Varoufakis deu uma entrevista ao italiano Il Corriere dela Sera em que admitiu um referendo à continuidade da Grécia no euro caso a União Europeia não aceite o programa grego. Isso é o que afirma o jornal italiano. O governo grego nega que o ministro grego tenha dito tal coisa. Em que ficamos?

A possível saída da Grécia do euro, mais correctamente da zona euro, mais correctamente ainda da União Económica e Monetária, é uma possibilidade mal conhecida de que toda a gente fala.

Não há qualquer provisão no Tratado da UE sobre a saída voluntária de um país do euro. Nem há nenhuma para a expulsão de um país do euro. Mais: o artigo 140º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, no parágrafo 3, refere explicitamente a fixação irrevogável da “taxa à qual o euro substitui a moeda do Estado-Membro em causa”; isto é, o euro substitui irrevogavelmente as moedas nacionais dos países da moeda única. Irrevogável é um adjectivo forte e que, em princípio, significa que não se pode voltar atrás (há excepções, claro).

Quer isso então dizer que a Grécia não pode sair do euro, mesmo que tudo corra mal? Se governo e maioria, se o próprio partido maioritário, o Syriza, se vierem a dilacerar face às exigências dos parceiros europeus, a Grécia não pode recuperar a sua autonomia financeira e monetária? Levar por diante um referendo interno? A ter dito o que diz que não disse, Varoufakis teria (ou terá) afirmado uma impossibilidade (legal e política) ou não?

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E se, por outro lado, os parceiros europeus se fartarem da inconsistência grega – da falta de cumprimento das suas obrigações ou meramente do acordado? Se a Alemanha, se cansar de fazer figura de má e resolver ser mesmo má e disser “nein”? Se os 18 do eurogrupo (excluindo-se neste caso a Grécia) quiseram expulsar os gregos, podem legal e politicamente fazê-lo ou não? Em resumo, a Grécia pode ser expulsa ou decidir por si própria o regresso a uma moeda própria? Greece exit é um grexit mas um grexit é um nim.

Face à lei europeia e às obrigações – que são de múltipla natureza – para com os parceiros europeus, a Grécia não pode decidir abandonar a moeda única. Como impossível é a Grécia ser forçada a sair (convidada é outra coisa). Talvez a União pudesse invocar o artigo 4º do Tratado da União (“Os Estados-membros (…) abstêm-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União”), mas a previsão não vem acompanhada de competência para retirar a qualidade de membro da zona euro  a qualquer país. Uma eventual expulsão estaria além disso sujeita a contestação no Tribunal de Justiça da União Europeia por praticamente toda a gente: outros Estados (que não concordassem com a decisão), Parlamento Europeu, Conselho ou Comissão, e até pessoas colectivas ou privadas – empresas ou particulares -, gregas ou não, que comprovassem dizer-lhes a decisão directa e individualmente respeito. Duas consequências: reversão da decisão de expulsão e os concomitantes e presumivelmente exorbitantes ressarcimentos indemnizatórios.

Mas pode, numa espécie de terceira via, a Grécia pedir  – ou ser forçada a pedir – a saída? Poder pode, claro, é fácil de imaginar uma multitude de formas de pressão, para não dizer chantagem (deixo à imaginação dos leitores decidir quais e por quem). Mas para além do carácter irrevogável da moeda única e da participação nela de cada país que formalmente integre a eurozona, não há previsões no Tratado sobre os mecanismos de saída. Ainda que a Grécia peça e os restantes membros da União estejam de acordo, ainda assim o Tratado não o permite: dir-me-ão ser irrelevante e que a vontade política (hipoteticamente unânime) prevalecerá. Seja, mas ainda assim – sob risco do direito europeu se tornar uma graça de mau gosto – o pedido (de saída) tem de ser negado pelas instituições europeias e estará sujeito ao escrutínio judicial do Tribunal.

E se a Grécia, sem ligar ao direito europeu, contra a vontade da União e dos seus membros e instituições, decidir sair? Se fizer um referendo, se começar a produzir novos dracmas, se estabelecer taxas de câmbio favoráveis à sua economia, se arquivar o euro no caixote de lixo da sua história recente, então o quê? As consequências são mais ou menos previsíveis: catástrofe económica (saída entre o descontrole e a catástrofe), sanções europeias (no domínio dos fundos, por exemplo, já que nenhum país pode ser expulso da União), contestação jurisdicional (no Tribunal) que levará quase inevitavelmente a sanções pecuniárias severas.

Mas e se a saída for do interesse de todos, se contar com o beneplácito dos restantes governos europeus e até (o que seria bizarro) das instituições europeias? Imaginemos que o país abandona a eurolândia com a aprovação, ou até a bênção, dos restantes países europeus, que ainda por cima apoiam uma ajuda pós-euro, numa espécie de programa de resgate para a saída controlada da eurozona? É possível, mas maior é o risco; a Grécia terá incumprido uma obrigação, e se nenhum Estado-membro recorrer ao Tribunal de Justiça europeu, já as instituições, e nomeadamente a Comissão, guardiã dos Tratados, são obrigadas a fazê-lo: e sendo o país condenado, como não deixará de ser, e decidir não cumprir o determinado – regresso à zona euro -, sujeita-se a uma sanção pecuniária de dimensão inimaginável.

Quer isso então dizer que os 19 países membros que fazem parte da zona euro estão presos a ela? Claro que não. Têm como solução a saída da União, única opção viável, legítima e legal, prevista no artigo 50º. Excepto, claro, se os 28 países da União decidirem – e conseguirem, o que com as regras actuais é extremamente difícil – alterar o Tratado da União Europeia.

Em resumo, se a lógica não é uma batata e o direito europeu um jogo de crianças, a Grécia e os seus parceiros europeus estão condenados a entender-se. Mas isso sou eu a dizer, claro.

* Professor da Universidade Católica, Instituto de Estudos Políticos