A Rússia 

Vladimir Shklyarov era primeiro bailarino de uma prestigiada companhia de bailado de São Petersburgo. Era um ilustríssimo bailarino, experiente e admirado. Apesar de uma longa experiência de 40 anos a voar em palco, adequada como poucas ao treino do equilíbrio, Vladimir desequilibrou-se. Tendo sido de uma janela de 5.º andar, morreu, e as autoridades russas não tiveram dúvidas de ter sido um acidente.

As autoridades russas têm uma soberba experiência em quedas de janelas. A sua capacidade para distinguir um acidente terrível de um empurrão maldoso tem sido exaustivamente testada nos últimos anos. A sua proficiência no campo das quedas de janela envergonha todas as polícias do mundo ocidental que se atormentam e perdem tempo em casos semelhantes. A profusão de inquéritos em que se esgotam, só porque um estudante alcoolizado caiu normalmente de uma varanda em Ibiza, é perdulária, expõe todas as indecisões e fragilidades dos regimes capitalistas. Os acidentes não são acidentais na Rússia, fazem sentido segundo as leis do materialismo histórico — leis boas, que não podem ser detidas, e devem ser motivo de reflexão para quem pensa que na Rússia não há lei. A coincidência de acidentes como o de Vladimir acontecerem sempre com cidadãos avessos ao regime russo por qualquer motivo, bom ou mau, tem todas as características de uma intervenção superior – com origem no céu ortodoxo ou num dos andares mais altos de Lubyanka – e a participação da lei da gravidade em todas as defenestrações acidentais corrobora, sem espinhas, o império das leis no país do Senhor Putin.

O Senhor Putin esforça-se por impor a sua versão geopolítica da Ucrânia desde 1991, esse ano fatídico para o Senhor Putin em que o império soviético, ex-czarista, sofreu a fractura cominutiva de que nunca se curou. Nesse ano, a Ucrânia recuperou a sua independência, tal como outras repúblicas soviéticas. O seu território, palco de partilhas e submissões ao longo de milénios, experimentara uma primeira e fugaz independência em 1917, aquando da reconfiguração de poderes permitida pelo caos da revolução russa. A constituição da União Soviética em 1922 absorveria a Ucrânia durante os 70 anos seguintes – até à sua separação. O Senhor Putin comporta-se como um ex-marido ciumento que ainda hoje não aceita que a sua Ucrânia tenha saído de casa para viver uma relação anti-natural com a Europa.

A Ucrânia encontra-se muito para cá dos Urais – a cadeia de montanhas que no interior da Rússia, e muito para leste de Moscovo, São Petersburgo ou Novgorod, já foi a cortina de pedra que sinalizava o início da Ásia. Hoje, não é claro onde termina a Europa, e se a Europa é um continente ou um acervo cultural adicionado de opções políticas. Para o Senhor Putin essa subtileza não faz sentido, tal como para um tanque de guerra é indiferente se avança por terra lavrada ou numa autoestrada com seis faixas e estações de serviço.

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A vocação expansionista da Rússia não é recente, tornou-se apenas mais temível após o apetrechamento militar e ideológico proporcionado pela revolução comunista. No seu tempo, Churchill entendeu isso e nas suas recomendações do post-guerra quis proteger a identidade dos países livres, fosse qual fosse a sua posição no mapa do mundo. A sua cortina de ferro ficava muito mais para cá dos Urais, no coração da Europa, e sinalizava a ambição soviética sobre o continente. Em 1945, a ideologia e a paranóia estaliniana da segurança eram determinantes na pretensão soviética de se expandir. Churchill tinha-o compreendido durante o período da guerra, levou essa convicção para Yalta e Potsdam, mas ninguém o ouviu. A Europa e os Estados Unidos adoptaram a ideia adolescente de que a União Soviética era fixe, respeitável, e que algumas travessuras — milhões de mortos pela tortura ou pela fome — estavam desculpabilizadas por outros tantos milhões de mortos que Estaline empilhou friamente às portas de Volvogrado (já chamada Estalinegrado desde 1925 por determinação implícita do próprio Estaline) e porque os vencedores das guerras são sempre boa gente e dignos de muita consideração.

As ambições do Senhor Putin têm motivações diferentes das de Estaline. São uma ameaça idêntica sobre o mundo livre, mas estão significativamente despidas de ideologia.

A reestruturação de fronteiras depois da II Guerra Mundial anima o sonho imperial do Senhor Putin — é inspiradora, depois de então ter sido permitido à União Soviética abocanhar a Finlândia, os países bálticos, Checoslováquia, Polónia e Alemanha. Se isso aconteceu uma vez em 1945, se aconteceu uma segunda vez em 2014 com a anexação da Crimeia, voltará a ser possível mais uma e outra vez. O Senhor Putin por esse lado está confiante, a política do facto consumado e do medo resultarão de novo.

O Senhor Putin não se conforma com o desmembramento da grande União Soviética, que será sempre a Grande Rússia – sem os sovietes. Nunca perdoará a Gorbachov, o filho querido do ocidente e do capitalismo, que acabou com toda a grandeza da mãe Rússia. Nunca perdoará a si próprio, que nesse período até 1991, foi coronel do KGB e não foi capaz de travar o apóstata. Há na ambição do Senhor Putin uma pretensão correctiva e penitencial. Quer ver-se a si próprio como o restaurador da Rússia, enorme e ameaçadora, e não se lembrar de que foi o polícia que falhou.

Para o senhor Putin a Ucrânia é o ponto de partida para a sua corrida contra o tempo. Precisa dela pela sua localização estratégica e pelos seus recursos. A Ucrânia é uma jóia perdida e em mãos multiplamente abomináveis: gente de sangue cossaco, de hábitos rebeldes e com dificuldade histórica em incorporar as hierarquias civis e militares, com gosto pela liberdade e, agora em particular, pelas soluções democráticas dos países ocidentais. Os cossacos ucranianos conseguiram melhor evolução cultural e lugares preponderantes na administração, consomem menos vodka do que a Rússia (e cada vez menos, enquanto a Rússia tem aumentado o consumo alcoólico), têm condições agrícolas invejáveis, recursos naturais enormíssimos, uma localização privilegiada sobre o Mar Negro, local reservado para a vilegiatura dos russos – tudo o que o Senhor Putin inveja, com possível excepção da parte do vodka.

Mas, para além das motivações, existem os pretextos. Os Estados Unidos teriam, em1990, prometido ao Senhor Gorbachov que a NATO nunca se expandiria para Leste. Apesar de não existir nenhum acordo escrito e de o próprio Senhor Gorbachov ter negado qualquer comprometimento formal, Putin evoca esse momento difuso para justificar a agressão contra a Ucrânia e a sua necessidade em avançar ele próprio pela Europa dentro. O princípio aplicável neste caso é simples: a rico não devas e a pobre não prometas. Isso não foi tido em conta e, na realidade, documentação relativa à reunificação alemã e desclassificada em 2017, permite admitir declarações — do Senhor James Baker mas também de outros políticos – que suportam a alegação do Senhor Putin.

Por dentro da cabeça do Senhor Putin 

Quando a Ucrânia cair qual será o próximo passo para o Senhor Putin?

O Cáucaso é um abcesso para o Senhor Putin e uma pedra de fundação para o seu edifício expansionista. Para além do plano das autonomias, sempre em disputa desde que Estaline desenhou arbitrariamente as fronteiras naquela região, cruzam-se religiões. A influência islâmica no Cáucaso, sustentada a partir do norte pela Turquia e a partir do sul pelo Irão, defronta a presença cristã perpetuada a partir da Arménia. No Cáucaso os países não estão em paz nem em guerra. Toda a região está semeada de rastilhos — as nacionalidades confundem-se com as religiões, e a Rússia tem sido a potência dominante que ali despendeu mais vidas e mais esforço militar. A Tchechénia é o mais irrequieto de todos os territórios e ainda não acalmou as suas pretensões independentistas e islamitas. Desde o século XVIII que a Rússia não consegue impor a paz aos tchetchenos, aquela terra de gente feroz.

O Senhor Putin deseja dominar efectivamente o Cáucaso. O avanço sobre a Ciscaucásia permitir-lhe-ia um ascendente estratégico sobre os insurgentes locais e o controle daquela ponte caótica entre a Ucrânia e o território russo. A invasão da Ucrânia resultou de uma avaliação optimista dos riscos — no que errou completamente — e da prioridade atribuída a argumentos políticos. O Senhor Putin procurou legitimação em pretextos históricos – a promessa do Senhor Baker mas igualmente o facto de Kiev ter sido a primeira capital da Rússia – e demográficos – a existência de uma maioria russa na Crimeia e uma significativa minoria de 30 a 40% de russos a leste do Volga. Premeditadamente ou não, não quis antecipar afrontamentos na região ainda por outro motivo – para poder contar com o auxílio militar dos aguerridos e cruéis militares tchetchenos. E esse auxílio já foi solicitado.

Porém, a região báltica poderá ser mais atractiva para o Senhor Putin, por razões estratégicas mas também emocionais. A adesão da Suécia e da Finlândia à Nato, em 2022 e na sequência da invasão da Ucrânia, exasperou duplamente Putin: porque lhe vai dificultar enormemente qualquer intervenção militar na região e porque não terá pesado suficientemente essa hipótese quando invadiu o Donbas. A frieza de Putin está sempre em risco de se quebrar por razões comuns – baixa tolerância à frustração, rigidez de pensamento que dificulta a adaptação estratégica inteligente, ruptura do controle emocional com resposta agressiva/punitiva que pode ser auto dirigida. O corredor do norte da Europa é vital do ponto de vista comercial, energético e das comunicações. Aos olhos do Senhor Putin é agora e também outra memória de ter sido desfeiteado. A região báltica pode ser a região de maior risco para um próximo avanço russo. E talvez sem relação com o que venha a acontecer na Ucrânia ao Senhor Putin.

Vladimir Putin foi um garoto desordeiro, um rufia que nunca foi aceite na organização comunista para a sua idade e só muito tarde, vergado pela disciplina das artes marciais, adquiriu comportamentos contidos. Foi um filho tardio e não conheceu os seus dois irmãos mais velhos, falecidos precocemente. A sua longa passagem pelo KGB acentuou-lhe o feitio ácido e desconfiado. Não é um homem feliz, ser-lhe-á estranho esse conceito, e seguramente não entende porque é que outros são felizes. Putin trocou a felicidade pelo poder, é um senhor Scrooge do poder. O Senhor Putin é um conservador não-comunista com ideias socialistas, é ferozmente nacionalista, avesso a comunhões internacionalistas e anti-europeísta. Em 2022, Putin comparou-se a Pedro I da Rússia e considerou que a “recuperação dos territórios” devia ser o objetivo da Rússia.

O Senhor Putin anda consumido por uma ideia czarista de domínio da Europa. Tem um plano que ajustará consoante as circunstâncias, um pensamento obscuro para o ocidente nos seus pormenores, mas óbvio no seu delineamento geral. Putin está naturalmente bem dotado para se tornar um autocrata frio, com um domínio superior de janelas altas, venenos difíceis e massacres de vários tipos.

O Senhor Putin tem aversão à Europa mas também à própria Rússia. Não aceita que a Rússia seja europeia desde Pedro o Grande, que seja na parte europeia da Rússia que se encontram as grandes cidades e locais históricos, que seja para cá dos Urais que vivem 80% dos russos. O Senhor Putin não é europeu, como não foi Estaline, tem uma visão imperial da Rússia, ortodoxa e pesada, com almas mujiques trabalhando em fábricas militares e grandes proprietários rurais transformados em banqueiros. Um e outro, Estaline e Putin, são indiferentes à sorte dos povos — a quem apenas compete acorrer com prontidão ao campo de batalha e morrer o melhor possível, valentemente e na quantidade que for necessária.

O Senhor Putin voltou a ameaçar com a guerra atómica e testou contra a Ucrânia um míssil balístico de longo alcance, hipersónico e capaz de transportar uma grande variedade de ogivas e dispositivos. Será provavelmente a arma mais cara atirada ao ar para se espatifar sem recuperação possível. O seu valor individual não é conhecido mas deverá ser mais caro que um ATACMS (1.4 milhões de euros) ou o Storm Shadow (900 mil euros). Com esse primeiro míssil o Senhor Putin estragou a fachada de um prédio e feriu dois ucranianos. Felizmente foram apenas dois feridos, mas é tão chocante como se o Senhor Putin construísse uma central nuclear para estrelar um ovo. Ele não sabe o que custa ganhar 1.4 milhões de euros. E ainda menos sabe como a vida das pessoas é sem preço.

O resto do mundo 

Os povos que habitam o mundo não sabem o que pensar. Têm medo, umas vezes mais e outras vezes menos, consoante os dias e o que acabam de ouvir ou ler. Os governantes também não sabem o que pensar e estão numa fase em que lhes parece mais perigoso fazer alguma coisa do que não fazer nada. Esta é a mais desastrosa opção perante uma ameaça.

Os Estados Unidos gastaram com a Ucrânia, desde Fevereiro 2022, pelo menos 175 mil milhões de dólares (o PIB português é 284 mil milhões de dólares), o que inclui 70 pacotes de ajuda militar e ajuda financeira directa. Esse imenso dinheiro não é muito nem pouco. Entregue aos bocadinhos, como quem tempera batalhas, tem sido a quantidade exactamente necessária para manter a guerra equilibrada e o morticínio proporcional. O número de mortos ultrapassa os 100 000. A maior parte deles são rapazes russos arrebanhados às aldeias asiáticas. São muito menos comoventes que os mortos ucranianos e o Senhor Putin, que podia comover-se um pouco mais, é por temperamento, deformação cultural e cultura militar, pouco sensível.

O Senhor Putin não está disposto a envolver na guerra russos melhores do que aqueles, não deseja ser contestado nas cidades e instituições civis russas. Conversou com quem está habituado a conversar e acrescentou 12 mil soldados norte-coreanos aos seus exércitos. Com isso lisonjeou Kim Jong-un e envolveu-o definitivamente na guerra, para a guerra que der e vier. Hoje, segundo o Financial Times, à hora a que as pessoas estavam a almoçar na Europa Ocidental, a Rússia poderá ter enviado para a frente mercenários Houthis recrutados de modo pouco claro. A guerra que começou por ser entre dois países, está a internacionalizar-se. O Senhor Putin está a poupar os russos melhores, dispersa o esforço de guerra e, ao mesmo tempo, compromete com a sua causa aliados acostumados ao sacrifício.

O auxílio que numa primeira fase do conflito ambas as partes recebiam de países aliados, em armas e dinheiro, passava por ser um estimável negócio, providencial e útil para todos – uns a precisar de vender e outros de comprar, ou seja, em tudo semelhante ao negócio da venda de meloas na recta de Pegões. A presença de homens de um país terceiro no teatro da guerra é diferente, implica uma participação ideológica e afectiva, envolve uma nacionalidade e não apenas homens de negócios.

Para o Senhor Biden o aparecimento dos norte-coreanos foi o sinal que permitiu a libertação das armas de longo alcance e, para franceses e ingleses, a legitimação do seu propósito em participar na guerra com os seus mísseis de cruzeiro. Mas todos têm ideias próprias.

Para o Senhor Macron a ajuda com dinheiro e equipamentos é insuficiente. O Senhor Macron é o inevitável herdeiro da prosápia francesa, essa incontrolável vontade de fazer história com muita fanfarra e antes de todos. Ademais, encontra-se assoberbado por problemas domésticos que não vão ter solução no seu tempo. O Senhor Macron de boa mente enviaria soldados franceses para a Ucrânia, um meio grandioso de deslocar a atenção do mundo e dos seus compatriotas para longe de Paris e para exibir o vanguardismo da França – de preferência desde que os Estados Unidos já tivessem comprometido também os seus exércitos, o que não foi revelado, mas faz parte da valentia europeia. Mesmo assim não lhe seria recusado o mérito da intenção e a nobreza da França.

O Senhor Starmer, que lidera a Inglaterra com circunspecção, libertou para uso dos ucranianos os seus Storm Shadow, mas não quer que isso se saiba. Entende que os russos são seres humanos com sentimentos e que se sentiriam provocados se tomassem conhecimento disso, zangar-se-iam no limite, e isso seria descortês e aborrecido. Encontra-se rendido à discrição, conforme já no seu tempo tinha preconizado Neville Chamberlain, o seu elegante antecessor no número 10. Starmer aposta firmemente em destroçar os exércitos de Putin sem eles se aperceberem. O Senhor Starmer propôs ao discursar na cimeira dos G20 que se aborde a “guerra ilegal da Rússia na Ucrânia” mas, como se declarou indisponível para falar com o Senhor Putin, existe a certeza de que a conversa sobre a guerra será apenas entre pessoas educadas.

A Alemanha, através do seu chanceler, falou com o Senhor Putin. O Senhor Scholz desejaria não afrontar ninguém, incluindo os seus próprios compatriotas. A Alemanha está demasiado perto da Rússia e a meio de todos os caminhos que atravessam a Europa. O seu poderio industrial é demasiado grande e será chamada a um esforço enorme se a guerra se generalizar. A Alemanha tem uma posição temperada no conflito, suporta a Ucrânia com meios sanitários e aceitou um grande número de refugiados mas gostaria que a Rússia entendesse a sua ajuda como humanitária e não de apoio a um dos beligerantes. Recusa à Ucrânia mísseis de longo alcance, caças e submarinos, para que o conflito não escale; acredita que os seus Leopard 2e os Stinger, bem aproveitados, serão suficientes para os russos não ganharem a guerra. Scholz pediu a Putin que retirasse da Ucrânia e aceitasse conversações para a paz. Obviamente, foi inútil.

Os outros países avulsos da Europa tentam não parecer mal no seu apoio à Ucrânia, indignam-se e são tanto mais aguerridos quanto mais pequenos e mais distantes da zona de conflito. Tal como as grandes potências, os pequenos países fazem o que podem dentro das suas possibilidades, deixam implícito que fazem pouco mas é de boa-vontade. Comportam-se como senhoras numa quermesse de Natal – compenetradas, generosas até onde for necessário para não parecer mal e não querendo nenhuma delas ficar atrás das outras em generosidade. A ideia é não gastar muito mas também não passar por uma vergonha. Os países obrigados pela sua geografia a maior seriedade – países bálticos e Escandinávia – têm ou reataram recentemente o serviço militar obrigatório. Para ocidente dessa região exposta à Rússia apenas a Áustria (e por outros motivos, também a Grécia e Chipre), têm serviço militar obrigatório. Muito recentemente a Suécia foi mais longe em seriedade e iniciou a preparação das populações para uma guerra nuclear.

A NATO tem servido de argumento para a agressividade russa, particularmente depois de ter posicionado tropas multinacionais nos países bálticos e Polónia – numa data bem posterior à ocupação da Crimeia pela Rússia. Pela sua vocação inicial, conter a ameaça soviética, a NATO tem procurado manter um equilíbrio precário entre o que lhe compete fazer e, ao mesmo tempo, não dar ao Senhor Putin pretexto para escalar na guerra. Os países europeus que a integram têm orientado a sua ajuda à Ucrânia por caminhos mais discretos que os da NATO: individualmente ou no âmbito da União Europeia. Enquanto isso a NATO, desvitalizada e deixada aos Estados Unidos, aguarda que o Senhor Trump decida em Janeiro o que quer fazer – manter a incomportável ajuda americana ou obter da Europa uma decisão sobre as estruturas de defesa que quer e está disposta a pagar.

A ONU condenou a invasão russa, faz apelos à paz, tem prestado ajuda humanitária e vela pelos direitos humanos. A eficácia e o sentido de justiça do seu trabalho no que respeita aos direitos humanos há décadas que têm sido postas em causa por inúmeros observadores independentes e por secretários gerais da mesma ONU. A composição do conselho é assustadora, a lista dos países condenados pelo conselho, e sobretudo os que não foram condenados, é desrespeitosa de qualquer inteligência mediana. A falta de eficácia da ONU em garantir a ajuda humanitária permite a todos os grupos terroristas saquearem recursos destinados às populações – recentemente resultou no saque por palestinianos de 98 em109 veículos de ajuda. A eficácia da ONU em garantir a segurança é patente pelo modo como garantiu a ocupação do sul do Líbano pelo Hezbollah. A sua capacidade de promover a paz é a que contempla o morticínio e o barbarismo no Sudão. O Secretário Geral António Guterres reclama fundos que serão saqueados nos locais de conflito, faz apelos e designa enviados especiais.

O futuro 

Ninguém consegue avaliar o risco de uma guerra generalizada. Não é possível e nenhuma estimativa deve servir para orientar procedimentos. A possibilidade de uma guerra total tem de ser fixada à volta dos 100% e tudo o que é necessário para vencer deve começar de imediato. As guerras ganham-se antes de começarem. Depois de iniciada nenhuma guerra terá vencedores, apenas alguns restarão mais vencidos do que os outros. Com quem e com quê podem contar as pessoas? Haverá alguém com clarividência para antecipar o rumo das coisas e propor um modo de actuação?

A História regista a perda de grandes exércitos às mãos de exércitos pequenos, a derrota de comandantes geniais perante soldados audaciosos, a vaidade submetida pelo desespero e o desaparecimento de nações que se perderam do seu berço. O que a História não recorda é a vitória dos pusilânimes e hesitantes, dos que silenciam e têm medo de ter razão.

Pouco antes do início da II Guerra Mundial Winston Churchill, então com 65 anos e um riquíssimo passado intelectual, político e militar, denunciava na Câmara dos Comuns o expansionismo alemão e a ligeireza com que o governo britânico olhava o perigo de contemporizar com Hitler. Infelizmente, não foi ouvido e Chamberlain, o gentil primeiro- ministro britânico, prosseguiu na sua estratégia de apaziguamento de Hitler. Demitiu-se, depois de os aliados serem repelidos da Noruega pela máquina de guerra nazi. Era ainda o princípio da brutal tragédia que esperava o mundo. Chamberlain viria a morrer em 09 de Novembro de 1940, já afastado por doença da vida pública, e sem ter observado na totalidade as consequência da sua asneira. Oxalá tenha morrido tranquilo, sem se lembrar das mais premonitórias palavras de Winston Churchill: “You were given the choice between war and dishonor. You chose dishonor and you will have war”.