Esta semana, a Finlândia e a Suécia formalizaram o seu pedido de adesão à NATO. É mais um dos já vários acontecimentos históricos que varrem a Europa desde o dia 24 de fevereiro. Nada muda mais rapidamente as nações do que a guerra ou a proximidade da guerra.
A invasão da Ucrânia transformou definitivamente a perceção de segurança do nosso continente e, como diz a velhinha teoria das relações internacionais, os estados fazem dois tipos de esforços necessários para enfrentar este novo cenário geopolítico: ou aumentam significativamente o seu empenho e tesouro no robustecimento das suas forças armadas (como fez, por exemplo a Alemanha); ou preparam alianças com estados com interesses e, muito importante neste caso, valores comuns. Em tempo de guerra não há grande alternativa a estas duas possibilidades – ambas a ocorrer em simultâneo na Europa – porque as nações voltam àquele estado de alerta necessário para garantirem a sua sobrevivência. Nem mais nem menos. Até uma Europa, amortecida por setenta anos de paz e pela ideia que tinha superado o recurso à guerra, teve de perceber este facto da política internacional, e está a adaptar-se com a rapidez possível.
A Finlândia, até mais do que a Suécia – que geograficamente não incomoda tanto a elite russa –entraram em meses de profunda vulnerabilidade. Aliás, a Rússia deixou hoje de fornecer gás a Helsínquia e vai colocar 12 novas unidades militares nas fronteiras dos dois países. Deixar o estatuto de neutralidade poderá trazer custos adicionais aos estados, que podem passar por ciberataques, ataques híbridos e tentativas de disrupção interna. Mais, a Rússia anunciou, assim que se soube da decisão, que ia deslocar armamento atómico para as fronteiras terrestres com a Finlândia e para o Mar Báltico. Dmitry Medvedev – da linha mais dura do Kremlin – ameaçou de imediato com ataques nucleares. Ameaças que deixariam muitos países à beira de um ataque de nervos.
No entanto, a Finlândia (e também a Suécia, mas vamos concentrar-nos no primeiro caso) tem tido um comportamento exemplar. Encabeçado pelo presidente da República, Sauli Niinistö, a resposta de Helsínquia tem sido tranquila e assertiva. Desde que as ameaças da Rússia começaram, Niinistö declarou que a Rússia estava no direito de fazer os seus ajustamentos de segurança consoante achasse apropriado, tendo em conta a nova estrutura de segurança europeia. Quando as ameaças se adensaram, encolheu os ombros e declarou que Vladimir Putin tinha trazido a si o alargamento da NATO ao tentar rever pela força as suas fronteiras de segurança. Mandou Putin “olhar para o espelho” e perceber, de uma vez por todas, o que tinha feito ao seu país.
É certo que o Reino Unido tem desempenhado um papel essencial ligando a sua própria defesa – e indiretamente o conceito de indivisibilidade de segurança da NATO, ainda que incompleto, porque o Artigo V é só para membros de pleno direito – aos destinos da Finlândia e da Suécia. Esse respaldo é fundamental para a coragem finlandesa. Mas há mais: há a recusa de Helsínquia em ceder à “chantagem nuclear” da Rússia. A propaganda de Moscovo insiste de forma bastante frequente que um ataque com armas atómicas não está fora de questão. E a verdade é que, quer queiramos que não, a mensagem tem vindo a passar, nomeadamente através da comunicação social nas capitais europeias, tolhendo opiniões publicas e até decisores políticos na Europa. Por muito que a história nos prove que as armas nucleares são iminentemente dissuasivas, é mais fácil pensar que Putin é irracional e vai acabar com o mundo como o conhecemos. A verdade é que sentimos, muitas vezes, que as respostas europeias poderiam ser mais ousadas se não temêssemos dizer uma qualquer frase que possa incomodar o Kremlin. Como se o Kremlin tivesse algum problema em incomodar os Estados Unidos, a NATO e, especialmente, qualquer país europeu, cujos chefes de estado e das organizações supranacionais tem vindo a desrespeitar continuamente, ao longo dos últimos anos.
Por isso é que o exemplo de Sauli Niinistö é tão importante. A Rússia não pode dominar o Ocidente pelo medo. É o sentimento mais perigoso quando tem de se tomar decisões estruturantes. Também por isso é que o acolhimento da adesão da Finlândia e da Suécia à NATO é tão importante. Porque estes países mostram que preferem vulnerabilizar-se temporariamente a temer a Rússia por muitos e longos anos.
Não sabemos o futuro. Mas sabemos que as fronteiras e segurança da Europa estão a ser redefinidas e que esta redefinição vai transformar as nossas vidas para sempre. Aprendamos com os estados “na linha da frente”, ou seja, os que fazem fronteira com a Ucrânia ou a Federação Russa ou têm uma história de vizinhança difícil com a Rússia. Vencer o “medo nuclear” para assegurar um futuro mais seguro é a única possibilidade viável. Como já mostravam a Polónia, e Estónia, a Letónia e a Lituânia. Como mostram agora a Finlândia e a Suécia.