“Nem pensar!” – terão respondido os socialistas espanhóis às reivindicações do Junts de um referendo à independência da Catalunha.

A frase é bonita mas de real tem pouco, a começar logo pela própria exigência do referendo: os últimos a quererem o referendo a uma possível independência da Catalunha são mesmo os dirigentes do Junts, partido que obteve menos 137.591 votos nestas eleições. Sim, o PSOE depende para governar de um partido em perda que obteve uns escassos 392.634 votos, 1.6 % do total, contra os 530.225, ou seja 2.21 %, conseguidos em 2019.

Parece-me óbvio que daqui a uns meses, quando Sanchez for investido como chefe de governo com o apoio do Junts, logo se dirá que o líder dos socialistas espanhóis é um negociador tão hábil que conseguiu convencer o Junts a protelar o seu projecto de referendo. E assim seguirão neste faz de conta conveniente para ambas as partes.

A evidência deste faz de conta leva-me a um ponto em cuja defesa creio estar sozinha: é tempo de acabar com o tabu em torno dos referendos independentistas em Espanha. Não porque eu defenda a secessão de Espanha mas precisamente pelo contrário: afinal é precisamente a sua não celebração ou sequer discussão versus constante reivindicação que permite aos nacionalistas manterem o seu ascendente, não obstante os votos que obtêm nas urnas.

Há décadas que, na ânsia de conseguir paz, as sociedades democráticas têm alienado valores e princípios. Da agenda trans ao revisionismo da História ou à imposição de novas censuras é assim que tem sido. Obviamente, após cada concessão descobre-se que outras reivindicações já estão na mesa e assim sucessivamente até que um dia o que antes era impensável se torna a realidade. Como radicais que são, os nacionalistas em Espanha contam com o desgaste e cansaço da sociedade para transformarem em factos consumados o que antes era tabu.

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Em resumo, em Espanha a direita que ganhou perdeu. A esquerda que perdeu não só ganhou como vai governar e sobretudo Sanchez vai aparecer como o grande negociador que apaziguou os nacionalistas.

É um faz de conta à vista de todos. Um faz de conta que se alimenta de uma série de dogmas que, com as devidas variantes, se pretende impor em Portugal.

O mais importante desses dogmas estabelece que a esquerda, no caso o PSOE, pode negociar com terroristas condenados por crimes de sangue (Bildu) ou foragidos à justiça como é o líder do Junts, não pode contudo negociar com o PP. Durante o debate com Sanchez, o líder do PP propôs-lhes assinarem um acordo: o que ganhasse, se ganhasse sem maioria absoluta, permitiria ao outro formar governo sem ter de fazer pactos. Sanchez não aceitou pela mesma razão que António Costa fez de conta que negociava com Passos Coelho enquanto montava a geringonça: o centro tornou-se tabu. E depois do centro se ter tornado tabu é a possibilidade de um governo de direita que ela mesma passa a interdita. Como se faz isso? Diabolizando os acordos à direita. Sim, ao mesmo tempo que se normalizavam o fim do centro e as mais controversas alianças à esquerda, instituía-se que o partido charneira da direita não podia fazer alianças no seu bloco. As eleições tornaram-se assim numa espécie de jogo com regras diferentes consoante as equipas: a esquerda pode fazer alianças no seu campo, a direita não.

Não vale a pena discutir se o PP em Espanha governariam melhor sem ter de fazer acordos com o VOX ou o PSD em Portugal com o Chega porque pura e simplesmente não governam. Podem ser estimáveis grupos de reflexão mas governos não formarão certamente.