A decisão do Ministério da Educação, Ciência e Inovação em realizar as Provas Nacionais do 9º ano, este ano, em formato papel e não digital, como inicialmente previsto, merece uma reflexão que vai muito além da falta de ‘condições técnicas’ para a realização destes exames. Fará, pois, sentido uma reflexão sobre a importância de um objeto que é decisivo na formação das nossas crianças: o livro impresso.

Portugal encontra-se na quarta fase de um projeto-piloto para substituir, de forma gradual, os livros tradicionais em papel, e já são mais de 20 mil alunos que estudam exclusivamente com manuais digitais. Face ao ano letivo anterior, o número de alunos abrangidos quase que duplicou. No entanto, importa perceber qual o impacto da mudança do manual impresso para o digital e de que forma é que esta transição pode condicionar a aprendizagem daqueles que são o futuro do nosso país.

A importância desta temática e o potencial impacto no desenvolvimento cognitivo das crianças e jovens levou a que investigadores de diferentes áreas e diferentes geografias do globo tenham decidido estudar, analisar e perceber as implicações desta alteração. Os resultados falam por si.

Na área das neurociências, a investigação tem demonstrado que a aprendizagem em papel é superior àquela que é realizada através dos meios eletrónicos, quer na escrita, quer na leitura. Assim, concluíram que as vantagens do papel na compreensão, análise e lembrança de conceitos mais complexos, bem como a retenção profunda de conhecimento era superior a uma aprendizagem mais superficial, e, portanto, mais efémera, proporcionada pelos meios eletrónicos. Uma meta-análise levada a cabo pela Universidade de Valência, analisou trabalhos publicados entre 2000 e 2018 e totalizando 170.000 estudantes em 19 países, sugere um “efeito de superioridade do papel” na aprendizagem.

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O estudo conclui que o papel mostra uma clara vantagem sobre o digital na compreensão de leitura, mais ainda quando há restrições de tempo e/ou os textos são de cariz informativo. Os autores verificaram ainda que a superioridade do papel aumenta em pessoas com idade inferior a 20 anos e que este permite um desempenho superior na aprendizagem e compreensão durante o ensino básico, consubstanciado na utilização de manuais e livros escolares impressos. Outro trabalho académico, este num universo de mais de 10.000 estudantes universitários em 21 países, mostrou que a maioria preferia estudar em folhas impressas, especialmente em documentos mais extensos, indicando uma clara preferência por papel para tarefas que incluem atenção, revisão e memória, numa preferência pelo papel enquanto facilitador de concentração e memória que é transversal a todas as geografias analisadas.

Na sequência destes trabalhos, no início de 2019, mais de uma centena de investigadores e cientistas europeus assinaram aquela que ficou conhecida por “Declaração de Stavanger” referindo que uma transição de papel para digital não seria neutra na aprendizagem. Terminaram por alertar Professores e Educadores que uma transição do papel impresso e escrito à mão, por meios digitais, poderia causar atraso no desenvolvimento das crianças no que respeita à compreensão da leitura e pensamento crítico.

Sabemos que os suportes digitais estão cada vez mais presentes em todos os aspetos da nossa vida quotidiana, mas não deixa de ser interessante verificar que a “euforia digital” se vai esbatendo à medida que vamos amadurecendo a compreensão do equilíbrio entre vantagens e desvantagens. Este ano, o Dr. Christopher Willard, psicólogo clínico, autor e professor da Harvard Medical School, afirmou que as escolas de elite estão a voltar ao papel e caneta eliminando o uso de aparelhos digitais nas salas de aula e o estudo “Two Sides Trend Tracker Survey 2023”, um inquérito realizado a mais de 10.000 consumidores em 16 países, da América do Sul e Estados Unidos à África do Sul e Europa, revelou que mais da metade (52%) concordaram ou concordaram fortemente com a afirmação: “Acho que crianças e alunos aprendem mais lendo livros impressos do que livros e materiais didáticos digitais”, face a apenas 16% que discordaram ou discordaram totalmente.

Nos últimos 15 anos, as escolas suecas tinham apostado fortemente na digitalização desde a pré-primária, mas o estudo “Progress in International Reading Literacy” da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (da qual Portugal faz parte desde 2011) mostrou que a tecnologia está a debilitar o desenvolvimento cognitivo dos mais jovens. O custo? O Estado sueco vai investir 60 milhões de euros em 2024 para fazer regressar os livros em papel, assim como um reforço de 40 milhões nos próximos dois anos.

Sobre outro relevante aspeto — a Sustentabilidade — um estudo da NHO Grafisk indica que as emissões de CO2 fóssil de um livro escolar impresso são 10 vezes menores do que uma versão usada via laptop, e 30 vezes menos do que a versão usada num desktop e até contribui para a expansão da floresta europeia (que cresceu, em uma área equivalente a 1500 campos de futebol por dia, entre 2005 e 2020).

Perante estes dados, e de forma que não surjam equívocos, não estamos “contra o digital”. Consideramos que tanto na educação como noutras áreas se trata de uma falsa questão, e que cada um destes meios (digital e papel) tem virtualidades específicas e beneficia tremendamente da complementaridade com outros.

O substantivo comum “Livro”, mesmo nos nossos dias, parece continuar a remeter o nosso inconsciente para palavras e imagens impressas em papel. O Livro — essa obra impressa em papel — é um aliado do desenvolvimento intelectual e da literacia. Para além de promover a compreensão da leitura, o papel contribui para o desenvolvimento cognitivo na aprendizagem, incrementa o pensamento abstrato e crítico, facilita o foco e a memória, e a retenção de conhecimento.

Será que perante tudo isto, e numa altura em que Portugal enfrenta vários desafios, queremos ter futuras gerações de portugueses com pior aproveitamento escolar ou com menos pensamento crítico? Acreditamos que não.