portas se consiga posicionar como o candidato presidencial do espaço do centro-direita.
Apesar dos desenvolvimentos das últimas semanas, é ainda cedo para decretar a morte do CDS. O partido tem história e uma marca forte e pode ainda recuperar eleitoralmente. Mas, no actual contexto político português, não é claro que o CDS ainda tenha razão de existir enquanto partido autónomo. O CDS cumpriu inegavelmente uma importante função histórica na consolidação da democracia em Portugal e em vários momentos subsequentes, mas todos os partidos políticos precisam de uma razão clara para existirem de forma autónoma. Não sendo possível identificar essa razão, uma fusão com o PSD seria preferível a uma redução à insignificância.