Menos de um mês depois de ter denunciado a infame conspiração dos senhorios que aumentam as rendas e dos proprietários das casas devolutas, o Governo enfrenta agora a terrível conspiração dos merceeiros. A 9 de Março de 2023, o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, e o dirigente da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, deram conta ao país da descoberta da conspiração dos merceeiros: “Foram inspecionados 960 operadores económicos […] e instauramos 51 processos-crime por especulação” — explicaram. Não fosse alguém começar a fazer contas de cabeça e concluir que 51 processos-crime por especulação em 960 operadores económicos é uma proporção que não justifica o insólito daquela comunicação ao país, vem de lá aquele facto que só o Ultimatum inglês ultrapassou em afronta à quietude da Nação, para o efeito da indignação devidamente maiúsculada: foram detectadas margens de lucro superiores a 50% na cebola!

Que dizer, senhores?! Margens de lucro superiores a 50% na cebola? (Já agora será em todas as variedades de cebola? E em quantos supermercados?) Como se pode viver num país em que dez ou vinte supermercados têm uma margem de lucro superior a 50% na cebola? Nem que fosse uma só mercearia! Uma margem de lucro superior a 50% na cebola é como a Pátria: não se discute. E assim a 9 de Março de 2023 começou a Guerra da Cebola.

A Guerra da Cebola, como qualquer cebolada, que se preze inclui outros produtos: óleo, dourada, conservas de atum, açúcar, azeite, couve coração (porquê senhores couve coração e não repolho?), ovos, laranjas, cenouras e febras de porco. Em todos estes produtos foi detectada a pressão dos especuladores. (No caso dos ovos e da carne de porco a pressão deve vir mais da decisão de alguns países de abaterem galinhas e porcos aos milhares para dessa forma serem contidas  a gripe aviária e a peste suína africana.) Contudo foram as margens superiores a 50% nas cebolas que nos fizeram perceber a dimensão da terrível conspiração dos merceeiros. Note-se que o senhor ministro e o senhor inspector-geral não têm a certeza que os preços cobrados sejam injustificados mas por via das dúvidas 38 brigadas da ASAE vão pelo país fora verificar o que está a acontecer e, com galhardia, garantiu o senhor ministro da Economia: “Vamos ser inflexíveis para com todas as situações anómalas que possam ocorrer”.

Oh senhor ministro da Economia, e ao que parece também do Mar, não se fique pelas situações anómalas no que respeita às cebolas, óleo, dourada, conservas de atum, açúcar, azeite, couve coração mais os ovos, as laranjas, cenouras e as febras de porco. Vossa Excelência merece mais que ser Condestável da Guerra da Cebola. Pelas almas atire-se ao país. Vá Vossa Excelência ser inflexível com as situações anómalas nas escolas públicas. Não as situações anómalas que possam ocorrer mas sim as que estão a ocorrer agora mesmo. Não há um dia, senhor ministro, em que centenas de situações anómalas não aconteçam nas escolas. Aliás o anómalo tornou-se de tal forma regra que anómalo é as aulas acontecerem sem interrupções. E para que os alunos não se desabituem do anómalo já foram anunciadas mais greves até ao fim do ano lectivo. Portanto, no intervalo da Guerra da Cebola, vá Vossa Excelência tratar das anomalias nas escolas públicas. E claro também no SNS. Quer o senhor ministro melhor lugar para ser inflexível com a anomalia que as urgências hospitalares de funcionamento intermitente ou os centros de saúde com fila à porta desde as seis da manhã? Se não for muito pedir, também temos a CP onde anómalos são os dias em que os comboios andam,  mais a TAP, onde a cada caso queremos acreditar que tudo o que de anómalo podia ocorrer já ocorreu até que um novo caso nos prova que pode ser pior, ou seja ainda mais anómalo…

Incapaz de administrar o país e cercado pelas corporações da máquina estatal que fez crescer para comprar o poder, o Governo inventa inimigos. A Guerra da Cebola tal como a Guerra dos Senhorios não são episódios ridículos. São sim o reflexo de um Governo a lutar pela sua sobrevivência.

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